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Sem medo de falar, escrever e ouvir a palavra “velho”

 

Cinthya Leite - pesquisadora mentora

 

Aqueles que lidam com a arte da escrita bem sabem que a língua é cheia de figuras poéticas que dão asas à imaginação. Não é que essas chamadas alegorias (ou expressões figurativas) também se transformam em moda dentro do universo lingüístico do envelhecimento?

 

É só prestar atenção para perceber que vários escritores e profissionais da área de geriatria/gerontologia instantaneamente usam termos ora criativos, ora inusitados para se referir às pessoas idosas. Para começo de conversa, não se fala mais em velhos; acharam-se novas formas de descrever a velhice, um período de crescimento contínuo tão belo como o pôr-do-sol.

 

‘Terceira idade’, ‘boa idade’ e ‘melhor idade’ são apenas algumas expressões freqüentemente aplicadas a assuntos ligados aos idosos. Pare para refletir e veja como é importante ter muito tato para aplicar esses termos... Por que ‘terceira idade’? Alguém pode explicar que a denominação é usada pelo fato de se pressupor que a infância e a fase adulta seriam, respectivamente, a primeira e a segunda idades. Sim, mas é só uma hipótese; nada que seja concreto ou oficial.

“Acharam-se novas formas de descrever a velhice, um período de crescimento contínuo tão belo como o pôr-do-sol.”

E mais: segundo o escritor Celso Japiassu, na apresentação do livro Maturidade (Ed. Campus) da jornalista Léa Reis, o aparecimento da expressão ‘terceira idade’ só deu margem a ações de marketing que consideram o surgimento de um novo mercado para os produtos do mundo capitalista pós-industrial.  

No livro, diz também o jornalista paulista Marcelo Coelho, que a ‘famosa terceira idade’ fundamenta-se em uma contagem abstrata do tempo; é paradoxal. “Pois quem é velho vive da contagem concreta dos anos, dos feitos, dos casos, dos números”, escreve Coelho. E o que leva a aplicação dos adjetivos ‘boa’ e ‘melhor’ para nomear a velhice? As outras fases da vida, então, seriam sem graça e monótonas? Ainda tem a tal da ‘meia-idade’... “Acho que não dá mais para rotular. E o que seria a idade-cheia?”, questiona Léa Reis.  

Claro que já me senti seduzida a aplicar esses termos em um texto, em uma conversa ou em uma palestra. Confesso que foi justamente a insistência em usar essas expressões que me levaram a observar que existe um medo, entre as pessoas, de utilizar todos os prefixos e sufixos que se ligam ao radical ‘velh’.  

Pois é, logo quando comecei a escrever sobre o processo de envelhecimento, eu travava (como acontece com muita gente) caso aparecesse a necessidade de escrever ‘velho’ e/ou ‘velhice’. Hoje, insisto em difundir que são palavras que não só podem como devem ser usadas, a fim de que se quebrem preconceitos e que se perceba o envelhecimento não como uma diminuição da produtividade, da inteligência, do bom humor e da capacidade física.

“Existe um medo de utilizar todos os prefixos e sufixos que se ligam ao radical ‘velh’.” 

É preciso quebrar o paradigma que o uso do radical ‘velh’ pode ser uma atitude de mau-gosto ou de falta de respeito. Não é bem assim. Acredite: as pessoas que envelhecem bem psicologicamente até preferem que ‘terceira idade’ e ‘boa idade’ passem bem longe das denominações aplicadas a elas. É que elas sabem bem que envelhecer não é um caminho à decrepitude, mas uma afirmação do princípio de auto-renovação.  

O entrave é que, erroneamente, ainda existe a idéia de que toques de senilidade implicam queda de produção. Só que velhice tem pouco a ver com fragilidade e muito a ver com amadurecimento. Por isso, é bom não ficarmos cheio de dedos para se referir aos idosos como pessoas velhas, como realmente são. Trata-se de um exercício para nos convencer de que parecer mais velho é muito mais atraente do que ser imaturo.  

Uma prova? Quantas vezes é possível se maravilhar com o caráter, a inteligência e a história dos mais velhos? Várias, não é? Use, então, essa resposta como incentivo para mostrar as pessoas que utilizar ‘terceira idade’, ‘boa idade’ e ‘melhor idade’ não se trata de uma questão de excelência, mas de descaracterização do que realmente a velhice é.

“Utilizar ‘terceira idade’, ‘boa idade’ e ‘melhor idade’ passa a ser uma descaracterização do que realmente a velhice é.” 

Mas veja bem: não alie velhos ao sentido de que não são ativos. Tem até nos dicionários mais conceituados da língua portuguesa, como o Houaiss, que velhote é um ‘velhinho bem disposto’. Afinal, o gostoso mesmo é perceber a existência de um grupo de pessoas inteligentes, generosas, engraçadas, misteriosas, cheias de graça, que – pelo Brasil – somam 15 milhões de pessoas com mais de 60 anos. São eles, claro, os velhos.

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