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Trabalho voluntário em instituições de longa permanência

 por Rita Amaral
silveiramaral@uol.com.br

 ...a velhice ganha um lugar, mas perde simbolicamente o seu lugar na vida.[1]

Há bastante tempo percebi em mim um interesse muito grande pelos velhos. Quando nasci, minha mãe já beirava os 40 anos. Meus pais faleceram quando eu tinha 30 anos, no curto intervalo de três anos. No período em que ficaram enfermos, notei o quanto eram importantes e prazerosas as visitas que recebiam dos seus amigos. Depois, sempre que podia, visitava-os (os amigos deles, que não eram meus, mas faziam parte da história de vida de meus pais), pois achava que esta seria a maneira de retribuir o carinho que a eles tinha sido dedicado em uma época de fragilidade, insegurança na enfermidade, proximidade com a morte etc.

O tempo passou. Os velhos com os quais eu cruzava eram eventuais, não faziam parte do meu cotidiano. Os amigos dos meus pais foram desaparecendo.

No ano de 2000, afastei-me da minha atividade como comerciante de produtos químicos de uma pequena empresa familiar e comecei a refletir qual caminho profissional trilharia. Seria tarde para um recomeço?

Nessa busca, coincidência ou não, entrei pela porta do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento – NEPE, no curso da “Oficina de Memória: Teoria e Prática”. Como queria me aproximar mais do tema envelhecimento, conhecer bem de perto a questão, achei que só a partir da prática poderia aprimorar minha formação na área.

Esse foi o início do caminho que percorri para chegar a um asilo, situado na cidade de Guarulhos: Lar Madre Regina (LMR), pertencente à Associação Congregação de Santa Catarina. Procurei a instituição para trabalhar como voluntária uma vez por semana num período de três horas. Iniciei minha atividade em fevereiro de 2002 e permaneço até o momento atual. A definição da Organização das Nações Unidas (ONU) para essa atividade diz:

...o voluntário é o jovem ou adulto que, devido a seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte de seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem estar-social ou outros campos.[2]

O Lar Madre Regina é uma instituição filantrópica, inaugurada em novembro de 1997, como marco de ação de graças pela comemoração do primeiro centenário das Irmãs da Congregação de Santa Catarina no Brasil. Essa instituição atende a pessoas de ambos os sexos, com idade superior a 60 anos, não acamadas, em condições físicas e de saúde compatíveis com a idade, que não disponham de condições para viver com autonomia e independência em relação à moradia, alimentação e cuidados mínimos de higiene e segurança. A população atendida pelo LMR é de 53 residentes.

A instituição possui duas salas bem grandes e arejadas com televisor, aparelho de som, sofás, uma capela – onde aos sábados é celebrada missa aberta à comunidade –, refeitório, banheiros no andar térreo, que são usados para as pessoas que não quiserem ir até o seu quarto. Possui também uma área ajardinada, com caminhos planos, um viveiro com pássaros e uma fonte de água.

No local onde o asilo foi construído existia uma chácara e uma Casa de Oração das Irmãs de Santa Catarina, que foi reformada e onde hoje são realizados encontros religiosos e que serve como moradia para sete religiosas. Os residentes podem circular livremente por uma área muito grande de jardim e horta que compõem a Casa de Oração e o próprio Lar.

Eles estão acomodados em duplas em 37 apartamentos (quarto e banheiro) amplos, situados em dois pavimentos, térreo e superior, interligados por escadas, rampas e elevador. Na porta de cada acomodação é colocada a fotografia do ocupante do quarto para facilitar a sua localização.

O Lar Madre Regina presta atendimento aos seus residentes, compreendendo:

·         Seis refeições ao dia (café, colação, almoço, lanche, jantar e ceia);

·         Fornecimento de roupa de cama e banho;

·         Fornecimento de materiais e medicamentos;

·         Assistência Espiritual e Religiosa, contando com a presença constante das Irmãs pertencentes à Congregação de Santa Catarina. Diariamente há uma atividade religiosa: reza do terço ou uma pequena celebração, orientada por uma das residentes;

·         Atendimento social aos residentes e familiares;

·         Assistência de enfermagem, que funciona em tempo integral durante as 24 horas do dia, estando os auxiliares preparados para os atendimentos de rotina;

·         Assistência médica: o médico (geriatra – 20h semanais) realiza visitas diárias no período matutino, fazendo não só atendimento aos casos clínicos que se encontram na área de recuperação e tratamento, como também prestando consultas àqueles que se encontram indispostos;

·         Atendimento nutricional, que está voltado para a preparação de alimentação artesanal apropriada ao idoso (baixos níveis de gordura, sal etc). Oferece também cardápios personalizados, de acordo com a patologia. A nutricionista também elabora alimentação enteral e seus suplementos;

·         Atendimento fisioterápico coletivo e ou individual, que atua basicamente nos campos preventivo e de reabilitação (neurológica, ortopédica e respiratória).

No tocante a recursos humanos, o Lar Madre Regina dispõe, além da equipe multidisciplinar composta por médico, nutricionista, enfermeira, fisioterapeuta e assistente social, de colaboradores que atuam na área de apoio (higiene e limpeza, lavanderia, nutrição e manutenção), capelania, pastoral da saúde e administração, tendo em seu total 56 funcionários que procuram atender aos idosos de maneira digna.

Conta ainda com trabalhos voluntários desenvolvidos pelos seguintes profissionais: cabeleireira, manicure, podóloga, dentista, massoterapeuta e quatro seminaristas que cantam e contam estórias para os residentes.

Incluo-me também nesta lista. Sou pedagoga. O trabalho que desenvolvo hoje na instituição passou por um processo de construção de atividades a serem realizadas com essa clientela. Acredito que é preciso ter um perfil para trabalhar com idosos (isso se aplica a todos profissionais que se dispõe a trabalhar em ILP): saber escutar, ter paciência, respeitar as diferenças, entender as dificuldades, ser ético. Tive também que formar vínculos com as pessoas e mostrar a elas que poderiam confiar em mim. Esta relação de confiança também foi criada com os colaboradores. Esse processo levou tempo: dois anos e meio!

Aos poucos, fui desenvolvendo um projeto de trabalho apoiado também na teoria por meio da participação em vários cursos e grupos na área do envelhecimento, visando um melhor preparo para o trabalho junto aos idosos.

Os objetivos do meu trabalho voluntário na instituição Lar Madre Regina são melhoria da qualidade de vida do residente institucionalizado através de atualização cultural, entretenimento, reflexões sobre o cotidiano, socialização e aprendizagem.

As atividades que realizo com os residentes são internas e externas à instituição.

Atividades internas: jogos (dominó, cartas), confecção e montagem de quebra-cabeças, dança sênior (atividade socializante que promove a auto-estima do idoso, estimula a coordenação motora, a capacidade cognitiva pela memorização dos passos e movimentos corporais e a alegria ao dançar), leitura de textos da literatura ou jornais diários, audição de músicas antigas.

Há cerca de um ano iniciei o projeto Memória dos residentes do LMR com entrevistas com quem se dispõe a narrar suas trajetórias de vida. Essas entrevistas estão sendo filmadas, fazem parte do arquivo da instituição e estão à disposição dos familiares. Este é um projeto em andamento.

Como atividades externas, programo e realizo passeios mensais com os residentes. Diz um deles, de 90 anos, ao sair para o passeio: "Que bom, a gente vai ter o que contar...".

Antes do primeiro passeio foi feita uma pesquisa de opinião sobre as preferências. Para minha surpresa, o lugar a ser visitado pouco importava. O importante era sair! Para a maioria das pessoas essa é a única oportunidade de sair, além das idas a consultas médicas. A instituição tem uma Van onde cabem cinco idosos, além do motorista e eu. Muitas vezes ponho meu carro à disposição para que outras pessoas também possam ir. Temos revisitado São Paulo: o centro, onde outrora todos circularam, Pinacoteca, Museu do Ipiranga, Horto Florestal, Museu do Imigrante, Museu de Arte Sacra, Parque do Ibirapuera, Teatro Municipal e tantos outros lugares.


Residentes em um passeio ao Horto Florestal (SP)

O dia do passeio é esperado, e percebo que vestem suas melhores roupas. Tudo chama a atenção deles na rua: os outdoors, os transeuntes, o cheiro dos lugares. Quando retornam, comem com mais apetite, alegres e falantes contam as novidades para os que ficaram, e agradecem muito a oportunidade de sair.

Como resultados dessa ação voluntária, aponto alguns aspectos que considero relevantes: os residentes descobrem que podem aprender e ocupar o tempo de uma forma mais prazerosa e útil; estabelecemos uma relação de mão dupla, em que aprendo com eles, e eles comigo. Tenho tido a oportunidade de ajudar o idoso institucionalizado a redescobrir novas possibilidades no seu cotidiano.

Aprendi a conviver com histórias tristes e alegres. A diversidade é muito grande. Pessoas que desde a infância trabalharam na roça, de segunda a segunda, sem folga para aproveitar um domingo sequer. Quando casavam, passavam a ajudar os maridos na mesma rotina e intensidade que trabalhavam com seus genitores. Alguns idosos não constituíram famílias, sobraram, são os últimos da sua geração. Outros tiveram até uma vida econômica mais tranqüila, mas foram mal sucedidos, perderam tudo que conseguiram acumular e não restou outra opção a não ser a institucionalização. Agradecem a oportunidade de terem conhecido o Lar. O que seria deles?

Conheço algumas instituições asilares e noto que o tempo, na maioria dessas instituições, é vazio, mal aproveitado. O espaço que ocupo neste asilo preenche uma pequena, mas significativa, parte do tempo do residente.  No Lar Madre Regina faltam ainda profissionais para completar o quadro: fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, provavelmente mais uma fisioterapeuta e um psicólogo. Os profissionais que lá trabalham muitas vezes estão sobrecarregados de atribuições, e muitos residentes reclamam da falta de tempo para alguns cuidados. 

Segundo Cortelletti:

O processo de internação numa instituição asilar representa muito mais do que simplesmente a mudança de um ambiente físico para outro. Representa para o idoso a necessidade de estabelecer relações com todos os aspectos de seu novo ambiente, ajustar-se ao novo lar, mais do que o lar a ele... (2004:19)

Diz ainda o mesmo autor:

A sua institucionalização o leva a substituir essas representações sociais por novas que se caracterizam pela exclusão do processo produtivo, pela perda familiar, pelo rompimento dos vínculos afetivos e pelo isolamento social. Essa nova condição o leva a assumir outros papéis sociais, definidos e determinados pela própria instituição e por seus representantes. (idem:14)

Os problemas das instituições asilares são muito complexos, considerando-se todas as variáveis envolvidas. Temos no espaço asilar de um lado os idosos e de outro a instituição. Aqueles com limitações físicas e mentais, muitas vezes esquecidos pelas suas famílias e obrigados a se adaptar às novas condições; esta com os problemas de gestão comuns a todas as organizações. Resolver os impasses surgidos nesse espaço é desafio para todos: diretores, colaboradores e os próprios idosos.

Neste espaço de relatos de experiências, deixo aberto o debate para a importante questão do asilamento em instituições de longa permanência, bem como o do papel desempenhado pelo voluntário.

_________________________

Rita Amaral - Pedagoga, Especialista em Gerontologia, Voluntária no Lar Madre Regina, Pesquisadora do GEM - Grupo de Estudos da Memória, do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE) da  PUC-SP.  E-mail: silveiramaral@uol.com.br


[1] Cortelletti, I; Casara, M; Herédia,V. (2004). Idoso Asilado - um estudo gerontológico. Caxias do Sul.Educs/Edipucrs.

[2] ONU apud Domeneghetti AM.-.Definição, tipificação e implementação do setor de voluntários in Voluntariado e a gestão de políticas sociais. Perez, C; Junqueira, L. art p.326/344-. São Paulo: Futura, 2002

 

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