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Corpo, Beleza e EnvelhecimentoO Portal/Fórum é um espaço de discussão virtual de temas relevantes sobre o processo do envelhecimento e da velhice. O tema escolhido deste mês para dar continuidade ao Fórum é Corpo, Beleza e Envelhecimento. Discussão relevante devido à intransigência ao enaltecimento do corpo do jovem e à exclusão e depreciação do corpo do velho. A incerteza é fato, muitos temem o próprio destino. Em nosso cenário sócio-cultural não há dúvidas de que o novo é belo, enquanto o velho é feio. Será que podemos confiar nesse modelo? Para responder a essa pergunta, farei uma pequena abordagem sobre o tema e logo em seguida passarei a palavra aos meus amigos que acrescentarão com outros argumentos. Esperamos a participação de todos para o engrandecimento deste Espaço de Discussão. O que é novo é mais gostoso? Pedro Paulo Monteiro “Quanto mais nova, mais gostosa”. Esse é o slogan de uma propaganda de cerveja veiculada na televisão no fim do ano passado. O anúncio mostrava dois rapazes que se deparam com várias senhoras usando bengalas, andadores e cadeiras de rodas, que querem “atacá-los”, dizendo: “Vem gatinho, vem! Vem pra mim”. Os rapazes conseguem escapar quando entram no freezer, e surgem numa praia repleta de garotas de biquíni que se divertem e bebem a cerveja, é claro. A memória se consolida principalmente pela associação, e quanto mais nítidas forem as imagens antagônicas, maior o poder de memorização. O objetivo da campanha publicitária é sustentar a idéia, ou seja, manter a imagem do produto reverberando por mais tempo nos cérebros dos consumidores. O corpo seminu de consumo, supostamente “belo”, é material publicitário de grande apelo. Se a memória é consolidada quando há associação, e se a identidade do velho é construída pela oposição à identidade do jovem, entende-se que mulheres velhas, feias e ameaçadoras, se contrapõem às mulheres jovens, belas e boas – ou melhor, gostosas, como a propaganda afirmava. A velhice não é o problema, e sim o modo como é tratada. A idéia de velhice, mostrada nessa propaganda, traz em si atributos negativos como a feiúra, maldade, perversão. Caso não se mude o modelo ideológico da velhice, persistirá a angústia da exclusão, o medo do ridículo, e a amargura da perda da beleza. Olavo Bilac num trecho da poesia “o crepúsculo da beleza” retrata a perda da beleza na velhice como algo pior do que a perda da própria vida:
Outra queda mais
funda lhe revela Em diversas épocas históricas o conceito de beleza vem entrelaçado com a idéia de bondade. Por assim dizer, a forma bela subentende a boa alma, harmônica e perfeita. O que agrada aos olhos é aceito, trazido para perto, tocado. O que desagrada é recusado, apartado, ignorado. Beleza é julgamento. E julgar é ligar duas idéias diferentes. Se a beleza pertence ao corpo jovem, o corpo velho pressupõe feiúra. É uma ameaça de exclusão para quem apresente características como cabelos brancos, rugas, flacidez. Desse modo, o medo reforça as contas bilionárias das indústrias de cosméticos. A regra social silenciosa determina que a pele sem textura não é apropriada para ser exibida em público, corroborada pelo ditado popular: “o que é belo deve ser mostrado”.
Algumas pessoas, para não serem julgadas, se escondem por trás de Masque Anti-Âge, a base de complexos vitamínicos estabilizados, extrato de soja, alistina de crustáceos, polifenóis antioxidantes, hexapeptídeos, silicium, sintetizadores de colágeno. A meta é eliminar os radicais livres, a fim de impedir o envelhecimento a todo custo. Será que para ser belo é preciso ter pele firme, viçosa, luminosa, exibindo tonicidade? O escritor Nanao Sakaki dá outra receita:
Para ficar jovem, A forma se torna insignificante, porque ilusória, quando o corpo de alguém é desterritorializado para ser o corpo de ninguém. Devido ao apelo da mídia, o corpo “belo” tem se tornado corpo sem subjetividade. O sujeito deixa de ser encarnado para ser peça de museu. A objetivação do corpo talvez permita a falsa idéia da imortalidade. A mumificação botulínica dos rostos humanos transforma-se em obra a ser admirada, pois a beleza pura não pode ser maculada, é intocável. Tudo em prol do olhar alheio. Assim, o corpo passa a pertencer a todos, exceto a quem o tem. A significância do olhar alheio torna-se requisito básico à aceitação. Os narcisos modernos buscam a todo custo pela imagem que agrade ao outro. Muitos não medem esforços para ter uma bela imagem a fim de sustentar a fonte de significação. Certa vez, quando perguntado a uma velha prostituta como conseguia atender dez clientes por dia, ela respondeu: “Abandonando-me. Quando a prostituta aprende a ter o corpo para o trabalho, é fácil usá-lo como objeto. E aí ele pode ser manipulado à vontade pelos clientes”. Será que estamos perdendo o corpo em função do olhar alheio? Onde está o corpo e o que ele significa para nós? Pensar o corpo pela concepção fria da matéria exposta, do corpo de vitrine é mais comum do que pensar o corpo como processo vivo e inacabado, repleto de subjetividade em busca de experiências constantes e significados. A vida é movimento incessante, motivo pelo qual o humano envelhece. A mudança é inexorável, é passagem. Quando a subjetividade é pulverizada, sobra apenas o corpo objeto. Um corpo obsesso pelo medo de perder espaço, liberdade e compreensão alheia. Faz-se de tudo para estar dentro do contexto do “moderno”; dieta antienvelhecimento, coquetéis vitamínicos revigorantes, cremes rejuvenescedores, exercícios para remoçar. Estar agregado é imprescindível ao humano. A rejeição é ameaça aos instintos de sobrevivência. São necessárias estratégias de re-ligação. O evangelho da salvação armou-se da idéia de um pretenso corpo belo, bom, perfeito para estar no mundo, mesmo sem exigir saber que mundo é esse. A sedução tornou-se instrumento para a conquista do espaço existencial. O corpo que seduz é corpo socializado. Infelizmente, o apelo da sedução vem acompanhado da premissa equivocada da perfeição. Essa idéia distorce a imagem do corpo, silencia os sentidos, aniquila a subjetividade. O corpo construído para ser aceito é um corpo desterritorializado, carente de subjetividade. A busca pelo corpo perfeito e belo clama pela não exclusão. Porém, agradar a tantos, com o sincretismo da beleza, não é tarefa simples. Se atualmente o corpo esbelto, “malhado”, jovem, é o modelo aceito, é compreensível a dificuldade dos mais velhos em sustentar vínculos sociais. Se o corpo é meio de aproximação e manutenção de espaços de relação, compreende-se a árdua busca pelo corpo belo. Perder o corpo que seduz, em decorrência da mudança inexorável do envelhecimento, é ficar à deriva. Contudo, a beleza pode ser compreendida pelo contexto vivido. Um corpo não expõe apenas traços da passagem do tempo, mas também o que este tempo representa e significa. A beleza do corpo que envelhece é mais do que proporção e linhas ideológicas da sociedade, ela é também integridade e harmonia de aceitar o corpo do jeito que ele se apresenta, pois a imagem é uma escolha individual. Assumir autenticamente o tempo vivido é a possibilidade de descobrir a beleza em cada gesto, em cada palavra. Como afirmava Roberto Grossatesta (séc. XIII): A beleza é harmonia e conveniência de si consigo mesma e de todas as suas partes singulares com ela mesma, entre elas e a harmonia do todo, e do próprio todo com todas as coisas. Jovem e velho são opostos que se complementam. Se harmonia é beleza, a desarmonia não surge devido à perda do corpo jovem, pois o equilíbrio entre pólos contrastantes é o que gera a existência da verdadeira beleza. Enfim, o belo é o instante, o bom é o eterno.
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