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Maria Luisa
Trindade Bestetti
O lazer como distração do idoso e as
alternativas no contexto urbano
Quando percebemos
que a longevidade aumentou e que mais saúde tem sido a principal
causa dessa mudança, passamos a considerar a importância de
tratarmos do tempo livre dessas pessoas, pois não basta apenas
constatá-lo, mas, também, apreciar quais são as condições para
usufruí-lo com conforto e segurança. Quais são as alternativas? Este
artigo pretende demonstrar que o movimento turístico tem sido
destacado em função da sua organização e do seu potencial para
aproveitamento dos períodos de baixa estação. Porém, há outros
fatores que interferem nessas escolhas, e não basta considerarmos
que a satisfação será completa em função de um deslocamento
temporário do lugar de origem, mas da forma como se utiliza dele
para aproveitamento dos momentos de ócio.
O sociólogo
Domenico de Masi defende a teoria do ócio criativo, onde sugere que
racionalizar o tempo empenhado no trabalho permite maior tempo
livre, que servirá para reinvestir em resultados mais produtivos,
pois o tempo ocioso permitirá prazer e a recomposição da capacidade
de criar. Bertrand Russel estabeleceu um paralelo entre a emoção e a
regra, sintetizado no princípio de que desaprendemos o ócio
prazeroso a partir da imposição do tempo empregado na produção
concreta.
Assim justificam-se
mudanças que passam a constituir sonhos de consumo de qualquer
trabalhador: a necessidade até de mini-academias dentro de casa,
passando por banheiras de hidromassagem, móveis com dispositivos
massageadores e o controle remoto ou sensorial para dispositivos
eletrônicos. Além disso, as inúmeras possibilidades em destinos
turísticos nos mais diversos níveis, determinando um amplo
engajamento do público de terceira idade nessa atividade.
Configura-se como um importante grupo consumidor, em especial pela
crescente participação ativa no mercado.
A medicina já
desenvolveu soluções que permitem monitoramento à distância,
reduzindo também os temores em relação a possíveis abalos de saúde.
Além disso, hoje ela já é tratada de modo preventivo e não curativo,
aumentando muito as condições de segurança contra doenças naturais
graves, que podem ser retardadas ou mesmo amenizadas. A globalização
da economia permite a facilitação das trocas, pois as moedas
referenciais também permitem maior mobilidade e melhor compreensão
das especificidades mercantis de cada local, mesmo quando não se tem
o domínio de idioma estrangeiro. Tais considerações determinam o
sucesso do turismo como produto facilmente adquirido, apesar dos
custos em constante elevação.
Considerando-se já
em 2003 a privatização das rodovias e a implantação dos pedágios,
boa solução quanto à manutenção e apoio a esses trechos de estradas,
porém com acréscimo no custo das viagens, também o transporte
rodoviário começa a determinar limitações que incidem diretamente na
movimentação turística. Ao considerarmos que a maioria da população
idosa brasileira não tem condição financeira suficiente para
viabilizar viagens de longa distância e duração, as soluções mais
acessíveis apresentam-se, também, ameaçadas. O padrão financeiro
dessas pessoas, assim como as condições físicas dos empreendimentos
turísticos, esses sim em fase de reestruturação para um modelo
dentro do Desenho Universal, determinam um tipo de turismo que tende
a extinguir-se. Portanto, é preciso pensar em como essas limitações
de deslocamento afetarão o próprio comportamento do mercado e da
sociedade em geral.
A psicologia e a
arquitetura têm buscado, em estudos recentes, quais as relações
sensoriais dos indivíduos inseridos em espaços, quer sejam
particulares, quer sejam públicos. Criou-se uma matéria já
denominada Psicologia Ambiental e que desenvolve pesquisas sobre a
percepção sensorial, analisando-se o bem-estar do usuário nesses
espaços. Estudam-se as sensações espaciais e a exposição à
violência, visto que a cidade se comporta como um grande shopping
center.
Sabe-se que os
estímulos provocados por cores, texturas, sons, odores e sabores
podem trazer a quem os experimenta as mais diversas sensações, que
são codificadas de acordo com suas experiências anteriores, além da
cultura adquirida no meio familiar e social. Existe, então, a
determinação de preferências que estabelecerão os aspectos de
conforto ambiental, equacionados de acordo com as características de
cada indivíduo, considerando-se faixa etária, padrão
sócio-econômico, origem étnica e cultural, dados antropométricos e
de saúde, enfim, códigos que tornam cada pessoa um ser único e capaz
de perceber de modo único.
Mas há motivos que
transformam essa equação fundamental: situações traumáticas,
alterações emocionais, submissão na convivência social. E esse pode
ser o ponto que resuma, atualmente, o surgimento de diversas novas
doenças associadas ao medo gerado pela violência urbana, oprimindo a
liberdade de expressão, acelerando a passagem por percursos
agressivos e impedindo experiências satisfatórias de percepção do
espaço das cidades. E isso foi levado para o âmbito privado, pois os
muros altos, as grades nas portas e janelas, as muitas formas de
trancar quem estava fora acabaram por fazê-lo com quem estava
dentro, criando limites aos cinco sentidos.
Além disso, essa
opressão causou a necessidade de artifícios que amenizassem essa
sensação de desamparo e desproteção, e o comércio passou a
concentrar-se em ruas fechadas, cobertas e guardadas, imitando
praças e criando climas ideais. Assim passou também a acontecer com
os serviços e, pouco a pouco, com o lazer. E as cidades originais,
embora expostas, mas sinceras, que não determinam padrões de
apresentação e nem selecionam seus usuários, passam a pedir socorro,
pois temem não sobreviver. O comércio passa a abusar das placas,
gritando para ser ouvido, e cria ruídos na compreensão das
mensagens.
Esse desafio aos
governantes municipais provocou a revisão dos conceitos e,
associados a entidades que se reuniram para discutir a cidade,
passaram a pensá-la estimulante, mas não despersonalizada,
revitalizando praças e ruas através de equipamentos e sistemas de
sinalização mais condizentes com as expectativas dos cidadãos
contemporâneos e de acordo com as características regionais, num
resgate de cultura para manutenção das especificidades. O conceito
de shopping center transfere-se para a cidade, mas a
segurança ainda representa um elemento inibidor aos passeios
descontraídos, pois calçadas estreitas, em ruas de alto fluxo,
iluminação inadequada e falta de policiamento acabam por reduzir o
prazer da experiência do passear.
Caminhar é um dos
exercícios mais recomendados para todas as faixas etárias, e se essa
ação de caminhar for associada a exercícios mentais de leitura em
vitrines, conversas com amigos, alimentação saudável e outros
motivos, as pessoas com tempo livre o ocuparão de modo sadio e
proveitoso, ampliando seu prazer na convivência social. Os
indivíduos da terceira idade são consumidores potenciais de produtos
oferecidos nas ruas em lojas ou mercados, pois a procura pode se
tornar uma atividade prazerosa, porém a ameaça perpetrada pela falta
de segurança os afasta dessa experiência. Como analisar essa
situação da virada do século XXI e compreendê-la no contexto urbano?
A cidade não deveria ser ameaçadora, mas é. Os indivíduos não
deveriam ser reféns de suas próprias moradias, mas são. Pensar o
habitar nas cidades sem esse impacto é o desafio a ser enfrentado.
O idoso pode ser
compreendido com raízes frágeis e buscando motivos para manter-se
vivo e participativo. O filme COCOON (1985 - Produção de Steven
Spielberg e direção de Ron Howard) demonstra claramente os efeitos
causados pelas perdas naturais ao longo da vida: o luto é causado
não só pela morte de entes queridos, mas também em inúmeras outras
circunstâncias. Além de companheiros que morrem, a falta de
atividade produtiva e reconhecida através do sucesso e da
remuneração e, até mesmo, a diminuição da capacidade física de
mover-se, ver e ouvir pode trazer frustrações que muitas vezes levam
a processos depressivos e à falta de vontade de viver.
Também as relações
familiares e sociais apresentam condições nem sempre favoráveis a
mudanças: na década de 50 as mulheres procuravam um espaço além do
âmbito dos seus próprios lares e já passavam a determinar mudanças
de comportamento. O lazer tem demonstrado ser muito atraente àqueles
que redescobrem interesses e motivações, quer seja pela experiência
de visitar e conhecer novos lugares quer seja pela convivência com
outras pessoas com características semelhantes. As cobranças
familiares de convivência e controle já existem em graus bem menos
significativos e, portanto, já não exigem mais encontros constantes.
O apego a objetos e
lugares está muito menor e o mercado oferece, cada vez mais,
produtos consumíveis e descartáveis, fragilizando as relações do
homem com seus objetos, ficando as lembranças restritas a registros
fotográficos, hoje também digitalizados. Podemos transportar nossas
lembranças onde quer que nos instalemos, e nossa personalidade pode
ser representada de modo quase cenográfico, como uma montagem de
caráter transitório e limitado. O lazer virtual é hoje considerado
como um produto para uma sociedade das experiências descartáveis.
Discutem-se temas como escassez de recursos, mudanças de
comportamento e aceleração da sociedade, premida pela urgência de
informações que os meios rápidos de comunicação geraram.
Tal aceleração,
mais do que exigir velocidade física, quase obriga aos consumidores
que se mantenham sempre atualizados quanto a tendências, rumos da
economia global e transitoriedade dos relacionamentos sociais,
fragilizando as raízes desses indivíduos e o contato com seus
lugares de atuação. Assim, não só a competitividade profissional (e
a conseqüente disputa por honorários mais gratificantes...), como
também as dificuldades de deslocamento, que os custos das viagens
têm gerado, faz-nos pensar sobre o advento dessa forma de conhecer
lugares, e não apenas por imagens e sons limitados em pequenos
aparelhos eletrônicos.
Construir registros
pictográficos já não se constitui um mistério, a partir dos
softwares de fotografia e construção de imagens, já amplamente
utilizados. Apesar disso, esses avanços foram causadores de um
desnível educacional e do surgimento dessa nova espécie de
analfabetismo. De qualquer modo, esse lazer de caráter
essencialmente tecnológico trouxe as facilidades do mundo
contemporâneo para perto de todos, saciando o desejo de manter-se
informado sem mesmo sair de casa.
No que tange às
necessidades dos idosos, somam-se aos argumentos anteriormente
citados motivos para preenchimento do tempo livre e a criação de
objetivos para manterem-se auto-estima e equilíbrio emocional, já
que a longevidade em franco crescimento fará com que surjam aqueles
indivíduos saudáveis fisicamente, mas fragilizados pela espera do
fim, se não direcionarem suas intenções para atividades produtivas,
sejam relacionadas a praticar a fé, sejam para saciar sonhos. Não se
podem descartar hipóteses como essas...
As cidades, cada
vez mais assustadoras, são objeto de análise dos técnicos que podem
contribuir para torná-la mais acessível, acolhedora e inclusiva.
Sinalizar corretamente, garantir espaços públicos de passagem ou de
descanso e estimular o uso através de campanhas convidativas é o
caminho para tornar os espaços urbanos lugares de socialização e
prazer, especialmente àqueles que agora podem apreciá-la, já que
cumpriram seu papel ativo no mercado de trabalho.
Maria Luisa
Trindade Bestetti
Arquiteta
formada pela UFRGS em 1982. Mestre pela FAU/USP desde 2002.
Doutoranda pela FAU/USP com o tema “Acessibilidade em hotéis e
revisão de conforto: desenho adequado para hóspedes da terceira
idade”. Professora de Projeto Arquitetônico na UNIDERP, em Campo
Grande – MS. Autora de dois livros, um do quais sobre hospedagem
de idosos. Trabalha com projetos e consultoria para
empreendimentos hoteleiros. E-mail:
mltbarq@terra.com.br
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