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Alvíssaras para as células-tronco

 

Por Marcelo Leite

 

Duas novas, aparentemente boas, surgiram na semana passada para animar o já agitado campo de pesquisa com células-tronco. Aliás, foram várias as novas pelo mundo afora, mas esta coluna vai se concentrar em duas, uma no Brasil e outra nos EUA.


No Brasil, a boa nova é que o tema parece estar entrando no radar da elite política, como indica a realização de seminário sobre células-tronco, na última terça, no Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC). A platéia seleta, na qual tomaram assento o ex-presidente e a ex-primeira-dama, ouviu três palestras: de Marco Antônio Zago, Lygia da Veiga Pereira e Marco Segre, da USP.


Foram apresentações competentes e até críticas, ainda que todas favoráveis à pesquisa com células-tronco embrionárias humanas. Ela acarreta a destruição de blastocistos, embriões com uma centena de células. O projeto de Lei de Biossegurança em discussão na Câmara deverá definir se a libera ou não.


Zago defendeu que a produção de blastocistos para retirada de células-tronco não deve ser chamada de clonagem terapêutica, mas sim de transferência nuclear, para evitar confusão com clonagem reprodutiva.


‘É [só] uma via laboratorial para criação de células’, justificou. Disse que a semelhança com o embrião produzido por fecundação (união de óvulo e espermatozóide) é superficial, pois este carrega os cromossomos de duas pessoas, e não de uma.


O status moral subalterno dessa forma de vida humana foi reafirmado por Segre, mas com base no valor que as pessoas efetivamente lhe atribuem: ‘O pré-embrião não tem o mesmo peso afetivo de um feto a termo’. Veiga Pereira destacou implicações econômicas, como o potencial de mercado para novas terapias celulares: ‘Não podemos nos dar ao luxo de não estudar células-tronco embrionárias’.


Todos, contudo, ressalvaram que os resultados terapêuticos são ainda muito preliminares. Já está arrefecendo, por exemplo, o entusiasmo inicial com a recém-descoberta plasticidade das células adultas (células-tronco do sangue para regenerar corações infartados ou chagásicos, entre outros males).


Não se sabe como elas agem, mas vai ficando claro que não parecem dar origem a novas células de músculo cardíaco.


Ao fim, todos na audiência diziam ter aprendido muitas coisas. Para FHC, é preciso mostrar todas essas coisas a seus ‘colegas de Brasília’.


Agora, a boa nova do Norte. Como o grande obstáculo moral contra células-tronco embrionárias é a destruição do blastocisto, um bioeticista da Universidade Stanford propôs uma maneira de contorná-lo: produzir um embrião que não é embrião de nada. Quer dizer, um ‘blastocisto’ que permita derivar as células-tronco, mas não tenha as estruturas que possibilitem a implantação no útero.


A proposta é de William Hurlbut e foi noticiada no jornal ‘Boston Globe’. A técnica, que ainda precisa ser aplicada a células humanas, recebeu o nome de transferência nuclear modificada.

Envolveria a modificação genética da célula do doador adulto, para desligar um gene controlador da formação do trofoblasto (esfera que abriga a massa interna da qual derivam as células-tronco). Sem essa estrutura, nunca ocorreria implantação no útero nem desenvolvimento de um feto humano.


Como toda solução sempre cria novas dificuldades, a de Hurlbut tem seu calcanhar-de-aquiles: seria preciso convencer as pessoas de que não há nada de mais em modificar geneticamente células humanas, ainda que só para fins terapêuticos.

 

Email do autor: cienciaemdia@uol.com.br
Website: http://www.cienciaemdia.blogspot.com

 

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Fonte: Folha de S. Paulo, 5/12/2004, reproduzido no JC e-mail 2661, de 6/12/2004.

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