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Bordadeiras do Morro São Bento: memória, trabalho e identidade
"Olhe, há quantos anos a gente está aqui
Dona Tereza
O comportamento de cinco velhas senhoras bordadeiras, portuguesas, foi tema de pesquisa da jornalista Gisela Kodja, pesquisadora mentora do Portal do Envelhecimento, que considera a história de D.Izabel, D.Beatriz, D.Teresa, D.Maria e D.Paixão “uma lição para qualquer pessoa que queira enxergar o mundo com tolerância e paixão”. Segundo a pesquisadora, todas, já na “meia-idade” ou passando dela, mergulharam em um novo projeto e tentaram salvar o seu ofício. Não desfizeram o grupo, não cederam às facilidades, não abandonaram as suas origens. Querem ficar juntas, querem mostrar o que fazem, querem “morrer com o dedal na mão”.
Quem são essas mulheres? São imigrantes da Ilha da Madeira (Portugal), bordadeiras desde a infância e que deixaram o país de origem, em companhia dos maridos, na primeira metade do século XX, movidas pelo sonho de uma vida próspera no Novo Mundo. Desde que chegaram ao Brasil, moram na encosta do Morro São Bento, em Santos, estado de São Paulo. O linho e a linha, incorporados à rotina na casa materna, são ferramentas que vão acompanhá-las durante toda a vida, garantindo algum dinheiro, um pouco de liberdade e muito prazer. Além disso, o bordado ofereceu a elas a chance de reforçar o orçamento doméstico e garantir respeito e visibilidade em terra estrangeira.
No entanto, a atividade que, com tanta intensidade, preencheu a existência dessas mulheres, não despertou o interesse de suas filhas e netas. As gerações seguintes declaram admiração e respeito pelo bordado, mas não quiseram fazer dessa arte o seu ofício. No Morro São Bento, o bordado da Ilha da Madeira é um tesouro sem herdeiros. Indiferença semelhante as ilhoas madeirenses vão perceber na sociedade.
Diante das peças bordadas, as pessoas demonstram encantamento e respondem com elogios. Mas a relação compra e venda é estabelecida de forma precária e, assim, parte do sentido da produção se perde. Mesmo diante de tais circunstâncias, essas mulheres mantêm a rotina e trabalham todas as tardes. Cumprem religiosamente o calendário de exposições. E, ao contarem a história de suas vidas, elas deixam claro que bordar é mais do que tarefa, hábito ou obrigação: é com o linho e as linhas que essas mulheres tecem a sua própria identidade. São mulheres, são mães, são avós mas, acima de tudo, elas são e querem permanecer bordadeiras.
Para Gisela Kodja, D.Izabel, D.Beatriz, D.Teresa, D.Maria e D.Paixão “cuidaram de suas histórias como cuidam do bordado: traçaram caminhos, com o mesmo capricho com que riscam desenhos nos tecidos em branco; selecionaram fatos para contar, assim como escolhem a cor da linha que vão usar; fixaram lembranças, como arrematam cada ponto, para que ele não escape. Engomaram, passaram, embalaram para presente as vidas e os trabalhos prontos. Revestiram de importância tudo o que poderia ter sido banal. E, assim, como nunca se desgarraram das raízes da Madeira, jamais serão esquecidas por quem as viu descer as ladeiras do São Bento”.
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