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O futuro da Previdência Social nos EUA?

 Primeiro, considere o presente

 

 

Daniel Altman

 

Existe uma crise na Previdência Social dos Estados Unidos? A Casa Branca diz que sim. "A Previdência Social foi um grande sucesso moral do século 20, e devemos honrar seus grandes propósitos neste novo século", disse o presidente Bush na semana passada em seu discurso sobre o Estado da União. "Mas o sistema, em seu atual caminho, está destinado à falência", ele acrescentou.


Outros, especialmente organizações de pesquisa de tendência esquerdista, dizem que não. As previsões calamitosas "estão seriamente enganadas sobre o financiamento da Previdência Social e os desafios que o programa enfrenta", disse um relatório divulgado no mês passado pelo Centro sobre Orçamento e Prioridades Políticas.


Ambos estão esquecendo um ponto importante: de qualquer maneira que se interpretem as previsões de longo prazo, o futuro fiscal da Previdência Social está afetando a economia do país hoje.


O grupo otimista baseou a maior parte de seu argumento nos números de um relatório divulgado no mês passado pela Administração da Previdência Social. O relatório estima que sob a lei atual o programa será capaz de pagar todos os benefícios prometidos aos aposentados até 2042, deixando tempo suficiente para se buscar alternativas. E mesmo sem reformas o programa ainda seria capaz de pagar cerca de 73% dos benefícios depois de 2042. Então, pergunta esse grupo, onde está a crise?


A Casa Branca tem sua resposta fiscal. Mas há um problema econômico que ambos os lados estão ignorando.


Começando pelos fatos. O grosso das pessoas que estarão recebendo benefícios em 2042 terão de
70 a 85 anos de idade. Hoje essas pessoas têm de 33 a 48 -- em outras palavras, são o núcleo da força de trabalho do país.


Agora, digamos que essas pessoas acabam de descobrir que a Previdência pagará 73%, e não 100%, de seus benefícios quando se aposentarem. Como essa notícia afetaria seu comportamento? Haveria dois efeitos. O primeiro seria sobre as poupanças. Como uma parte de sua renda na aposentadoria desapareceria, muitos desses trabalhadores provavelmente prefeririam poupar mais por conta própria. Para poupar mais, teriam de gastar menos. E menos gastos significam um padrão de vida inferior, assim como um buraco na economia.


Alguns trabalhadores poderiam decidir não poupar mais. Eles poderiam se tornar vítimas do tipo de miopia financeira que a Previdência Social supostamente deveria combater. Quando eles finalmente se aposentassem sem uma renda suficiente, teriam de ficar à mercê do governo.


O outro efeito seria sobre a oferta de mão-de-obra. Isso porque a notícia sobre benefícios menores poderia ser a mesma coisa que dizer "sua alíquota de imposto de renda atual acaba de subir".


Como pode ser, sem qualquer mudança na lei? Eis a explicação: o imposto de Previdência Social descontado em folha de pagamento nem sempre é um imposto. Muitas pessoas recebem a mesma quantia de dinheiro da Previdência Social na aposentadoria -ou mais- do que receberiam se tivessem investido suas contribuições no mercado. Para elas, a Previdência é um instrumento de poupança.


De fato, o efeito real da Previdência Social poderia variar de um imposto salarial de 12,4% -o total das contribuições do empregador e do empregado- até um subsídio salarial de quase 40%, segundo a metodologia de um trabalho publicado em 1993 por Martin Feldstein de Harvard e Andrew Samwick de Dartmouth.


A razão disso tem a ver com as regras do programa. As pessoas que têm renda muito baixa recebem da Previdência um benefício relativamente generoso quando se aposentam, o que significa que elas podem ganhar dinheiro com o programa. Mais importante, porém, é o tratamento dado aos casais.


Para os casais aposentados, o sistema paga o maior de dois valores: a soma dos dois benefícios que ambos receberiam individualmente, ou 150% do benefício da pessoa com maior renda. Considere um casal na segunda categoria. As contribuições deduzidas em folha de pagamento feitas pelo que ganhava menos não valeriam nada; todos os 12,4% dos salários que ele ou ela pagou teriam sido um simples imposto. Mas para a pessoa que ganhava mais a recompensa de 150% pode fazer as contribuições em folha de pagamento parecerem um subsídio salarial.


Voltemos às pessoas que iriam receber exatamente o que pagaram. O imposto líquido descontado delas pela Previdência costumava ser zero. Mas hoje elas sabem que talvez recebam apenas 73% de seus benefícios; os outros 27% foram uma falsa promessa. Assim, para elas, o imposto extra sobre os primeiros US$ 90 mil da renda deste ano é 3,3% -27% daquele índice de 12,4%.


O aumento de imposto é significativo, equivalendo a cerca de um terço da atual alíquota de imposto de renda federal pago pelas pessoas que ganharam de US$ 50 mil a US$ 100 mil em 2002. Pode não parecer muito na margem, mas isso depende de como se define a margem. Aumentar impostos dessa maneira poderia afetar a disposição das pessoas a trabalhar. Mas se elas trabalhassem menos teriam ainda menos renda disponível. E então teriam de cortar os gastos ainda mais se quisessem manter o nível de sua poupança para a aposentadoria.


O maior impacto seria sobre o membro de um casal que ganha mais, cujos subsídios salariais cairiam, mas também sobre o que ganha menos mas ainda assim se qualifica a receber o benefício da Previdência -para o qual é improvável que as contribuições em folha de pagamento sejam um mero imposto. Essas pessoas também são aquelas sobre quem o grupo otimista diz se importar mais. Então, por que ninguém disse nada?


Bem, os efeitos econômicos têm sido mais uma queimação lenta do que uma reação súbita. Milhões de americanos já duvidam que a Previdência ainda existirá quando eles se aposentarem, e talvez já tenham começado a mudar seu comportamento. Mas isso não quer dizer que esses efeitos não existam. Ao contrário, quer dizer que fazer alguma coisa sobre os problemas aparentemente distantes da Previdência Social poderá gerar ganhos econômicos consideráveis hoje.

 

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Fonte: The New York Times, 06/02/2005, Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves, http://www.nytimes.com/