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Aposentados se endividam para ajudar filhos 

Banco líder em empréstimo consignado diz que 20% dos pensionistas
usam
recursos em prol de familiares

Bruno Lima

Cerca de 20% dos aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) que contraem empréstimos consignados (pagos via desconto direto no valor do benefício) o fazem para quitar dívidas dos filhos, que não têm acesso a essa forma de crédito, mais barata. O cálculo é do BMG, instituição que mais fez empréstimos desse tipo no país. O governo diz que não possui dados oficiais sobre as razões que levam os aposentados ao empréstimo com desconto em folha. Segundo a Previdência Social, a informação não é pesquisada.

No banco BMG, que responde por 40% dos cerca de R$ 6 bilhões cedidos desde maio de 2004, 72% dos empréstimos foram feitos para pagar dívidas (sejam próprias ou de terceiros), 13% para reformar imóveis, 5% para adquirir bens duráveis, como carro ou eletrodomésticos, 4% para fazer viagens e outros 4% por motivo de doença (para comprar remédios, por exemplo).
A aposentada Ilda
Pereira Dias, 65, endividou-se para saldar contas atrasadas da filha, que é auxiliar de escritório. "Não queria fazer [o empréstimo], mas fiz. Não tinha outro jeito. Minha filha precisava, e faço tudo por ela. Se a mãe não faz, quem vai fazer?"

Acostumada a receber R$ 707, ela conta que se assustou com o valor do benefício recebido neste mês -R$ 495. "Estou nervosa, acho que pode estar errado", diz. Não nenhum erro. A metalúrgica aposentada comprometeu exatos 30% de seu rendimento, o máximo permitido pela legislação. "Com o salário que ganha, ela [a filha] não pode me ajudar. Acho chato falar isso, mas estou muito preocupada. Tenho as despesas da minha casa." O governo anunciou nesta semana que lançará uma campanha publicitária para esclarecer aposentados e pensionistas sobre o programa de crédito consignado -um dos maiores xodós do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A avaliação é que os bancos não têm cumprido com eficiência seu dever de informar o consumidor sobre as condições do contrato. Outra meta é evitar que o beneficiário da Previdência Social seja enganado por oportunistas ou seja vítima de "venda casada" quando busca as instituições. É ilegal condicionar a concessão do crédito à contratação de serviços, como seguro ou manutenção de conta corrente no banco.

A facilidade para obter o crédito preocupa as entidades que representam os aposentados. "Lutamos muito por esse benefício, mas estamos preocupados com a falta de controle. As pessoas aproveitam a oportunidade do juro mais baixo e convencem o pai, o avô. Mas depois quem paga é o velhinho", declara João Batista Inocentini, 54, presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados da Força Sindical.

"Quando ajuda o filho, o aposentado o faz porque não outra solução. Não é uma escolha", argumenta Maria Cota, da Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas.

Aos poucos

Rua Boa Família, 357. Esse é o endereço de outra mãe, que, cansada de ver o filho perdido entre os juros do cheque especial e os pagamentos mínimos no cartão de crédito, decidiu que era hora de assumir, sem medo, as responsabilidades. "Eu estava na [praça da] [centro de São Paulo] e uma moça me deu um panfleto. Fiz o empréstimo na hora", conta Maria Luísa de Souza, 56.

A opção, segundo os especialistas, é inteligente -desde que as prestações não onerem demasiadamente o beneficiário. Na prática, a operação permite, segundo dados da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), trocar taxas de juros médias de 5,66% (nos empréstimos nos bancos), 8,25% (no cheque especial), 10,13% (no cartão de crédito) ou até de 11,65% (nas financeiras) por juros de 2,8%, em média.

"Do ponto de vista do crédito, essa é uma boa alternativa, mas é preciso avaliar se o empréstimo é mesmo necessário e saber se, com o desconto das parcelas, ele [o aposentado] vai conseguir sobreviver", avisa Miguel de Oliveira, vice-presidente da Anefac. Ele lembra, no entanto, que, em caso de dificuldade, é possível deixar de pagar o banco ou o cartão. "No caso do benefício, não dá, pois o valor vem descontado."

Pensionista, Souza diz que, mesmo sem poder contar com a ajuda freqüente do filho -que perdeu o emprego em um escritório e agora faz bicos como ajudante de pedreiro-, consegue manter equilibrado o orçamento. Ela tem um segredo: não entregou todo o dinheiro que obteve no banco. "Apertada eu estou, mas controlo tudo. O dinheiro fica na minha mão. Vou dando aos poucos, cada vez que vence uma conta."

"Carinho basta"

Horácio Salas Molina, 64, pintor aposentado, obteve crédito de R$ 930 para pagar em 13 meses, com taxa de 1,75%. "Dei 90% desse dinheiro para a minha filha pagar o cartão. Ela tem responsabilidade, mas ficou desempregada e não tem como pagar. Quando se estabelecer, ela me ajuda, me devolve. Se não puder, pode me compensar de outras formas. Para mim, basta o carinho dela."

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Fonte: Folha Dinheiro
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0805200519%2ehtm