Por Que Morrer?
Por Débora Diniz*
"Porque a vida para mim neste estado não é digna". Essa foi a
justificativa de Ramón Sampedro, personagem do filme Mar
Adentro, à demanda judicial pelo direito a morrer assistido. O
tema da eutanásia e do direito à morte digna está na pauta de
debates internacionais não apenas pela batalha judicial em
torno de Terri Schiavo, a norte-americana que teve o tubo de
alimentação retirado por decisão judicial, mas especialmente
pelo crescente envelhecimento da população. Os anos
conquistados pelo processo civilizatório e o progresso da
medicina trouxeram para o centro das discussões éticas a
pergunta de como e até quando queremos viver. E mais
importante ainda: se temos o direito de deliberar sobre nossa
própria morte.
Diferentemente da medicina nazista, em que a eutanásia foi
compreendida como uma prática de extermínio de pessoas
indesejáveis, o debate contemporâneo sobre o direito de morrer
é fundamentado em premissas de direitos humanos. Não se
discute quem deve ou não viver, se há ou não doenças que
justifiquem a eutanásia, mas sim se as pessoas devem ou não
ser livres para decidir sob quais condições a experiência da
vida é intolerável e a morte é desejada. Eutanásia como o
exercício de um direito humano fundamental é resultado de uma
deliberação estritamente individual sobre o sentido da vida e
da morte. Nesse contexto, eutanásia não é uma recomendação
médica ou uma imposição do Estado, mas um ato de escolha
privado pautado por premissas éticas, religiosas ou
filosóficas sobre a existência humana.
O direito a se manter vivo é, certamente, um dos direitos mais
fundamentais que possuímos. O princípio ético de que a vida
humana é um bem sagrado e que, portanto, deve ser protegido
por legislações de um Estado laico faz parte de nosso consenso
moral sobreposto. Diferentes religiões e convicções morais
sustentam o direito à vida como um princípio ético fundamental
ao nosso ordenamento social. Discorda-se é sobre a santidade
da vida humana, ou seja, sobre sua intocabilidade. Afirmar a
sacralidade da vida humana não significa santificá-la, isto é,
impedir que se possa deliberar sobre como e até quando
queremos nos manter vivos. Para muitas pessoas, como é o caso
do personagem principal do filme "Mar Adentro", o desejo de se
manter vivo passa pela capacidade de viver a vida. Ou pela
intensidade do desejo de não mais ser mantido vivo.
Exatamente por ser uma escolha individual que não há porque se
temer a legalização da eutanásia. Um Estado democrático
assentado na razão pública reconhece o direito de estar e de
se manter vivo como um dos mais fundamentais. Mas o mesmo
Estado não deve transformar o direito no dever de se manter
vivo. Ninguém deve ser obrigado a viver, assim como ninguém
pode ter sua vida eliminada contra sua vontade. Há
experiências de doenças, de sofrimento intenso, quadros
clínicos irreversíveis que eliminam o prazer e o sentido da
vida para algumas pessoas. A absoluta falta de desejo pela
vida faz com que algumas pessoas prefiram morrer a sobreviver
em condições que consideram indignas, como foi o caso de Ramón
e de tantos outros personagens ficcionais ou da vida real que
necessitaram expor suas histórias de sofrimento em longos
itinerários judiciais para garantir o direito a morrer
dignamente.
Mas afirmar que há pessoas que consideram suas vidas indignas
não significa que a vida de outras pessoas em condições
semelhantes seja, por analogia, também indigna. A avaliação
sobre como viver a vida e como qualificá-la é estritamente
individual e qualquer tentativa de estabelecer critérios
universais é um ato arbitrário e autoritário de julgamento
moral. O fato de vivermos em uma sociedade plural, rica em
crenças e valores religiosos, não permite que se reconheça um
sentido único para a vida ou para morte. Assim como temos
diferentes noções de bem e de felicidade, temos diferentes
formas de definir e encarar a experiência da morte. Um Estado
laico e plural, ao mesmo tempo em que reconhece a centralidade
do direito a se manter vivo, deve também reconhecer o direito
à morte digna.
Em alguns casos, morrer dignamente pressupõe o auxílio de
outra pessoa, em geral um profissional de saúde. Esse auxílio
à morte não deve ser qualificado como homicídio, mas assim
como outros atos médicos de atenção à pessoa doente, também um
ato de cuidado. Cuidar das pessoas, inclusive auxiliando-as a
morrer, é um dos maiores exemplos da virtude humana da
solidariedade. Somos solidários não quando promovemos nossas
crenças morais, mas quando somos capazes de nos aproximar de
crenças diversas das nossas, garantindo e promovendo o seu
exercício. Indiferente à crença individual de cada um de nós,
o direito à morte digna é um sinal de um Estado solidário,
plural e laico que reconhece a diversidade moral de seus
cidadãos.
* Débora Diniz é professora do Departamento de Serviço Social
da
UnB
(Universidade de Brasília). Tem
pós-doutorado em Bioética pela Universidade de Leeds
(Grã-Bretanha).
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Fonte:
http://www.unb.br/acs/unbcliping/cp050408-03,
disponível em 08/04/2005
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Por que a morte é uma
característica constitutiva do ser humano. Por que podemos
curar uma doença classificada como mortal, mas não podemos
curar nossa imortalidade. Por que na vida há um tempo para
cada coisa: um tempo de nascer e um tempo de morrer. Por
que pode ser essa a melhor ou única opção individual ao
ser que sofre. Por que pode ser essa a saída, o término do
sofrimento intolerável, que já o desfaz como humano. Por
que o paciente já pode ter encontrado a sua música e
portanto pronto para encontrar a sua morte. Por que a
morte é uma etapa da vida (talvez a mais crucial, é
verdade). Por que pode assim ter o alívio as graves
restrições que a vida lhe impôs (personagem mar adentro)
Enviado por João Batista Alves
de Oliveira
drjoao@gmail.com |
Por formação tradicionalmente
católica temos conosco que a vida pertence a Deus e que só
a Ele cabe tirá-la. É complicado decidir sobre praticar
eutanásia. Pior ainda diante do recente caso de Terri
Schiavo quando foi praticada eutanásia passiva, o que
causou sofrimento (foi privada de duas coisas básicas da
vida humana: água e alimento). Será então que a eutanásia
ativa, não tivesse sido digno?? Basear a concessão ou não
em briga judicial é complicado. Se for executada, que seja
a livre arbítrio do paciente autônomo, que é outra questão
bioética bastante complicada de discutir e chegar a
consenso. Como no filme Mar adentro, um paciente,
consciente de si e de seus atos pode sim ter o direito a
essa decisão. Isso é autonomia (desde que seja realmente
garantido autônomo). Já não permitimos tantas eutanásias
diariamente, de forma falsificada, através daqueles que se
drogam, deixam de cumprir tratamentos, abandonam
tratamentos??? Bioética é tema em pauta. Vamos discutí-lo.
Enviado por João Batista Alves
de Oliveira
drjoao@gmail.com |
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