Mais da
metade dos norte-americanos aprova a eutanásia
John
Schwartz
Tradução:
Danilo Fonseca
Em uma reunião
de família nos Dia das Mães do ano passado, Andrew James Turner
Jr. anunciou: "Esta é a minha última refeição". Turner, um
paciente de câncer de 73 anos de idade, morador de Charlotte, na
Carolina do Norte, que se submetia a um tratamento lhe trouxe
grande desconforto e nenhuma melhora, pesava 94,5 kg, contra os
58,5 kg atuais. "Ele não podia fazer mais nada que gostava",
conta a viúva, Pat Turner. Andrew disse à família que
providenciaria para que o seu tubo de alimentação fosse retirado
e que se recusaria a receber qualquer outro tratamento ou
alimentação. "Se vocês tiverem qualquer comentário quanto a
isso, e os ouvirei, mas esta é a minha decisão", afirmou ele.
Há cinco semanas ele morreu tranqüilamente em sua própria
cama.
Enquanto o Congresso se vê às voltas com o caso Terri
Schiavo e uma batalha de dimensões nacionais se desenrola para
determinar se a lei deveria permitir que os médicos ajudassem
pacientes com doenças terminais a darem um fim à vida, uma
revolução silenciosa está ocorrendo. Com ou sem tais leis,
muitos norte-americanos estão assumindo um papel ativo quanto as
suas próprias mortes, alguns com a ajuda de médicos e outros por
meio de ações individuais que tornam nebulosa a definição de
suicídio.
Não existem estatísticas precisas a respeito de quantos
norte-americanos fazem anualmente com que os seus médicos os
ajudem a morrer. E o apoio revelado pelas pesquisas de opinião a
essa prática varia conforme a pergunta é formulada. Mas as
pesquisas sugerem que mais da metade dos norte-americanos acha
que o suicídio assistido por médicos é moralmente aceitável. Em
uma pesquisa Gallup de 2004, 65% concordaram que os médicos
deveriam ter permissão para ajudarem o paciente no suicídio, nos
casos em que o indivíduo "tenha uma doença que não pode ser
curada e esteja vivendo em meio à dor". Em 1996 esse número era
de 52%.
Os especialistas dizem que o apoio ao suicídio assistido
deve aumentar, já que os "baby boomers" (membros da geração que
nasceu durante um período de alta taxa de natalidade nos EUA, de
1946 a
1964), há muito acostumados a tomar decisões que determinam o
rumo das suas vidas, exigem o direito de decidir também sobre
sua morte.
"Estamos falando de uma geração que deseja ter controle
sobre suas vidas", explica Diane Méier, professora de ética
médica da Escola de Medicina Mount Sinai
em Nova York e
diretora do centro de tratamentos paliativos avançados da
instituição.
Muita gente continua a se opor ao suicídio assistido por um
médico, muitas vezes devido a razões morais ou religiosas. A
pesquisa Gallup de 2004 revelou que 41% dos entrevistados
consideravam a prática "moralmente incorreta", e a lei do
suicídio assistido do Oregon, o único Estado que permite essa
prática, está sendo contestada pelo governo Bush junto à Corte
Suprema. Mas até os oponentes reconhecem que a aceitação do
suicídio assistido está aumentando.
"A população está certamente mais aberta do que no passado
quanto a essa questão", afirma o rabino Leonard Sharzer, médico
e especialista em bioética do Seminário Teológico Judeu
em Nova York, que se opõe ao suicídio por motivos religiosos. A cobertura
jornalística do suicídio assistido e da eutanásia, como nos
casos do doutor Jack Kevorkian, de Schiavo e da polêmica quanto
à lei do Oregon, deixou os pacientes se sentindo mais
confortáveis para falarem sobre a morte, diz ele.
Um caso como o de Schiavo, uma mulher da Flórida que teve
uma lesão cerebral crítica, e que está no centro de uma batalha
nacional em torno da questão da eutanásia, obriga a população a
pensar sobre os seus próprios desejos no final da vida, afirma
Sharzer, acrescentando: "Creio que quando as pessoas falam com
suas famílias, estando ou não doentes, elas instruem os parentes
sobre como procederem caso passem por tal situação".
Até mesmo no Oregon, onde a mais ampla gama de opções está
disponível, pouquíssima gente escolhe apressar a morte se
suicidando com o auxílio de determinadas substâncias. No Oregon,
208 pacientes em estágio terminal de doença tomaram tais drogas
durante os sete anos em que a lei está
em vigor.
Desses, 37 o fizeram no ano passado, e 43 em 2003.
Fora do Oregon, os estudos sugerem que um em cada 100 pacientes
em estágio terminal nos Estados Unidos pede aquilo que os
ativistas chamam de "uma boa morte", ou pensam seriamente em
fazer tal pedido. O interesse em grupos ativistas como o
Compassion in Dying ("Compaixão em Morrer"), uma organização que
oferece aconselhamento e defende o controle do paciente sobre a
maneira de morrer, também aumentou.
Em 2003, o grupo respondeu a mais de 4.000 solicitações em
todo o país, contra 2.258 em 2001. Ele forneceu aconselhamento
integral em 490 casos em 2003, contra 350 em 2001. (No ano
passado, o Compassion Dying se fundiu à End of Life Choices, a
antiga Hemlock Society, criando aquela que atualmente é
conhecida como Compassion and Choices).
Oponentes dizem que o risco do suicídio assistido por
médicos para o pacientes e a sociedade é grande. Um dos mais
proeminentes desses opositores, Kenneth Stevens, diretor do
departamento de oncologia radiológica da Universidade de Ciência
e Saúde do Oregon, em Portland, diz que muitos pacientes que
inicialmente desejaram o suicídio mudariam de idéia se contassem
com aconselhamento. Segundo ele, a grande aceitação do suicídio
assistido por médicos faria com que considerações de ordem
financeira guiassem o sistema de saúde rumo à eutanásia
compulsória. "Afirmamos querer isso devido à questão da
escolha", afirma. "A minha preocupação é que, no futuro, essa se
torne a única opção".
Mas para muitos norte-americanos, a política e o calor do
debate são irrelevantes. Eles estão garantindo que conseguirão a
morte que desejam, seja acumulando furtivamente doses letais de
medicação para um possível uso posterior, seja pela procura de
médicos que eles sabem que os ajudarão a por um fim às suas
vidas, ou, como Andrew Turner, se recusando a receber tratamento
para adiar a morte.
A renúncia à terapia é algo cada vez mais comum e
aceitável, diz Ezekiel Emanuel, diretor do departamento de
bioética clínica do centro Clínico Warren Magnuson, que faz
parte do Instituto Nacional de Saúde. "Nos últimos dez ou 15
anos isso deixou de ser uma questão polêmica para se tornar a
norma", diz Emanuel.
Deborah Volker, professora de enfermagem da Universidade do
Texas, diz que às vezes uma "conversa clandestina" ocorre entre
médico e paciente, resultando em um acordo não verbalizado: "Nós
lhe daremos tudo o que for necessário para aliviar o sofrimento.
Se isso vai fazer ou não com que se apresse a morte do paciente
é algo sobre o qual, como regra, não falamos". Na prática, diz
ela, isso significa que um médico diz a uma enfermeira: "Aplique
morfina, vá em frente e seja generosa. Você entende o que quero
dizer".
Carole van Aelstyn, uma enfermeira que trabalha para a
comissão do Compassion in Dying do norte da Califórnia, disse
que os médicos muitas vezes facilitam a morte por meio daquilo
que é conhecido como "sedação terminal". "Assim que o paciente
começa a 'morrer ativamente', entrando naquela curva acentuada
da extremidade final da vida, os médicos ministram-lhe sedativos
para induzirem o sono", afirma.
Caso contrário, diz Aelstyn, alguns pacientes são vitimados
por surtos de terror. Ela se recorda de um paciente que parecia
completamente debilitado pela doença, mas que nos seus últimos
dias achou que a casa pegava fogo, saiu da cama e caiu. Ele era
muito grande para ser levantado e estava demasiadamente tomado
pelo pânico para ser controlado. Aelstyn acabou precisando
chamar os bombeiros para ajudá-lo a retornar à cama. "Seria
muito mais humano sedar uma pessoa dessas e deixá-la dormir até
morrer", opina.
Em outros casos, pacientes em estado terminal dizem querer
optar pelo suicídio, independente de os médicos desejarem ou
serem capazes de ajudá-los. Norma, uma paciente de 85 anos com
câncer no pulmão, do Estado de Washington, e que deu entrevista
com a condição que o seu sobrenome não fosse identificado, disse
estar se recusando a ser tratada.
Ela disse que em 1987 sobreviveu a um câncer do reto, e que
lutou contra a doença por causa do marido. Este morreu em 1991.
"Nunca mais farei isso novamente por ninguém", afirma ela,
referindo-se à sua primeira luta contra o câncer. Ela diz ter
feito um acordo tácito com o médico. "Ele me disse o tempo todo
que não vai me deixa sentir dor", afirma Norma.
Helen Deeley, que aos 62 anos está enfrentando o seu
terceiro episódio de linfoma não-Hodgkin desde 1984, disse estar
procurando um médico que lhe proporcione o meio que ela escolher
para por um fim à vida. "Preciso de alguém que não censure a
minha escolha e que me ajude a implementá-la", afirma.
O estágio final da sua doença pode resultar em inchações
grotescas. "Eu não quero passar por isso", diz ela. Deeley não
tem pressa para morrer. "Tenho ainda muita energia para lutar e
muitos bons momentos pela frente", afirma ela, que também é
enfermeira. Deeley sequer está tentando armazenar um estoque de
sedativos porque o seu câncer voltou a regredir. "O remédio
poderia perder a validade".
Van Aelstyn, do Compassion in Dying, diz que a prática de
apressar a morte é tão generalizada que muitos médicos
desaprovam quaisquer esforços no sentido de legalizar o suicídio
assistido por profissionais, já que isso atrairia as atenções
para um procedimento que já é comum, apesar de discreto. "Vocês
realmente complicaram a situação", ela se recorda de ter ouvido
um médico dizer. "Estávamos indo bem, fazendo a coisa em
sigilo".
Mas os defensores de tais leis alegam que os Estados
precisam pavimentar o caminho para que haja uma maior aceitação
da prática. "É insano que isso aconteça clandestinamente dessa
forma", afirma Howard Grossman, especialista em Aids e
diretor-executivo da Academia Norte-Americana de Medicina do HIV
em Washington. "O procedimento precisa ocorrer à luz do dia de
forma que as pessoas tomem uma decisão racional, e não movidas
pelo medo, ou baseadas na dor ou no medo de se tornarem um peso
para os outros".
A
eutanásia na Europa
HOLANDA: Em abril de 2002, tornou-se o primeiro país a
legalizar a eutanásia. A lei exime o médico de processo se ele
respeitar certos critérios. Em 2003, foram registrados 1.815
casos.
BÉLGICA: Aprovou a eutanásia em setembro de 2002.
Segundo a lei, o médico não estará cometendo infração se o
paciente for “capaz e consciente no momento do pedido”, tiver
“sofrimento físico ou psíquico constante e insuportável”, por
“acidente ou patologia incurável” e estiver “em situação
médica sem saída”.
FRANÇA: Em novembro, o Parlamento aprovou uma lei que
define o direito de “deixar morrer” doentes incuráveis
(eutanásia passiva). Eles poderiam decidir “limitar ou
suspender” o tratamento.
SUÍÇA: Um médico pode dar uma dose mortal de
medicamento a um paciente terminal. Mas o próprio doente deve
tomar o remédio (eutanásia passiva).
NORUEGA: Permite a eutanásia passiva a pedido de um
paciente agonizante ou de seus familiares, se este não puder
se comunicar.
DINAMARCA: Admite que, em caso de doença incurável ou
acidente grave, o doente pode fazer um “testamento médico” que
os médicos devem respeitar.
ALEMANHA, ÁUSTRIA E ESPANHA: Admitem a eutanásia
passiva se o paciente expressar desejo de morrer.
Fonte: http://oglobo.com/jornal/mundo
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Fonte:
The New York Times,
21/03/2005, reproduzido em
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2005/03/21/ult574u5227.jhtm
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