Pode a
fé
curar?
Sabine
Righetti e Cristiana Felippe
Um
famoso
ditado
popular
americano
diz
que
“uma
oração
por
dia
mantém os
médicos
distantes”.
A
oração,
a
fé,
a
religião,
enfim
a
espiritualidade,
podem
ser
aliadas na
recuperação
dos
pacientes
e na
prevenção
de
doenças,
segundo
os
resultados
de algumas
pesquisas
recentes.
Entender
a complexidade da
mente
e os
efeitos
das
práticas
religiosas
sobre
a
população
é
hoje
um
dos
grandes
desafios
dos
pesquisadores.
Como
investigar
e
medir
a
influência
de
algo
tão
abstrato
e
controverso?
Apesar
de serem desenvolvidas há algumas
décadas
em
outros
países,
como
os
Estados
Unidos, no Brasil as
pesquisas
sobre
esse
tema
ainda
estão no
início,
mas
já
aparecem
principalmente
nas
universidades
públicas: Unifesp, Unicamp, Unesp,
Universidade
Federal
do Ceará e outras.
Estudos realizados em diferentes contextos sócio-culturais têm
demonstrado que a espiritualidade tem relação com o comportamento e
a predisposição ao vício. Esses estudos começaram em meados da
década de 80, nos Estados Unidos. Atualmente, um dos centros
norte-americanos mais avançados no assunto é o Duke´s Center para
Estudos da Religião e da Espiritualidade, dirigido pelo médico e
pesquisador Harold Koenig, autor do livro
Manual de religião e saúde.
Seus estudos científicos têm demonstrando que os praticantes ativos
de uma crença podem obter benefícios físicos e mentais, entre eles,
sistema imunológico mais resistente e menor propensão a certas
doenças. Entre os efeitos negativos estariam o fanatismo religioso e
a auto-punição, ou seja, acreditar que doença teria sido enviada
como um castigo de Deus.
No Brasil, a equipe do psiquiatra Paulo Dalgalarrondo, professor da
Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, constatou que a religião
pode afetar de diversas maneiras o consumo de álcool e de drogas. O
trabalho, intitulado "Religião
e uso de drogas por adolescentes", foi publicado em junho de
2004 na Revista Brasileira de Psiquiatria, e avaliou 2.287
estudantes de escolas públicas e particulares de Campinas (SP). Os
pesquisadores perceberam que o uso intenso de pelo menos uma droga
(álcool, tabaco, medicamentos, maconha, solventes, cocaína ou
ecstasy) foi maior entre os estudantes que não tiveram educação
religiosa na infância. “As pessoas cuja religião condena o uso
dessas sustâncias tendem a usá-las menos”, conta. Por outro lado,
Dalgalarrondo ressalta que alguns estudos mostraram que pessoas com
alto envolvimento espiritual têm a tendência a ser mais depressivas.
“A influência depende da própria pessoa e da religião, além de
fatores econômicos, culturais e sociais”, afirma.
Espiritualidade no currículo
A questão da espiritualidade já começa a fazer parte do currículo
de faculdades de medicina brasileiras e estrangeiras. Na
Universidade Federal do Ceará é disciplina optativa no curso de
medicina, desde o ano passado. O objetivo é trazer reflexões para
humanizar os tratamentos hospitalares, utilizando pesquisas sobre
espiritualidade e saúde. Alguns dos temas abordados são os estudos
da consciência em pacientes que relatam suas experiências no coma
prolongado.
A coordenadora do primeiro curso no país, a médica Eliane Oliveira,
é uma das palestrantes do Congresso Nacional da Associação
Médico-Espírita do Brasil que discutirá o tema “Espiritualidade no
cuidado com o paciente”, de 26 a 28 de maio em São Paulo.
“Precisamos enxergar os vários aspectos do ser humano para ajudar no
tratamento”, afirma Eliane Oliveira. “Mesmo que para o médico a
religiosidade não seja importante, não podemos ignorar que as
pessoas costumam tomar decisões importantes baseadas na sua
religião”, diz.
A doutora lembra que em Maranguape, município localizado a 30 km de
Fortaleza, a mortalidade infantil foi reduzida drasticamente depois
que os médicos se aliaram às benzedeiras (também chamadas rezadeiras)
da região. Elas aprenderam sobre o soro caseiro e, além de benzer,
ensinavam as mães e mandavam que elas também levassem os seus filhos
ao médico.
Falsos diagnósticos
Até poucos anos, a psiquiatria tendia a ignorar ou considerar como
doença certos comportamentos religiosos e espirituais. “A visão
negativa das experiências religiosas deu origem a atitudes
discriminatórias por parte da comunidade psiquiátrica brasileira,
principalmente com relação ao espiritismo e religiões
afro-brasileiras, ocasionando prisões, internações e tratamentos
desnecessários”, diz Alexander Almeida, do Núcleo de Estudos de
Problemas Espirituais e Religiosos da USP. Ele conta que até os anos
70 pensava-se que a pessoa menos religiosa era mais saudável, mas
não havia estudos que usavam metodologia científica para provar
isso.
No dia a dia, em seu consultório, para conseguir melhores
resultados nos tratamentos, a tática usada pelo psiquiatra é
aliar-se aos líderes espirituais de seus pacientes, propondo que
ambos trabalhem pela recuperação da pessoa. Para isso, recomenda que
eles incentivem os fiéis a não deixarem de tomar os remédios. Antes,
muitos portadores de casos sérios paravam o tratamento, com risco de
morte, porque acreditavam que somente a fé era suficiente.
Alexander afirma ainda que até pouco tempo acreditava-se que os
médiuns tinham problemas mentais, pouca instrução e vinham de
classes muito baixas. Segundo as religiões espírita e
afro-brasileiras, os médiuns são intermediários entre o mundo físico
e o espiritual. O psiquiatra mostrou na sua tese de doutorado (com
bolsa da Fapesp) que o fenômeno da mediunidade pode não estar
relacionado com transtornos mentais, como a esquizofrenia, que geram
alucinações e delírios. Segundo seu estudo, uma das possíveis
definições de mediunidade é “a comunicação provinda de uma fonte que
é considerada existir em um outro nível ou dimensão além da
realidade física conhecida e que também não proviria da mente normal
do médium”.
Energia do corpo
Alguns pesquisadores acreditam ainda que uma prática comum em
certas religiões – a impostação de mãos (o ato de repousar as mãos
sobre uma área sem encostá-las) – pode ter efeitos também sobre a
saúde do organismo. Essa prática é procurada por muitas pessoas a
pretexto de receber energias “sutis” e reequilibrar o organismo. A
prática, assim como na homeopatia e na medicina oriental, é baseada
no princípio de que as patologias são geradas por causa de um
desequilíbrio do organismo como um todo, e não somente da parte
doente.
A relação entre a impostação de mãos e o aumento da resistência do
organismo às doenças, por exemplo, vem sendo objeto de um estudo de
um pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o
biólogo Ricardo Monezzi. Ele constatou indícios de que a impostação
pode aumentar a resistência imunológica.
Monezzi estudou o efeito da impostação de mãos em 60 ratos machos e
sadios. O estudo não foi realizado em humanos para que se possa
descartar totalmente o efeito placebo (quando a mente é sugestionada
a acreditar que recebeu um medicamento ou processo de cura). Um
terço do grupo recebia tratamento por impostação, outro terço tinha
uma luva colocada sobre as gaiolas (para simular a impostação) e o
restante não recebia nenhum tipo de tratamento. Os animais que
receberam o tratamento tiveram um aumento do número de linfócitos e
monócitos – responsáveis pelo sistema imunológico – e redução do
número de plaquetas. Manipulando essas células in vitro, em conjunto
com células tumorais, foi possível observar que as células dos
animais tratados teriam o dobro de condições de combater um tumor.
Atualmente,
Monezzi continua
seus
estudos
sobre
a
imposição
de
mãos
em
humanos,
em
seu
doutorado,
também
na Unifesp. “O
corpo
humano
é
um
emissor
de
energias,
que
ainda
não
foram qualificadas,
mas
exames
como
o eletrecardiograma e
eletroencefalograma
mostram
que
existem”, afirma. “O
importante
é
entender
a
influência
que
essas
energias
podem
ter
na
cura
de
certas
patologias”,
conclui.
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Fonte:
http://www.comciencia.br/reportagens/2005/05/06.shtml,
10/05/2005


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