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Esquecer é parte da nossa sobrevivência

Alessandro Grecco

 É o que diz o neurocientista Iván Izquierdo, em dois livros sobre o tema 

Esquecer é um mecanismo de sobrevivência. O neurocientista argentino, naturalizado brasileiro, Iván Izquierdo é um dos maiores especialistas vivos em fisiologia da memória. Prolífico, autor de mais de 500 artigos científicos, ele gosta também de escrever para o público em geral. Recentemente, lançou dois livros sobre memória, A Arte de Esquecer e Questões Sobre Memória. Em conversa com o jornal O Estado de S. Paulo, ele fala dos mecanismos usados pelo cérebro para esquecer, por que algumas memórias ficam e da nossa habilidade infinita de falsear nossas lembranças.

Estado - Na abertura do livro, o senhor cita o especialista americano em memória James McGaugh dizendo "o aspecto mais notável da memória é o esquecimento". Por que esquecemos?

Iván Izquierdo - Esquecemos em parte porque os mecanismos que formam e evocam memórias são saturáveis. Não podemos fazê-los funcionar constantemente de maneira simultânea para todas as memórias possíveis, as existentes e as que adquirimos a cada minuto. Há vários motivos para isso.

Um é a perda definitiva da memória, causada por atrofia dos neurônios, ou por morte deles. A atrofia é causada pela falta de uso e foi demonstrada por um grande fisiologista e prêmio Nobel australiano chamado John Eccles. Isso é o que ocorre com a maior parte da nossa memória. Mas há dois outros mecanismos nos quais a memória não se perde, mas fica relegada a um local de acesso mais difícil, até certas vezes ser impossível recuperá-la.

Estado - Como funcionam esses mecanismos?

Izquierdo - Eles ocorrem normalmente, mas podemos manipulá-los, trabalhar com eles. Um deles é a repressão. Freud descreveu isso pela primeira vez há mais de cem anos dizendo que essas memórias não desejadas são excluídas da consciência. Este ano, finalmente, John Gabrieli e colegas demonstraram que isso acontece. A outra é a extinção, descrita por Ivan Pavlov há mais ou menos um século. Ele consiste na diminuição gradativa de uma resposta condicionada a um estímulo. Por exemplo, um cão que aprendeu a salivar em resposta a uma campainha que está associada ao aparecimento de um pedaço de carne, irá salivar cada vez menos se ao tocar a campainha a carne não aparecer. Isso é muito usado terapeuticamente em fobias, pânico e a pior de todas que é o estresse pós-traumático, como no caso de uma pessoa que foi torturada, e os acontecimentos vivem voltando na cabeça dela. Esse fenômeno foi muito estudado na Turquia por causa dos terremotos. Esquecer é um mecanismo de sobrevivência.

Estado - Esquecemos mais do que lembramos?

Izquierdo - Se alguém nos pede para contar tudo que recordamos da nossa infância nem eu nem especialistas em memória nem ninguém levaria provavelmente mais de uma hora. Com ajuda de perguntas e dicas para evocar lembranças mais ocultas e com muito esforço, talvez consigamos lembrar de mais alguma coisa, ocupar um total de duas horas. Talvez o esquecimento seja o aspecto mais predominante da memória, mas conservamos e usamos o suficiente dela para ter uma vida satisfatória como pessoas. Lembramos onde fica nossa casa, nosso trabalho, o nome dos familiares e amigos. Se não conseguimos nos lembrar das coisas a ponto de nos sentirmos incapacitados, devemos consultar um médico. Podemos dizer que há algo de seletivo e proposital no nosso esquecimento. Nossa mente nos faz perder muitas coisas, entre elas, várias que nos são caras, mas conservamos com as quais vivemos e seguimos em frente.

Estado - O senhor chama a extinção e a repressão da forma mais bem acabada da arte de esquecer. Por quê?

Izquierdo - É uma forma de compreender um país como este em que há muitas mudanças. Fulano era do PDT, mas agora está no PT. Ciclano estava no governo Fernando Henrique, mas agora está no de Lula.

Estado - Por que algumas memórias são tão mais marcantes?

Izquierdo - Por causa das emoções associadas a ela. Não há memória que não seja relacionada a um sentimento, seja ele alegre, triste, eufórico, melancólico. A memória, que se associa não casualmente mas especificamente a alguma emoção intensa, fica mais marcada. Ninguém esquece, por exemplo, o dia em que morreu Ayrton Senna, mas ninguém lembra o que estava fazendo antes ou depois dela. Essa marcação é causada pelo efeito de muitas substâncias, entre elas, a adrenalina e a noradrenalina.

Estado - E a criação de memórias falsas?

Izquierdo - Fazemos isso o tempo todo ainda que não queiramos.

Estado - Por quê?

Izquierdo - Talvez porque todos queremos contar as coisas de forma mais bonita do que elas realmente ocorreram. Minha mãe, por exemplo, gostava muito do meu tio, irmão dela. Quando idosa ela costumava me atribuir feitos do meu tio. Ela perguntava se eu lembrava de quando tinha colocado o meu Studebaker, um carro, no meio da praça. Quando eu tinha idade para dirigir não havia mais esses carros nas ruas. Minha mãe tinha inventado um personagem misto, que tinha características interessantes do meu tio e dados meus. Precisamos acreditar em algo bom a respeito de nós mesmos. É muito difícil conviver com um passado pessoal muitas vezes sombrio e com referenciais falhos.

Estado - É possível implantar memórias nas pessoas?

Izquierdo - Sim, há alguns anos foi moda nos Estados Unidos, entre psicólogos de má qualidade moral, convencer jovens ignorantes e sugestionáveis de que tinham sido abusados sexualmente por seus pais. Alguns deles fizeram denúncias à Justiça. Eles acabaram desmascarados por cientistas, entre eles James McGaugh.

Fonte: O Estado de S. Paulo
Data: 12/09/2004

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