Quem cuidará dos nossos idosos?
Casa de Repouso: uma opção correta?
Por Lucia Helena de Andrade
Gomes
“A minha mãe é uma menina
A minha filha é uma mulher
Uma não anda mais sozinha
A outra vai aonde quer...”
Lucinha
Os brasileiros estão vivendo mais
e dia a dia aumenta o número de filhos e filhas responsáveis
pelos pais, idosos, que não podem mais caminhar sozinhos na
trajetória da vida. Nesse momento de angústia e transformação
no cotidiano familiar desponta o impasse: quem cuidará do
idoso?
Lembro-me, que quando menina,
todas as famílias cuidavam de seus idosos em casa. As famílias
eram numerosas, havia vários irmãos para compartilhar o
cuidar, além do fato que muitas mulheres não estavam inseridas
no mercado de trabalho. Aprendíamos, através de exemplos, que
cuidar dos pais idosos era a nossa obrigação moral; o zelo e o
amor para com os mais velhos eram sinônimos de gratidão e
referência àqueles que zelaram pela nossa existência.
Hoje, nos deparamos com uma
realidade contraditória; as famílias não são numerosas, a
maioria das mulheres está inserida no mercado de trabalho com
jornadas duplas quando não triplas; o único vínculo com a
realidade passada é o compromisso moral e ético que temos para
com os nossos pais e avós. O amor e a gratidão são sentimentos
inabaláveis pelo tempo.
Desejamos cuidar dos nossos pais,
mas se não temos condições concretas para fazê-lo, como
podemos agir para não sentirmos a “síndrome de
irresponsabilidade?”.
Escrevo para compartilhar uma
experiência dolorosa, que embora singular, repete-se em outros
lares brasileiros. Tenho apenas um irmão e a minha mãe aos 81
anos de idade encontra-se em um processo de degeneração do
cérebro: necessita de ajuda para alimentar-se, andar, etc...
Ela necessita de apoio 24 horas ao dia. Durante o primeiro ano
da doença, conseguimos tratá-la com o apoio de três
“profissionais” que se revezavam em turnos. Não eram
enfermeiros, mas “cuidadores” de pessoas idosas. Procuramos
adaptar a casa com barras, cadeiras de banho, cama hospitalar,
etc.
Verificamos que as nossas casas,
apartamentos, edifícios, não são projetados para a doença,
apenas para as pessoas saudáveis, em uma ilusão de que o
infortúnio não vai alcançá-los... O tempo foi passando, a
doença progredindo, e o nosso esquema dava sinais claros que
ela necessitava de um atendimento mais especializado; a sua
casa não era mais adequada, a qualidade de vida era sofrível.
À primeira vista, ficamos
horrorizados com a possibilidade de levá-la para uma casa de
Repouso. O sentimento de abandono era intenso e, como quebrar
o compromisso moral de apoiá-la até o último momento de sua
vida? Durante quatro meses, visitamos inúmeras casa de
repouso, enquanto buscávamos aceitar que a escolha seria a
mais acertada para a ocasião. Foram meses de angústia,
sofrimento e desespero.
Infelizmente a doença avançava e
não havia sinais de melhora no atendimento doméstico. Após
inúmeras visitas, encontramos a Casas de Repouso Divina
Providência administrada pelas irmãs beneditinas. Sentíamos
que essa seria a casa ideal para nossa mãe. Solicitamos aos
netos que visitassem o local para ratificar a nossa escolha.
É chegado o dia da informação:
como contar à nossa mãe o destino que havíamos traçado? Sentia
dor no estômago, dormia mal e angustiada com a idéia. Tomada
de uma força divina, olhei a minha mãe e calmamente afirmei
que iríamos levá-la a um local mais apropriado para que ela
fosse bem cuidada, que nós iríamos visitá-la com freqüência e
que ela também poderia visitar-nos. A minha mãe está lúcida e
disse: “Sei que você procura o melhor para que eu possa sarar.
Quero arrumar o cabelo e fazer as unhas. Pode me buscar
amanhã!”.
Faz-se necessário ressaltar que a
minha mãe é inteligente e culta, portanto compreendeu
perfeitamente o significado do nosso diálogo. Conforme o
combinado, no dia seguinte, eu e meu marido fomos buscá-la:
ela estava linda! Durante o trajeto eu engolia as lágrimas e a
sofreguidão. Fomos recebidos pela irmã Nazaré e os
enfermeiros. Eu estava em pânico, e a minha mãe disse: Pode
ir filha. Deus te acompanhe!
Saí da clínica e chorei sentada no
chão do jardim como se houvesse praticado um aborto. Sentia-me
miserável pelo ato praticado, o nosso cordão umbilical fora
rompido pelas mazelas da vida.
Nos primeiros dias, não conseguia
dormir e ligava várias vezes para a Irmã Nazaré que sempre me
tranqüilizava. Organizamos um calendário de visitas na
família, de modo que, ela tem visitas diariamente. Passados
dois meses, vejo minha mãe feliz, bem cuidada, e agradecida
pela nossa atitude. Após cada visita, ela se despede com
serenidade e não pede para ir embora. No Natal ela veio para a
nossa casa e após algumas horas, ela nos pediu para que a
levássemos de volta à nova casa.
A doença, vilã invisível, continua
a avançar, mas a qualidade de vida da minha mãe e de todos nós
melhorou significativamente. Em tempo de modernidade não
podemos abrir mão do nosso compromisso ético e moral de zelar
pelos nossos pais, mas temos de cumpri-lo conforme o contexto
sócio cultural em que vivemos. E a opção de levar os pais em
uma clínica de repouso é uma opção que se reveste de um
conceito cultural abrangendo nossas crenças, valores e
preconceitos. Preconceitos que devem ser rompidos.
Certamente, os meus filhos não
sofrerão tanto no momento da inevitável decisão. Este é o
ciclo da vida...
Lucia Helena de
Andrade Gomes
Educadora e Advogada; Membro Efetivo da Academia Jundiaiense
de Letras e da Academia Jundiaiense de Letras Jurídicas.
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Alguns anos atrás acredito que
esta não era uma pergunta pertinente. Com o avanço da
medicina e da indústria farmacêutica, conseguimos viver
mais, porém considero importante também a seguinte
pergunta: O que faremos com este tempo a mais de vida?
Quando partimos da questão do cuidado, penso que já
imaginamos que uma parte desta população idosa necessitará
de cuidados. Será que não seria esta a resposta para a
questão que coloquei? Será que este tempo a mais que o
indivíduo tem de vida está destinado somente ao ser
cuidado?
Enviado por Ana Lúcia
Marques de Souza
lunasouza@uol.com.br
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