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Médicos Escritores:
Problemas do envelhecimento
 

Por Thereza Freire Vieira


As pessoas que vivem sozinhas sempre encontram meios de se livrarem da solidão. Com Dona Maria José aconteceu algo semelhante. Quando lhe trouxeram aquele cãozinho ela não queria aceitar de maneira alguma. Disseram que seria por pouco tempo, no apartamento em que viviam não aceitavam animais.


O animal foi ficando, nem pensaram em pegá-lo de volta e Dona Maria José também não pretendia devolvê-lo. Apegaram-se um ao outro. Para onde ela fosse era acompanhada por ele.

Dormia aos pés da cama, embora ela houvesse colocado uma almofada para ele, a um
canto da copa, ao lado poltrona onde ela passava a maior parte livre de seu tempo
tricotando, lendo jornal ou recebendo visitas.


Dona Maria José era querida por todos, familiares, vizinhos, e era um bom papo,
sempre com um sorriso nos lábios e ninguém saía sem um cafezinho especial que ela
preparava para as suas visitas. Se viessem para conversar, pedir conselhos, orientação para qualquer problema, ela estava sempre disposta a ouvir, o que é difícil nos dias atuais em que ninguém tem tempo para ninguém e todos vivem às correrias, sempre com pressa.


Muitas vezes o cachorrinho que se chamava Tuti, arrastava a almofada para o quarto
colocando-se aos pés da cama de Dona Maria José. Depois de algum tempo ele ficou
definitivamente dormindo aos pés da cama. Tuti era um poodle pequeno, branquinho e
de pêlo crespo, como o de um carneirinho. Quando diziam que era falta de higiene
conservá-lo em seu quarto, ela perguntava se conhecia gente que fosse tão bem
cuidada, banho quase diário, com xampu, condicionador, tendo seus pêlos
desembaraçados e lindos. Ela o beijava elogiando a maciez de seu pêlo, o seu cheiro
gostoso.

Os anos se passaram e como cão envelhece mais rápido que o dono, os pêlos de Tuti
foram caindo, a catarata cegando-o, ficando surdo cada vez mais, assim, não ouvia a
campainha tocar e nem as batidas no portão e cada vez seus latidos se tornando mais
fracos. Tuti andava com dificuldade, balançando o corpo, parando a todo instante
para urinar.


Dona Maria olhava para seu cão e sentia compaixão. Será que tem veterinário
urologista? Tuti deve estar com hipertrofia de próstata, ou câncer! Ela ficava
arrepiada com seus pensamentos. Não sabia o que fazer. De tanto falarem que a casa
inteira estava fedendo urina, ela levou-o para um quarto na área de serviço, junto
à lavanderia.


Colocou a almofada sobre o tapete e ao lado uma vasilha com água e outra com a sua
comida. Logo cedo, ela abria a grade e ele andava pelos corredores fazendo as suas
necessidades, enquanto ela lavava com desinfetante o que ela chamava de apartamento
do Tuti.


Todos diziam chame o veterinário para sacrificá-lo. Sou contra eutanásia! Ele é um
animal diziam. Eu também sou, dizia Dona Maria José. Tuti é irracional, você se
apegou tanto a ele que se esquece que não é humano.


Dona Maria José sempre dizia que dava ao cão a atenção que todos os seres vivos
mereciam e quando insistiam que a maioria dos idosos não tem o cuidado que ela
tinha com Tuti, ela dizia que Tuti era problema seu e quando falavam em sacrificar
o cão ela dizia:


- Por que não vão aos asilos e mandam matar os velhos que são maltratados, que
estão ocupando espaço e sendo um peso para a sociedade?


- Por que são seres humanos!


- Deviam ser queridos como o meu Tuti. O que falta para eles é amor.


Dona Maria José sentada ao lado de Tuti, conversava com ele, que parecia
compreender e agradecer, acomodando-se no seu colo e sendo acariciado por ela.


Aquela manhã, logo que Dona Maria acordou foi ao encontro de Tuti, com vassoura,
balde de água com desinfetante para limpar o seu apartamento.


Tocou-o de leve e ele não se mexeu. Ela ajoelhou-se ao seu lado, ficou chamando por
ele, apertando-o nos braços e chorando.


Quando algumas pessoas chegaram, apertaram a campainha, bateram palmas, bateram no portão e como a dona da casa não atendesse chamaram o corpo de bombeiros que
chegando, conseguiram abrir o portão e chamaram por ela.


Encontraram-na abraçada ao cão.


Estavam mortos.

 

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Fonte: Thereza Freire Vieira, da Academia Brasileira de Médicos Escritores, da Sobrames
Regional de Taubaté/SP. Publicado no Amazônia Jornal, Edição, Ano IV - número 1715  Belém.
http://www.orm.com.br/

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