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Resenha

Cirurgia em campo aberto

 

"Cirurgia em campo aberto" exibe as chagas de uma área que agoniza nas páginas dos jornais

Por Arquimedes Pessoni

Para os jornalistas da velha geração, aqueles que tinham Waldomiro Penna, do seriado Plantão do Polícia, exibido nas noites de sexta-feira na Rede Globo, como referência de jornalismo investigativo, o livro de Aureliano Biancarelli vai ser uma forma de matar saudades. Cirurgia em Campo Aberto (Brasiliense, 2001, 183 p.) traz para os profissionais da redação, curiosos em jornalismo e ainda aqueles que têm afinidade com a área da saúde várias experiências do escritor enquanto trabalhava para o jornal Folha de S.Paulo.

Aureliano Biancarelli, jornalista da safra ECA-USP dos anos 70, desde os 23 anos está na luta das redações, tendo atuado em diversos veículos, entre eles Veja, Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo (onde esteve até o início de 2004). Ficou conhecido pelos profissionais da Comunicação e da Saúde como o "biógrafo da Aids", visto que acompanhou a história da enfermidade desde seu surgimento e assinou grande parte das matérias sobre o tema no jornal paulista.

Como deixa bem claro no início de seu livro, Biancarelli queria mesmo é registrar as histórias que povoam a metrópole São Paulo e que têm um gancho na área da saúde. A maioria dos relatos diz respeito ao que acontece nos lugares mais esquecidos da cidade que aparecem nas páginas dos jornais quase que sempre das editorias de Polícia. A mulher, segundo o autor, é a personagem que mais ganha espaço quando o assunto é saúde: "As mulheres e as crianças são as heroínas e as vítimas maiores das cidades. Os personagens desses relatos foram surgindo por acaso, sem escolha. No final, não por coincidência, constata-se que quase todos são femininos. Enquanto a administração dos negócios da saúde costuma estar em mãos masculinas, os cuidados cotidianos passam pelas mãos das mulheres. A doença e a saúde deveriam estar acima das questões de gênero. Não estão" (p.18-19).

Cirurgia em Campo Aberto é uma coletânea de 15 contos que já no título sugere que a população mais humilde que estará sob o estetoscópio jornalístico de Biancarelli nas páginas de seu livro. "A menina que comia colchões", "Os cachorros de Sapopemba", "As prostitutas da Luz" e "Mulheres da Zona Leste" são alguns dos títulos que mostram a opção clara do autor por um jornalismo quase literário, elegendo personagens reais como protagonistas de cenas de heroísmo nos bastidores das unidades de saúde, serviços de atendimento de urgência e em áreas em que a saúde é apenas lembrada em momentos de campanhas eleitorais. O tipo de texto apresentado se assemelha ao outro jornalista – Eduardo Reina (ex-Diário de S.Paulo)– que escolheu os contos policiais como formato para registrar sua experiência jornalística de forma literária (No Gravador, RG Editores, 2003, 157 p.).

Alguns dos jargões conhecidos apenas por profissionais da saúde são mostrados de forma bem didática pelo autor. A referência ao "parto Guarujá" é um alerta para os ginecologistas, obstetras e gestantes que optam pelas cesáreas no lugar do parto normal – o que aumenta em sete vezes os riscos para mamãe e bebê – só para facilitar a vida de médico e familiares. Na definição de Biancarelli, "parto Guarujá é aquele combinado entre paciente e médico, de forma que seja realizado durante a semana e que não ameace a praia do sábado e domingo e o churrasco com amigos. E que permite a mãe receber as flores e as visitas no fim de semana. Por conta do acordo, a instituição-hospital fatura dois dias a mais de internação" (p.27).

Outro jargão cunhado pelo autor, mas adotado principalmente pelos profissionais que atuam na área de emergência é a "hora da ferragem". Trata-se da madrugada paulista, quando os acidentes automobilísticos ocorrem, sempre por volta das três da manhã, motivados pelo excesso de bebida dos jovens das baladas. A religião também é objeto de análise do autor, que mostra como terreiros e igrejas pentecostais acabam fazendo sua parte junto aos necessitados de cuidados médicos. Na falta de médico, vai o pastor ou pai-de-santo fazer seu trabalho.

A opção e a afinidade do autor com os profissionais da Saúde Coletiva se mostra quase que de forma escancarada, com referências ao projeto de Cidades Saudáveis e críticas ferrenhas ao PAS – sistema de saúde que não vingou em São Paulo. Dessa forma, Cirurgia em Campo Aberto é uma ótima opção para aqueles que trilham a área híbrida da Comunicação e da Saúde, que terão bons momentos de prazer durante a leitura.

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Fonte: http://www.unb.br/acs/unbcliping/cp041215-08.htm, 15/ 12/ 2004 - revista digital