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Educação Brasileira: realidade e possibilidade Patricia Branco – pesquisadora mentora O Brasil passa por um momento único e muito especial. A sociedade brasileira demonstra, com nitidez, a necessidade de se mudar a realidade da educação no Brasil. Ninguém aceita continuar, ao longo das próximas décadas, com a tragédia representada pela Educação de todo o povo em geral. A grave questão do analfabetismo da população brasileira ainda não foi solucionada. Estima-se, de acordo com os dados do INEP[1], que o Brasil possui cerca de 16 milhões de pessoas analfabetas com mais de 15 anos de idade. Agrava-se ainda mais a questão, se considerarmos o alarmante índice de analfabetismo funcional existente no país, onde mais de 30 milhões de pessoas não concluíram os primeiros quatro anos de escolaridade formal. Com relação ao grau de escolarização da população brasileira, apenas 19 cidades do país, possuem um índice correspondente às oito séries do ensino fundamental cursadas. Em outros 1.796 municípios do país, a escolarização média da população é inferior a quatro séries concluídas. Os dez municípios que apresentam os melhores indicadores estão nas regiões Sul e Sudeste, e as dez cidades com o menor número médio de séries concluídas estão nas regiões Norte e Nordeste. Com 59% de analfabetos e 93% de analfabetos funcionais, Guaribas, no Piauí, tem a média de apenas 1,1 séries concluída. A pesquisa, realizada em 2000, nos aponta que a distribuição dos analfabetos pelas diversas regiões do país tem elevada concentração nas grandes cidades. E entre os cem municípios com maior número de analfabetos, estão 24 capitais. Dentre elas: “São Paulo e Rio de Janeiro são as cidades brasileiras com o maior número de analfabetos”, assim como nos indica a Folha de São Paulo em 14/05/2003. Embora os melhores indicadores de nível de escolaridade apareçam nas regiões Sul e Sudeste, em São Paulo, 383 mil pessoas não dominam a leitura e a escrita. No Estado do Rio de Janeiro, a situação não é muito diferente. Mais de 199 mil pessoas, de acordo com os dados do INEP, podem ser consideradas analfabetas. No entanto, em Niterói (RJ), foi constatado o maior número médio de séries concluídas do país, de 9,5 anos. O Brasil, conforme dados publicados pelo Relatório Anual da Organização das Nações Unidas referente ao início da década, é o país campeão em desigualdade social, apresentando a pior distribuição de renda de todos os países da América Latina. Com relação à injusta distribuição de renda nacional, o IBGE[2], nos apresenta uma triste realidade. Nos anos 60, 70 e 80, enquanto o país produzia riquezas, o segmento populacional mais rico, que equivalia a 10%, detinha 51,5% de toda a riqueza produzida no contexto nacional. Os 60% mais pobres da população, tiveram a sua participação na renda, reduzida de 23,4% para 16,2% em 1990, o que justifica em grande parte, o agravamento de alguns problemas sociais brasileiros, tais como: a diminuição do índice de desenvolvimento humano e a violência das grandes cidades. Os dados, anteriormente apresentados, nos permitem concluir de maneira preliminar, que o Brasil, assim como todos observam, vem vivendo uma realidade caótica. A convivência direta com os efeitos drásticos desta realidade, assim como o desemprego, a miséria, a fome e, por conseguinte, a marginalização e exclusão social; acaba minimizando a capacidade formadora e transformadora do ser humano, bem como, destruindo, em alguns casos, o sonho utópico de milhões de pessoas, no que tange a sua participação no processo de construção de uma sociedade brasileira mais justa e democrática. É por essas razões, que transitar pelos conceitos de justiça e democracia no Brasil, pode, sem dúvida, ser considerado um grande e complexo desafio. Um povo que não domina a leitura e a escrita, além de outros fatores essenciais para o desenvolvimento humano, é um povo que se constrói sem a clara consciência de sua identidade cultural, histórica e política. Um povo que não conhece com clareza sua identidade cultural, não constrói sua história coletiva de cidadãos com liberdade e autonomia, porque distantes da consciência de seus direitos ou de como conquistá-los realmente, tornam-se agentes de reprodução da submissão ideológica e opressora. Se analisarmos a Constituição Federal e o item da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sobre o direito à Educação, temos que é dever do Estado, garantir ensino obrigatório e gratuito, a todo e qualquer cidadão, inclusive a aqueles que não tiveram acesso ao mesmo na idade própria. Embora a lei considere este direito a todo e qualquer cidadão e em qualquer etapa da vida e desenvolvimento, sabe-se que este projeto utópico ainda não é realidade absoluta. O Estado e o município, representados por seus respectivos órgãos, não vêm garantindo este direito fundamental em sua totalidade, já que a realidade precária de grande parte das escolas públicas brasileiras, tanto no que diz respeito à sua estrutura física, quanto ao baixo nível de formação dos professores e ineficaz capacidade gestora de seus administradores, acaba potencializando o afastamento dos alunos e da comunidade da qual é integrante, corroborando ainda mais para a manutenção dos alarmantes índices de analfabetismo, pobreza e exclusão da população. Como variável resultante do processo de afastamento das pessoas em relação aos ambientes formais de aprendizado, a sociedade em geral e, particularmente o grupo social menos favorecido e excluído socialmente, acaba deixando de participar da vida e do governo de seu povo, em virtude de seu afastamento ou não acesso ao conjunto de direitos fundamentais para a vida digna e exercício da cidadania. Neste sentido, a educação enquanto processo político que possibilita a transformação social, pode ser considerado um valioso bem cultural da sociedade, já que através da vivência educacional formal e/ou informal, o ser humano descobre seus direitos de cidadão e luta por eles, passando a compreender-se como agente capaz de democratização da cultura. A Educação, em seu sentido lato, assume grande função estratégica na superação dos problemas sociais vividos pela sociedade brasileira. Assim como Paulo Freire considera, “a educação deve se constituir em processo político e, superar as etapas iniciais da alfabetização; deve ser direta e realmente ligada à democratização da cultura, ou seja, construída pelo professor e pelo aluno numa relação dialógica, e que, por isso, afasta qualquer hipótese de torná-la, um ato puramente mecânico.”[3] (FREIRE, P) Afastar deste processo, a possibilidade de torná-lo um ato puramente mecânico, não é tarefa simples. O professor e o aluno, em ações conjuntas e orientadas pelo princípio da liberdade, competência e respeito, precisam desenvolver e aprimorar sua capacidade de diálogo continuamente no intuito de construírem um processo educacional solidário e afetivo, no qual os dois aprendem e ensinam a SER humano no mundo contemporâneo. E sendo característica da contemporaneidade a mudança ininterrupta de valores sociais e humanos; a complexidade dos relacionamentos interpessoais; a diversificação dos padrões e modelos comportamentais; o aumento do consumo de bens e serviços; o aprofundamento da competitividade entre mercados e a valorização crescente do domínio das inovações tecnológicas, verifica-se como processo inevitável, o redimensionamento dos projetos culturais, educacionais e sociais, na perspectiva da complexidade, assim como formulada teoricamente por Morin[4]. A diversidade de valores e referenciais éticos socialmente incorporados à vida em sociedade, bem como, sua relação direta com a própria construção da personalidade, torna o homem, um ser social complexo e caracterizado por múltiplas formas de ser e estar socialmente. Ser humano e viver na coletividade sem perder a individualidade, tendo consciência de si e do outro num mundo de contradições, talvez seja considerado um dos maiores problemas humanos e sociais da atualidade, já que se observarmos e analisarmos a forma como as pessoas interagem socialmente, perceberemos que a "ética do ter sobre o ser", ainda condiciona consciências humanas e ações sociais, gerando conflitos do homem contra o homem. E neste contexto, o ser humano, seja ele pertencente a qualquer grupo etário, vê-se partícipe de uma crise social e humana, jamais vivida em outros tempos históricos, onde o que prevalecia nas relações humanas , era a "ética do ser sobre o ter". Por essa razão, o capital humano precisa ser cuidadosamente orientado, desde os primeiros anos de vida. As famílias, as escolas e o próprio ser humano precisarão transformar seus paradigmas, saindo da condição de pacientes para a condição de sujeitos do processo de transformação social. Sendo assim, os indivíduos; sejam eles: crianças, adolescentes, adultos e/ou idosos, devem aprender que a formação pode e deve se dar ao longo da vida, constituindo-se, assim, como o melhor caminho para aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser[5] numa sociedade globalizada e altamente tecnologizada. [1] INEP – Sigla do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais, órgão ligado ao Ministério da Educação no Brasil [2] IBGE – Sigla do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [3] FREIRE. P. A Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra Editora. 23ª edição. 1999. [4] MORIN, E. Complexidade e Transdisciplinaridade. 1999. [5] DELORS, Jacques. Os quatro pilares da Educação. São Paulo: Editora Cortez. 1999 |
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