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As vozes e os silêncios do IBGEElio GaspariEm dezembro do ano passado o IBGE recalculou a esperança de vida do brasileiro com base nos dados do Censo e num trabalho conjunto com a ONU. Ela pulou para 71 anos e provocou brutais alterações no tempo que o trabalhador deve ficar na ativa até se aposentar. A aplicação dos novos números pelo Ministério da Previdência criou absurdos. Um bípede que em novembro podia se aposentar com R$ 1.000 e decidiu trabalhar mais um ano, para ficar com R$ 1.135, micou feio. Trabalhará mais para ganhar menos. Ralará 12 meses e se aposentará com R$ 940.
Não ocorreu ao IBGE alertar a choldra para esse efeito direto da nova tábua de esperança de vida. Seus diretores argumentam que não é tarefa de um instituto de geografia e estatística sair por aí enunciando causas ou conseqüências dos números que divulga. Certo.
Na quarta-feira, ao divulgar a Pnad com os números do primeiro ano de governo Lula (661 mil novos desempregados e uma tunga de R$ 55, ou 7%, na renda média da patuléia), o doutor Eduardo Nunes, presidente do IBGE, assumiu o papel de explicador-federal: "Foi o preço pago para equilibrar as finanças públicas, reduzir o perigo inflacionário e equacionar o problema da dívida externa".
Se os doutores do IBGE acham que não devem falar quando seus números resultam numa tunga para os trabalhadores (sem que ela tenha sido inventada pelo instituto), o doutor Ernesto não deve explicar a essência do que seria a política macroeconômica de Lula. O presidente dispõe de ministros, banqueiros e consultores ávidos por esse papel.
Ademais, o explicador chamou a ruína de "preço", associando-a a uma sucessão de resultados virtuosos (equilíbrio das contas, redução da inflação e controle da dívida). É o caso de se ver se o raciocínio fica de pé noutra comparação: dois sujeitos estão descalços e cada um entra numa loja. Um escolheu a Paul Stuart, em Nova York, e pagou 575 dólares (R$ 1.725) pelos seus sapatos. Outro vai na Sapataria Central, em São Miguel Paulista, e paga R$ 60 (20 dólares). Ambos calçaram-se e pagaram o preço. A diferença esteve na escolha da loja.
O doutor Nunes tem todo o direito de falar o que bem entende. Espera-se que tenha algo a dizer quando os aposentados estiverem a caminho de uma nova tunga. Talvez não ajude o governo, mas exercitará sua misericórdia.
Vioxx no Merck
Deverá custar caro ao laboratório Merck a insistência com que manteve o antiinflamatório Vioxx nas farmácias de todo o mundo. O remédio, considerado um bálsamo milagroso, foi aprovado pela vigilância sanitária americana em 1999. Em meados de 2001, duas grandes revistas científicas, o "Journal of the American Medical Association" e a "Lancet", levantaram a suspeitas de que seu uso continuado (mais de um ano ou doses muito altas, ainda que por pouco tempo) provocava distúrbios circulatórios.
Em setembro de 2001 o governo advertiu a Merck. Ela subestimava uma pesquisa que apontara os riscos de enfarto para os usuários do Vioxx. Ele era quatro vezes superior ao de pessoas medicadas com outras drogas.
Já existe, nos Estados Unidos, há algum tempo, a ocupação de "Advogado Vioxx". São escritórios especializados em analisar as reclamações das vítimas. Com o Vioxx evaporaram-se 28 bilhões de dólares dos acionistas da Merck. O laboratório deve ter faturado uns 10 bilhões de dólares com o sucesso. O efeito colateral poderá ser o fim da empresa, sem BNDES que dê jeito.
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Fonte: Folha de S. Paulo, 03/10/2004 |
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