A ditadura dos jovens
O filósofo
alemão diz que os velhos são tratados como estorvo e prevê um
choque de gerações em poucos anos, quando os idosos forem
maioria
O filósofo alemão Frank
Schirrmacher acredita que a humanidade está às vésperas de uma
revolução econômica, política e cultural, motivada por uma
modificação demográfica radical: o envelhecimento da
população. "Nosso envelhecimento pessoal, não apenas o
envelhecimento abstrato das estatísticas oficiais, já está
sendo tratado como uma catástrofe natural", escreveu
Schirrmacher em seu livro O Complô Matusalém (sem tradução no
Brasil), lançado neste ano na Alemanha. Em apenas três meses,
a obra vendeu 300 000 exemplares. Ele aconselha os jovens a
mudar de comportamento em relação aos idosos desde já, sob o
risco de verem a própria ruína em um futuro próximo. Doutor em
filosofia pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra,
Schirrmacher tem 44 anos, é diretor do Frankfurter Allgemeine,
um dos jornais mais tradicionais da Alemanha, e publicou mais
de uma dezena de livros em que se dedica a analisar a
sociedade moderna. De seu escritório, em Frankfurt, ele
explicou a VEJA sua teoria sobre a revolução dos velhos.
Veja – O senhor escreveu que
quando os jovens e os adultos de hoje chegarem à terceira
idade viverão em um planeta que será um grande asilo de
velhos. Por quê?
Schirrmacher – As estatísticas do
envelhecimento da população mundial mostram isso. Em 2050,
viverão na China tantas pessoas com mais de 65 anos quanto
hoje em todo o mundo. Nesse período, o número de idosos no
planeta vai triplicar, enquanto o resto da população aumentará
apenas 50%. O total de homens e mulheres centenários se
multiplicará por dez. Na América Latina, o número de pessoas
com mais de 80 anos será quatro vezes maior que agora. Na
Alemanha, em apenas uma década haverá mais indivíduos acima
dos 50 anos do que abaixo dessa idade. Quando chegarem à
terceira idade, as mulheres alemãs que hoje têm 30 anos serão
a maioria no país. Pela primeira vez na história, o número de
velhos será maior que o de crianças. A humanidade envelhece
numa rapidez nunca vista antes.
Veja – Estamos preparados para
isso?
Schirrmacher – Não. Em 99,99% da
história da humanidade as pessoas nunca viveram mais que
trinta ou 35 anos. A experiência de ficar velho, de viver
sessenta anos ou mais, é muito nova. Nossa sociedade foi
construída com base na expectativa de vida do século XIX.
Nossas instituições, o casamento, o Estado, as empresas e o
sistema de previdência, como conhecemos hoje, vêm de uma época
em que apenas 3% das pessoas ultrapassavam a barreira dos 65
anos. É como uma roupa que ficou muito curta. Não estamos
adaptados a essa nova realidade. O resultado é que
desperdiçamos o maior recurso que temos: tempo de vida. Os
idosos não podem mais ficar em casa, esperando o tempo passar.
Nossa velhice não será confortável. Temos de descobrir o que
fazer com a segunda vida que ganhamos de presente.
Veja – O que precisamos fazer
para nos adaptar a esse fenômeno demográfico?
Schirrmacher – Temos de
revolucionar o modo como os idosos são vistos e tratados.
Nossas sociedades não vão sobreviver se o seu maior grupo
populacional for colocado à margem, como ocorre hoje. Tiramos
dos velhos sua dignidade, seu posto de trabalho e sua
biografia. São tratados como um estorvo, como seres
improdutivos, sem memória, maçantes e fracos. Imagine uma
sociedade em que metade da população sofre esses preconceitos.
Esse será o mundo em que viveremos, se não mudarmos o conceito
do envelhecimento a partir de agora. Será um mundo em que a
metade mais jovem vai rechaçar a metade mais velha. E os
idosos sentirão raiva de si mesmos por consumir os recursos da
sociedade sem construir ou produzir nada.
Veja – Por que as pessoas se
sentem culpadas quando estão envelhecendo?
Schirrmacher – O sentimento de
culpa pelo envelhecimento é instintivo. A natureza não se
interessa mais por seres que não podem se reproduzir. No reino
animal não há envelhecimento. Um ser que perde a função
reprodutiva morre ou é morto. Ou simplesmente não chega a esse
estágio. Ele vira uma ameaça para o grupo, porque não faz mais
nada além de se alimentar. Nos humanos, o sentimento é o
mesmo. Costumamos dizer que não queremos viver até uma idade
muito avançada e nos programamos para morrer mais cedo do que
as estatísticas prevêem. Achamos feios aqueles que parecem não
estar mais em idade reprodutiva e desprezamos os que não
trabalham mais. Isso tem de mudar. Já estamos vivendo uma
revolução na sexualidade que doma nosso instinto. A pílula
contra a impotência masculina é um dos maiores responsáveis
por essa mudança de comportamento. O próximo passo é levar a
revolução dos velhos ao mundo do trabalho. E, por fim, mudar o
modo como eles são vistos pela sociedade.
Veja – A idade de aposentadoria
deveria ser ampliada?
Schirrmacher – Hoje, cada quatro
trabalhadores americanos e europeus sustentam um aposentado.
Quando eu estiver velho, essa proporção será de um para um, o
que é economicamente inviável. Nos países em desenvolvimento,
o crescimento espantoso da expectativa de vida vai causar o
mesmo problema. Por isso, as pessoas deveriam trabalhar até
uma idade mais avançada, desde que a profissão o permita. Em
compensação, quem tem entre 30 e 40 anos e possui filhos
deveria trabalhar menos. E ganhar mais. Está errada a idéia de
que os salários devem aumentar quanto mais tempo de serviço o
trabalhador tem. Pais que ainda estão criando suas crianças
precisam ganhar mais que aqueles cujos filhos já são adultos.
Por outro lado, deve-se dar aos idosos as mesmas condições que
são oferecidas aos empreendedores jovens para abrir um novo
negócio. Atualmente, os bancos dificultam os empréstimos para
pessoas acima de 60 anos.
Veja – É comum a idéia de que
pessoas mais velhas são mais esquecidas, mais lentas e menos
produtivas que os jovens. Isso é verdade?
Schirrmacher – A generalização é
falsa. Os idosos podem ser mais lentos ou menos vigorosos, mas
compensam com a maior experiência e a confiança no próprio
trabalho. O que se deve fazer é empregá-los em funções
adaptadas às suas qualidades. Não há estudo que prove que eles
são piores no trabalho que os outros. Isso vale apenas para a
minoria dos casos. O problema é que, quando você convence
alguém de que ele não consegue mais trabalhar, ele realmente
não vai mais conseguir. É o que se faz hoje em dia com as
pessoas mais velhas.
Veja – O escritor argentino
Adolfo Bioy Casares descreveu em um de seus livros uma guerra
fictícia em que jovens espancam e matam velhos na rua por
achar que eles não têm mais serventia. Como o senhor imagina
uma guerra entre gerações no futuro?
Schirrmacher – Essa guerra vai
começar não com os jovens se voltando contra os velhos, mas
com os velhos se jogando uns contra os outros. A disputa se
dará entre os que têm e os que não têm filhos. Os que tiverem
acusarão os outros de só terem vivido para ganhar dinheiro,
sem ter se preocupado com a reposição da população, necessária
para sustentar o sistema previdenciário. Isso já está
ocorrendo na Alemanha. Mas a verdadeira guerra das gerações se
dará na forma de um choque de civilizações. Enquanto a Europa,
os Estados Unidos, a América Latina e a Ásia envelhecem,
ocorre uma grande explosão de natalidade nos países árabes.
Veja – Qual será a conseqüência
disso?
Schirrmacher – Sociedades com
muitos jovens costumam ser muito inquietas, agitadas e
instáveis. Isso ocorreu na Alemanha, quando surgiu o nazismo.
A Revolução Francesa se deu em um país com muitos jovens. A
revolução iraniana aconteceu nas mesmas condições. Esse
fenômeno agora está sacudindo todo o mundo árabe. A Faixa de
Gaza será o território mais jovem do mundo, com uma idade
média de 16 anos. Nos próximos anos, os jovens entre 14 e 24
anos em países como o Egito, o Irã, a Arábia Saudita e a Síria
vão representar 20% da população. Haverá enorme pressão
política e migratória sobre as sociedades ocidentais. O
terrorismo já é uma das conseqüências da instabilidade dos
países árabes.
Veja – Como mudar a imagem
negativa que a sociedade tem dos idosos?
Schirrmacher – A mudança tem de
começar pelas propagandas, pelos filmes e pelos programas de
TV. As pessoas mais velhas não podem mais ser retratadas
sempre como bizarras, loucas ou patéticas. Precisamos de uma
campanha de imagem positiva para o envelhecimento. Em 1999,
pesquisadores alemães mostraram que crianças de 4 anos de
idade que nunca viram desenho animado se comportavam
naturalmente quando estavam com idosos. Aos 6 anos, depois de
assistirem a vários filmes de animação, as mesmas crianças
passaram a ter medo das pessoas mais velhas. Não é à toa. As
histórias infantis retratam os velhos como maus, estúpidos ou
horríveis. Os jovens não são os únicos que devem mudar o
conceito em relação aos idosos. Os velhos também devem
modificar a imagem que têm de si mesmos. É preciso amenizar o
culto à juventude que existe hoje.
Veja – Como começou o culto aos
jovens?
Schirrmacher – Em maior ou menor
grau, ele sempre existiu, porque os jovens sempre foram
maioria. Já o culto moderno à juventude teve início na segunda
metade da década de 40, nos Estados Unidos, quando começaram a
nascer os baby boomers (nascidos no período de altos índices
de natalidade após a II Guerra). Eles transformaram a
sociedade radicalmente. Em quinze anos nasceram 70 milhões de
pessoas. O fenômeno ocorreu também em menor proporção em
outros países. Os baby boomers provocaram uma revolução no
consumo quando se tornaram adolescentes, porque eram muitos e
tinham poder de compra. O culto à juventude surgiu como
resultado desse fenômeno econômico.
Veja – Os idosos têm um poder de
compra cada vez maior. Isso não levará às mudanças de
comportamento que o senhor defende?
Schirrmacher – É exatamente o que
vai ocorrer. As pessoas da geração do baby boom, que
revolucionaram a moda, o consumo e a tecnologia no século XX,
nos próximos vinte anos estarão aposentadas. Elas detêm hoje
70% do poder de compra nos Estados Unidos e não poderão ser
ignoradas. É a geração que dará início à revolução da terceira
idade. O que não podemos é esperar ficar velhos para começar a
transformar a imagem dos idosos na sociedade. Temos de começar
a partir de agora, enquanto somos fortes e poderosos. Depois,
nossa credibilidade será menor. Todos aqueles que nasceram
entre 1960 e 1980 devem se juntar à revolta. Teremos de
modificar em poucas gerações um modelo biológico e cultural
construído ao longo de milhares de anos.
Veja – Há uma onda retrô na moda,
na música e nos filmes, em que os adultos tentam recuperar os
objetos e o estilo de vida da infância. Qual o significado
disso?
Schirrmacher – Está ocorrendo uma
infantilização da sociedade. É uma reação ao envelhecimento. O
corpo envelhece, mas a personalidade se recusa a acompanhar a
mudança. É comum vermos pessoas de 25 a 40 anos que falam ou
se vestem como criança. A série de livros infanto-juvenis
Harry Potter faz mais sucesso entre adultos que entre
crianças. É como uma operação de beleza. Harry Potter é uma
cirurgia de beleza para a alma. Faz parte do fenômeno da
negação do envelhecimento que existe hoje.
Veja – As cirurgias plásticas, os
cremes e os tratamentos estéticos ajudam ou atrapalham os
idosos a ser mais respeitados?
Schirrmacher – O efeito social
das técnicas de rejuvenescimento varia de indivíduo para
indivíduo. O interessante é que o assunto é tratado como tabu.
Apesar de todos fazermos de tudo para parecer mais jovens,
criticamos quem se submete a tratamentos de embelezamento.
Quando se transforma o corpo com cirurgias plásticas, o que
está em jogo é simplesmente se a pessoa está satisfeita
consigo mesma ou não. Isso não pode ser censurado. Mas, quando
um idoso tenta parecer mais jovem, nossa reação é considerá-lo
um impostor. A origem disso é, novamente, o instinto animal.
Ao assumir uma aparência jovial, o idoso atrapalha,
simbolicamente, a função dos jovens de ter e criar filhos. É
como se não fosse permitido aos velhos parecer que ainda estão
em idade de reprodução.
Veja – A tentativa de parecer
mais jovem, no entanto, começa bem antes da terceira idade,
não?
Schirrmacher – Sim. Nas
passarelas de moda, modelos de 13 ou 16 anos são vestidas e
pintadas para que pareçam ter 30. Obviamente, qualquer um
percebe que elas são bem mais jovens. Por isso, ao se comparar
com elas, até uma mulher de 25 anos se sente velha e feia. O
ideal de beleza e juventude nos faz sentir culpados e
infelizes, mesmo quando ainda somos jovens. Isso desperta em
gerações inteiras a sensação de punição e de falta de amor.
Veja – No futuro, o que vai mudar
na estrutura familiar?
Schirrmacher – As famílias serão
mais verticais, o que significa que a pessoa que está
trabalhando terá de sustentar mais dependentes. Será preciso
sustentar os filhos, os pais, os avós e, em alguns casos, até
os bisavós. Isso porque, com o aumento da expectativa de vida,
várias gerações viverão simultaneamente. Se não mudarmos o
conceito de envelhecimento, o mundo será dividido entre a
fração dos provedores e a dos egoístas.
Veja – O que as pessoas que estão
tendo dificuldade para enfrentar o envelhecimeno deveriam
dizer a si mesmas?
Schirrmacher – Essas pessoas
deveriam pensar que o medo do envelhecimento é apenas
instintivo e que a ciência nos deu um grande presente: uma
vida mais longa. Devem se convencer, também, de que fazem
parte de uma vanguarda que vai conquistar uma nova realidade.
A de um mundo dominado pelos anciãos.
Fonte: Revista Veja
Data: 15/08/2004
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Total: 5 mensagens
Acho o artigo interessante e
acertado na avaliação que faz do futuro para o
envelhecimento e das necessidades das ações para o
presente. Em uma primeira leitura, discordo de um ponto
que desejo lançar para discussão: O sentimento de culpa
pelo envelhecimento não é instintivo, como o autor
afirma, mas cultural, como é aliás, tudo aquilo que é
sentido pelo ser humano, único produtor de cultura. Se
aceitarmos que é instintivo, deveremos também aceitar que
nada podemos fazer para mudar isso, então, para que
trabalhamos? Da mesma forma que é cientificamente
incorreto antropomorfizar os animais, atribuindo a eles
sentimentos e atitudes humanas, não podemos animalizar o
homem negando sua subjetividade forjada na cultura. Espero
interlocuções!!!
Enviado por Delia Catullo Goldfarb
10/09/2004 - 23:31h
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A mudança da imagem da velhice voltada para os aspectos
positivos da existência deveria estar ligada ao
investimento nas qualidades e habilidades do sujeito
idoso, resgatando sua dignidade.
Enviado por Aline Pedrosa
25/09/2004 - 01:07h
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É necessário que possa haver uma nova reestruturação do
pensamento. Os antigos paradigmas não dão conta de compor
uma nova realidade na qual os jovens terão de conviver com
um grande contingente de pessoas que envelheceram.
Precisamos resgatar as dignidades que assegure a todos um
real direito de viver uma vida digna. O idoso não deve ser
contemplado somente porque envelheceu, mas sim por
representar uma ponte entre o passado, o presente e o
futuro. Quando existe este corte, a sociedade passa a
apresentar sinais de adoecimento. Todos somos elos de uma
cadeia na qual cada parte forma um todo.
Enviado por Dorli Kamkhagi
26/09/2004 - 22:02h
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Concordo com o autor quando ele se refere à imagem social
que o idoso tem de si mesmo, e isto faz com que ele
reforce a imagem negativa que a sociedade tem em relação
ao envelhecimento. Porém, a partir do momento em que a
sociedade começa a discutir o assunto, isto se torna
positivo no sentido de que podemos construir uma imagem
social diferente da que temos hoje em que os encontros
inter-geracionais se tornem uma possibilidade.
Enviado por Regina Garcia do Nascimento
27/09/2004 - 16:01h
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Vivemos em uma sociedade que desvaloriza o velho e, este
fato, se dá quando percebemos que de certa forma esta
sociedade impõe que este velho mude sua identidade
subjetiva, encontrando novas formas de denominações como
melhor idade ou terceira idade, que substituem a palavra
velho. Quando o filósofo fala de um possível conflito de
gerações, será que podemos pensar na revolta dos idosos
com relação à esta ditadura jovem onde se valoriza a
estética?
Enviado por Ana Lúcia Marques de Souza
28/09/2004 - 13:52h
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