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Dossiê
Células-tronco
 

Fala-se, hoje, que o aumento mundial da população idosa é conseqüência da diminuição das taxas de natalidade/mortalidade, avanços da medicina e melhoria das condições de vida. Daqui a alguns anos, não muitos, se falará apenas que a mudança do perfil demográfico é conseqüência das células-tronco que, segundo Drauzio Varella, “vão representar o que os antibióticos representaram no
 século passado”. 

Mas o que vem a ser as células-tronco? Por que foram tão exploradas pela mídia no mês passado? O que elas representam para a qualidade de vida? Quais são suas promessas? 

Para poder responder a estas e outras tantas questões a equipe do Portal do Envelhecimento preparou este dossiê com o objetivo de informar seus usuários sobre a temática. Selecionamos alguns artigos que saíram na mídia e os reproduzimos a seguir. Artigos que “traduzem” o linguajar e os jargões científicos para uma linguagem acessível e interessante ao grande público. Afinal, trata-se de um tema que mais cedo ou mais tarde afetará a todos nós e, por isso, acreditamos que todo cidadão deve estar informado para poder opinar sobre os rumos da humanidade. Que civilização queremos? A Ciência está a serviço de quem? Segundo Stephen Jay Gould, durante seu discurso de posse na presidência da AAAS (American Association for the Advancement of Science), em janeiro de 1999: “a ciência precisa ser compreendida por todos, não somente por razões de bem estar público, mas por ser, também, tão excitante e inspiradora”. Assim como ele, acreditamos que a melhoria da opinião pública sobre a possibilidade de regenerar o tecido humano terá um efeito positivo na própria forma da ciência como instituição neste nosso novo milênio. Leiam com atenção, informem-se e tenham também sua opinião a respeito das células-tronco. 

Células-tronco liberadas

Nos laboratórios brasileiros, existem estudos experimentais em andamento em São Paulo, Minas Gerais, no Rio de Janeiro e na Bahia (foto:Agência Brasil)

Por Carlos Fioravanti

A partir de agora, os cientistas brasileiros podem trabalhar com um pouco mais de tranqüilidade e liberdade em dois temas que geravam polêmica há meses. Em clima de euforia, a Câmara dos Deputados aprovou ontem a Lei de Biossegurança, que permite a pesquisa científica de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos e libera a produção e a comercialização de alimentos transgênicos.

Assistida do plenário por dezenas de pessoas em cadeiras de rodas – portadores de doenças degenerativas, um dos grupos de maiores interessados na aprovação da pesquisa com células-tronco –, a votação do texto terminou com 352 votos favoráveis, 60 contrários e 1 abstenção. O novo texto, que resolve temas polêmicos, debatidos há meses, só entra em vigor após a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No mundo todo, as células-tronco são vistas com otimismo, em vista de sua capacidade de poder formar diferentes células – nervosas ou musculares, entre outras. Diante dessa capacidade de substituir tecidos doentes, podem se constituir em uma alternativa promissora para o tratamento de doenças como diabetes, Parkinson ou Alzheimer.

Nos laboratórios brasileiros, existem estudos experimentais em andamento em São Paulo, Minas Gerais, no Rio de Janeiro e na Bahia, que ainda precisam cumprir muitas etapas antes que as novas terapias possam ser aplicadas em seres humanos. O ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, acredita que em alguns anos essas pesquisas poderão beneficiar cerca de 5 milhões de pessoas no país.

A mesma lei aprovada pela Câmara aprova a produção e a comercialização de soja transgênica, além de aumentar o poder da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que se torna o único órgão do governo responsável por aprovar a pesquisa com organismos geneticamente modificados. Caberá ao Conselho Nacional de Biossegurança, que será formado por nove ministérios, a autorização para a comercialização de transgênicos no Brasil.

Células progenitoras

As células-tronco são células progenitoras que mantêm a capacidade de diferenciar os inúmeros tecidos do corpo humano, explica Mayana Zatz. Podem ser obtidas pela técnica de transferência de núcleo ou clonagem terapêutica - como acaba de ser anunciado pelo grupo de cientistas coreanos - de cordão umbilical ou de embriões.Por meio da clonagem terapêutica ou transferência de núcleo, detalha Mayana, é possível transferir o núcleo de uma célula de uma pessoa - da pele, por exemplo - para um óvulo sem núcleo, esse novo óvulo, em tese, se tornaria capaz de produzir qualquer tecido daquela pessoa em laboratório, sem risco de rejeição. A clonagem terapêutica permitiria, por exemplo, reconstituir a medula de um paraplégico ou substituir o tecido cardíaco de quem sofreu um infarto.Essa técnica, no entanto, não poderia ser utilizada em portadores de doenças genéticas, já que todas as células teriam o mesmo defeito. Daí a importância das pesquisas com células-tronco.

Existem células-tronco em vários tecidos de crianças e adultos, mas em pequena quantidade. "Não sabemos ainda em que tecidos elas são capazes de se diferenciar", observa Mayana. O sangue do cordão umbilical também é rico em células-tronco, mas os cientistas tampouco sabem qual o potencial de diferenciação destas células em distintos tecidos. "Se as pesquisas mostrarem que células-tronco de cordão umbilical serão capazes de regenerar tecidos ou órgãos, esta será, sem dúvida, a mais importante fonte para a sua obtenção", diz Mayana. Neste caso, seria necessário observar a compatibilidade entre doador e receptor e criar um banco público de cordão umbilical. Se estas pesquisas não derem o resultado esperado, a alternativa será o uso de células-tronco embrionárias que, de acordo com Mayana, são certamente pluripotentes, ou seja, têm capacidade de diferenciar-se em qualquer um dos tecidos humanos. Podem ser obtidas por meio de transferência de núcleo - como demonstraram os coreanos -ou a partir de embriões de má qualidade, que não teriam potencial para gerar um vida.
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Fonte: revistapesquisafapesp.br, 04/03/2005
http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=3372

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Vitória da razão 

O Brasil dá mais um passo para constituir-se na República moderna,
aberta, pluralista e laica que deve ser

Representa um avanço para o país a liberação de pesquisas médicas com células-tronco. Por 366 votos a favor, 59 contra e 3 abstenções, a Câmara dos Deputados decidiu que embriões humanos que constituam sobra de tratamentos para fertilidade poderão ser empregados em estudos científicos. O dispositivo, parte da nova Lei de Biossegurança, significa uma derrota histórica do lobby religioso, que se mobilizou para tentar impedir a aprovação.

Células-tronco embrionárias despontam como a grande esperança da medicina do século 21. Ao contrário de células adultas, elas conservam a capacidade de converter-se em qualquer tipo de tecido, de nervos a ossos. Especula-se que sejam a chave para o tratamento de várias doenças degenerativas como mal de Parkinson, diabetes e até alguns tipos de câncer. Mais do que isso, imagina-se que com as células-tronco será possível reparar órgãos danificados e até criar ‘peças’ sobressalentes para transplantes.

É claro que tudo isso ainda são hipóteses, que poderão ou não se concretizar. Mesmo que o façam, é importante frisar que ainda estamos a muitos anos de tratamentos não-experimentais efetivos.

É fundamental, contudo, dar início o quanto antes às pesquisas. Sem elas, as visões promissoras relativas às células-tronco jamais se materializarão. O Brasil não poderia ficar para trás nesse tipo de investigação, que tende a se tornar cada vez mais importante em Universidades de ponta da Europa e da Ásia.

Os religiosos se opõem a esse tipo de pesquisa porque ela implica (pelo menos por ora) a destruição dos embriões. Para instituições como a Igreja Católica, a vida é sagrada desde a concepção.

Trata-se de uma visão de mundo absolutamente respeitável, mas que se baseia num dogma não-partilhado por outras crenças ou pelo conjunto da sociedade. Não seria razoável que toda a população se visse privada dos potenciais benefícios das células-tronco apenas para não violentar a consciência de alguns. No mais, a nova lei apenas autorizou a pesquisa com embriões excedentes de tratamentos de fertilidade, que acabariam sendo destruídos de qualquer maneira ou mantidos congelados ‘in aeternum’.

A rigor, o dispositivo aprovado pelo Congresso ainda é um tanto conservador, ao proibir a chamada clonagem terapêutica, isto é, a criação de embriões geneticamente idênticos ao paciente para servir-lhe de banco de células. A utilização dessa técnica, que poderá revelar-se importante no futuro, eliminaria por completo o problema da rejeição, que ainda impõe dificuldades em alguns tipos de transplante. Apesar desse detalhe, o saldo da novela que foi a aprovação da Lei de Biossegurança é positivo.

O Congresso mostrou um sábio pragmatismo ao liberar o cultivo de organismos transgênicos após avaliação técnica de segurança e ao permitir a pesquisa com embriões humanos já fadados à destruição. Com isso, o Brasil dá mais um passo para constituir-se na República moderna, aberta, pluralista e laica que deve ser. 

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Fonte: Folha de S.Paulo, 4/3/05, reproduzida em JC e-mail 2719, de 04 de Março de 2005

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Presente e futuro das células-tronco 

Especialistas esclarecem 12 questões sobre o que já se sabe e o que ainda é experimental nesta área. Fontes: Lygia da Veiga Pereira, geneticista do Instituto de Biologia da Universidade de SP (USP); Patricia Helena Lucas Pranke, professora da UFRGS e da PUC/RS e presidente do Instituto de Pesquisa com Célula-tronco; e Rosalia Mendez-Otero, pesquisadora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ.

Cristina Amorim

A aprovação da nova Lei da Biossegurança no Congresso jogou os holofotes sobre um tema pouco conhecido da maioria das pessoas, ainda que elas sejam grandes beneficiadas das pesquisas com células-tronco. O apoio dado por personalidades internacionais, como os atores americanos Michael J. Fox, que sofre do mal de Parkinson, e Christopher Reeve, que morreu no ano passado vítima de complicações decorrentes de uma paralisia do pescoço para baixo, ajudam a colocar o tema em evidência.

As células-tronco são atualmente uma das principais vedetes da pesquisa científica no mundo, com a promessa de entregar terapias para doenças hoje incuráveis. Confira algumas respostas dadas por especialistas a dúvidas usuais sobre o assunto:

O que são células-tronco?

São células pouco diferenciadas, com grande capacidade de transformação celular. São encontradas em embriões, cordão umbilical e tecidos adultos, como o sangue, a medula óssea e o fígado, por exemplo.

Se as células-tronco podem ser retiradas de tecidos adultos, por que os cientistas querem trabalhar com as embrionárias?

Porque somente essas são pluripotentes ou totipontentes, ou seja, têm a capacidade virtual de produzir todos os 216 tecidos do corpo. As células retiradas de um tecido adulto podem produzir apenas um tipo: por exemplo, as chamadas hemotopoiéticas, obtidas na medula óssea, formam todas as células que formam o sangue, como linfócitos e glóbulos vermelhos.
Pesquisas recentes sugerem que células-tronco adultas talvez apresentem uma capacidade similar às embrionárias, quando trabalhadas sob certas condições, mas os resultados são ainda incipientes.

O que a lei aprovada na Câmara permite e coíbe?

A lei permitirá o uso de células-tronco de embriões congelados nas clínicas de fertilização assistida que são excedentes, pois não serão colocados em útero, ou enviáveis, que não teriam a capacidade de se desenvolver em um feto. Os embriões precisam estar congelados há mais de três anos e só podem ser usados após o consentimento dos pais mediante doação. Não serão permitidos o comércio dos embriões, nem sua produção e manipulação genética. Estão vetadas as clonagens terapêutica, para aplicação na pesquisa, e reprodutiva, que visa a produção de pessoas.

Destruir um embrião equivale a matar uma pessoa?

A chance de um blastocisto se transformar em bebê normal é de 30% - os outros 70% se perdem naturalmente. Quando ele é criado por técnicas de reprodução assistida, a possibilidade cai para menos de 1%. Não há nenhuma definição científica formal para quando começa a vida. Alguns cientistas defendem o mesmo critério para a morte, quando a atividade cerebral cessa, para definir a partir de quando um embrião deve ser visto como mais do que um punhado de células. Um blastocisto não apresenta qualquer atividade cerebral, motivo pelo qual os países que permitem as pesquisas com células-tronco embrionárias estabeleceram um limite de idade de até 14 dias, pois até essa etapa não há resquício de sistema nervoso no embrião. Por outro lado, a percepção de quando começa a vida varia de acordo com a que a pessoa possui. Para alguns, ela se inicia no momento da fecundação; para outros, quando o embrião é implantado no útero ou quando o feto pode ter uma vida independente da mãe.

Qual é o tamanho do embrião quando as células são extraídas para pesquisa?

Microscópico. Assim que o óvulo é fertilizado pelo espermatozóide, ele começa a se dividir. Em cinco dias, cerca de cem células estão formadas e o embrião é chamado de blastocisto. Ele é formado por uma camada fina de células - que formarão a placenta - e um aglomerado de células-tronco em seu interior - que formarão a pessoa. Deste bolo de células, é retirado o chamado ‘botão embrionário’, o que destrói o embrião. Ele é cultivado em laboratório para se manter de forma não-diferenciada, ou seja, não formar nenhum tipo de tecido, como um neurônio ou uma célula de epiderme, formando linhagens que rendem material para diversos anos de trabalho no laboratório.

Quantos embriões congelados existem estocados no país? Como e a partir de quando eles poderão ser utilizados para pesquisas?

Estima-se que existam cerca de 30 mil embriões congelados nas clínicas de fertilização assistida no Brasil. Até a Lei da Biossegurança aprovada pela Câmara anteontem, o material não poderia ser descartado. É errada a idéia de que cada pesquisa exigirá um ou mais embriões. Os pesquisadores usam linhagens de células-tronco embrionárias, que podem se manter indefinidamente se tratadas de forma correta. Na verdade, ninguém sabe quanto tempo uma linhagem pode durar. A primeira, de células-tronco embrionárias de camundongo, foi criada em 1989 e ainda existem pesquisadores que a utilizam. A primeira linhagem de células-tronco embrionárias humanas foi criada é de 1998 e também gera material para pesquisa até hoje.

Pesquisadores podem adquirir as células-tronco diretamente nas clínicas de fertilização assistida?

Sim, mas não antes sem autorização de uma comissão especial. Qualquer projeto científico que envolve a manipulação de material humano precisa da autorização de um concelho de ética do instituto onde o cientista trabalha. Após dar esse passo, ele poderá contatar as clínicas. Nenhum embrião poderá ser usado sem a permissão dos pais biológicos. O prazo de três anos foi estabelecido no texto da lei para que os casais tenham tempo para decidir se querem ou não implantar o embrião no útero.

Quais doenças que, já se sabe, podem ser curadas ou mitigadas pelo uso de células-tronco?

Hoje, nenhuma, seja com as embrionárias, seja com as adultas. Todas as pesquisas realizadas até o presente momento estão em fase inicial e, apesar de alguns resultados preliminares serem promissores, não há nenhum tratamento aprovado para utilização nos hospitais. Dito isso, há algumas áreas que os cientistas têm mais esperança de aplicação das células, como o mal de Parkinson, diabetes, lesões na medula, alguns tipos de câncer e doenças no coração. Em modelos animais, elas restituíram a medula óssea, aliviaram sintomas de Parkinson, recuperaram pelo menos parcialmente a visão de ratos e o movimento das patas. As pesquisas mais avançadas são feitas com a variação adulta, cuja utilização é menos polêmica. Com as células-tronco embrionárias, há alguns problemas de segurança que ainda dependem de solução. O fato de elas terem a capacidade de se transformar em qualquer tecido tem dois lados. As possibilidades terapêuticas são extensas, mas os cientistas têm alguns problemas em produzir justamente o tecido desejado. Se elas não são direcionadas antes da aplicação no corpo, formam um tumor, como foi observado em camundongos. Outro problema é a compatibilidade, já que são células estranhas ao corpo.

Em que estágio está o Brasil na pesquisa com células-tronco?

O Brasil possui alguns estudos bastante adiantados com a variação adulta. Um exemplo é um projeto multicêntrico para tratar insuficiência cardíaca, que recebe investimento do governo federal e pode chegar ao Sistema Único de Saúde nos próximos anos. Há outras linhas de pesquisa em diferentes estágios especialmente em SP, RJ, Salvador e Porto Alegre. Nações como a Grã-Bretanha e os EUA investem em linhas do tipo há mais tempo (leia texto na página A18). Contudo, os institutos de ciência brasileiros têm demonstrado capacidade técnica para produzir bons resultados.

Qual é a diferença entre o uso terapêutico de células-tronco e a clonagem?

As células-tronco retiradas de um embrião produzido naturalmente ou por fertilização assistida podem apresentar incompatibilidade com o paciente, pois podem ser interpretadas como um organismo invasor e ser atacado pelo sistema imunológico. Quando um embrião é fruto da clonagem, utiliza-se o código genético do próprio paciente para produzir um blastocisto com suas características (veja quadro acima). Dessa forma, não haveria rejeição às células-tronco. Essa é a chamada clonagem terapêutica, que é permitida em alguns países, como a Coréia do Sul e a Inglaterra. Se um embrião clonado é implantado em um útero, é a clonagem reprodutiva.

Alguém já clonou embriões humanos?

Há apenas um caso documentado e aceito pela comunidade científica internacional. No ano passado, cientistas sul-coreanos utilizaram 242 óvulos humanos para gerar 20 embriões e usados para a extração de células-tronco. Eles conseguiram produzir apenas uma linhagem.

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Fonte: O Estado de S.Paulo, 4/3/05, reproduzida em JC e-mail 2719, de 04 de Março de 2005.

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Aprovação da Lei de Biossegurança
é elogiada por pesquisadores
 

A geneticista Lygia da Veiga Pereira, professora do Instituto de Biociências da USP, considerou uma grande vitória a autorização para o uso de embriões em pesquisas contra doenças

Adauri Antunes Barbosa e Carolina Brígido

A aprovação da Lei de Biossegurança na Câmara dos Deputados foi elogiada por pesquisadores e cientistas, mas condenada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e por ambientalistas. A geneticista Lygia da Veiga Pereira, professora do Instituto de Biociências da USP, considerou uma grande vitória a autorização para o uso de embriões em pesquisas contra doenças.

— É uma grande vitória para a pesquisa no Brasil. Vai permitir que o Brasil possa desenvolver sua competência em pesquisas com células-tronco, agora também embrionárias. Foi dado um passo enorme para o avanço da ciência — disse ela.

Mesmo lembrando que é católico praticante, o infectologista David Uip, um dos pioneiros no tratamento da Aids no Brasil, considerou a aprovação da Lei de Biossegurança um enorme avanço para a pesquisa brasileira. Segundo ele, a religião não pode servir de empecilho para o avanço da ciência.

CNBB: a fome é mais importante

A Igreja Católica, porém, depois de tentar convencer os parlamentares a derrubar o projeto de biossegurança, criticou os parlamentares e o governo pela aprovação do projeto.
Para o assessor da CNBB para assuntos de bioética, frei Antônio Moser, as autoridades deveriam se preocupar mais com o combate à fome e à miséria do que com o incremento tecnológico na área de pesquisas.

Ao criticar o projeto aprovado anteontem, ele afirmou que foram ignorados aspectos mais importantes do que a condição física para se alcançar a felicidade:

— A minha felicidade e a sua não dependem apenas de termos cinco dedos na mão e cinco dedos no pé, mas das relações humanas e sociais. Esse projeto se esqueceu disso, que é o principal.

Para o representante da CNBB, os deputados aprovaram o projeto por pressão da mídia e de pacientes que visitaram o Congresso durante a semana passada. Entre os ambientalistas, a aprovação do projeto também foi motivo de revolta, mas por outro motivo: a autorização para comercialização de produtos transgênicos.

A Campanha Brasil Livre de Transgênicos, fórum permanente de organizações não-governamentais ambientalistas, divulgou nota de repúdio ao projeto. ‘A impossibilidade da coexistência entre cultivos transgênicos e não-transgênicos pode inviabilizar formas mais sustentáveis e eficientes de agricultura e certamente engrossará a lista de ações judiciais movidas por agricultores que tiveram suas lavouras contaminadas por transgênicos’, previu o documento.

O WWF (World Wide Found for Nature) também ficou insatisfeito com o resultado.
’É um assunto que demanda muito cuidado e precaução. Ninguém no mundo conhece os riscos dos transgênicos a longo prazo no organismo humano ou no meio ambiente’, disse uma das diretoras da ONG, Rosa Lemos de Sá.

Ontem, o coordenador de Biossegurança do Ministério da Agricultura, Marcos Vinícius Coelho, informou que, após a sanção presidencial, a Lei de Biossegurança precisará de um decreto para regulamentar alguns artigos, como o que determina o funcionamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). O órgão será responsável por autorizar ou não pesquisa, comércio e plantio de organismos geneticamente modificados.

Coelho explicou que os produtores que assinaram o termo com regras para plantio e comercialização de soja transgênica para esta safra deverão cumprir o acordo. A manipulação de soja transgênica só será totalmente liberada a partir da safra do ano que vem. Antes do projeto ser aprovado, uma medida provisória já havia autorizado o plantio e comércio do produto.
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Fonte: O Globo, 4/3/05, reproduzida em JC e-mail 2719, de 04 de Março de 2005. 

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Um dia após aprovação, Governo libera
R$ 5 milhões para pesquisas
 

Cautelosos, cientistas alertam que ninguém será curado com a simples aprovação da medida e apontam um longo caminho

Herton Escobar e Lígia Formenti

O governo esperava só o sinal verde do Congresso para anunciar uma linha de financiamento público para pesquisas com células-tronco embrionárias. Em maio, um edital de R$ 5 milhões será lançado para custear estudos sobre o uso de células-tronco para tratamento de diversas doenças.

A lista de candidatos inclui desde doenças neurodegenerativas, como mal de Parkinson, até estudos para diabete, lesão da medula espinal e reconstituição de pele, osso e dentes. Os trabalhos serão financiados em partes iguais pelos Ministérios da C&T e da Saúde.

‘Já havíamos acertado uma linha de financiamento de pesquisa com células-tronco adultas e de cordão umbilical. Agora, com a decisão do Congresso, vamos incluir também as embrionárias’, disse o diretor do Depto. de C&T do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães.

Segundo ele, a escolha dos centros que receberão a verba levará em conta critérios regionais: 30% serão destinados para áreas menos desenvolvidas do país - Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com exceção do Distrito Federal. O dinheiro será usado para custear projetos de pesquisa básica e experimentos com animais.

Apesar da euforia em torno da expectativa de liberação das pesquisas – que só depende agora da sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva –, os cientistas deixam claro que o que está sendo autorizado não é a aplicação de novas terapias, mas a abertura de uma linha de estudo que poderá trazer benefícios médicos a longo prazo. Ou seja: ninguém vai ser curado de nenhuma doença por causa da publicação da lei, pelo menos por enquanto.

‘As células-tronco embrionárias têm uma longa caminhada pela frente’, diz o geneticista Carlos Moreira-Filho, diretor-superintendente do Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP) do Hospital Albert Einstein e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de SP (USP).

‘Mas o primeiro passo precisa ser dado, que é permitir as pesquisas com essas células. Sem isso, a caminhada nunca terá início.’ As estimativas para o desenvolvimento dos primeiros tratamentos vão desde 5 anos, para os mais otimistas, até 50 anos, para os mais pessimistas.

‘Não dá para prever quando eles serão realidade. Não é uma panacéia. Precisamos testar a segurança e a eficácia, primeiro em modelos animais, depois em humanos’, explica a pesquisadora Rosalia Mendez-Otero, da UFRJ.

Diferenciação celular

Mais do que uma aplicação terapêutica direta, Moreira-Filho acredita que a principal contribuição das células-tronco embrionárias será para o conhecimento dos mecanismos biológicos que direcionam a diferenciação celular. Em outras palavras, o que faz com que uma célula-tronco indiferenciada se transforme em uma célula da pele, do coração ou em um neurônio.

‘Poderemos entender com muito mais rapidez os processos que governam essa diferenciação’, diz. Esse conhecimento, por sua vez, poderá ser aplicado à manipulação de células-tronco adultas - talvez até dispensando, eventualmente, a necessidade de uso das embrionárias.

‘Ainda temos muito o que aprender sobre os mecanismos por trás da capacidade de diferenciação da célula-tronco’, reforça a geneticista Lygia da Veiga Pereira, da USP. ‘Quem sabe poderemos até ensinar uma célula qualquer a se diferenciar.’

As células-tronco podem ser pensadas como células ‘virgens’, capazes de se transformar nos mais variados tecidos do organismo. Além do embrião, elas podem ser encontradas no organismo adulto e no sangue de cordão umbilical. Mas as embrionárias são consideradas as mais versáteis, pois carregam o potencial para formar praticamente qualquer outro tipo de célula. É a partir delas que se forma todo o organismo humano. (Colaborou: Cristina Amorim)

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Fonte: O Estado de S.Paulo, 4/3/05, reproduzida em JC e-mail 2719, de 4/03/2005. 

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Clínica já faz censo de embrião congelado 

Cientistas podem ter superestimado estoque do Brasil; sociedade
de reprodução assistida pede contagem

Cláudia Collucci e Salvador Nogueira

Com o projeto da Lei de Biossegurança aprovado no Congresso, os pesquisadores estão ansiosos para colocar as mãos nos embriões que serão descartados pelas clínicas de reprodução. Mas ninguém sabe quantos existem, e a estimativa dada pelos cientistas de que haveria pelo menos 30 mil deles é tida como um exagero pelos especialistas. Para resolver a questão, a SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida) deve iniciar uma contagem.

A instituição já está consultando todos os associados para levantar quantos embriões estão armazenados nas clínicas, de acordo com a médica Maria do Carmo Borges, presidente da SBRA. Ela desconhece a origem do número -30 mil- que vem sendo citado por congressistas e pesquisadores nos últimos meses.

Há quem diga que se trata de exagero. ‘Acho que é um número superestimado, um chutômetro’, afirma o médico Roger Abdelmassih. E os cientistas admitem a imprecisão. ‘Eu fiz uma estimativa, mas ela pode estar errada. Sempre tive a preocupação de saber esse número’, diz Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano, da USP. ‘Mas se as clínicas estão dizendo que é menos, então deve ser menos.’

Para Lygia da Veiga Pereira, também da USP, mesmo que haja menos do que o estimado, os embriões devem dar e sobrar. ‘Se não forem 30 mil, se forem só 3.000, mesmo assim ainda temos material mais do que suficiente para as pesquisas de todos os grupos atualmente capazes de trabalhar nisso’, afirma. Ela descarta a possibilidade de que haja o risco de uma ‘corrida pelos embriões’ entre os pesquisadores.

Os embriões congelados em clínicas de reprodução só poderão ser utilizados em pesquisas se houver autorização dos casais, por escrito, para esse fim. Hoje, quando há sobra de embriões em uma FIV (fertilização in vitro), casais assinam um documento em que optam pela doação a outro casal infértil ou pela a manutenção do congelamento por prazo médio de cinco anos, pagando uma semestralidade em torno de R$ 400. Não há a opção de uso para pesquisa científica.

Ontem, centenas de pessoas ligaram, aflitas, aos centros de reprodução, temendo que seus embriões fossem utilizados sem o seu consentimento. Também houve registro de casos de famílias que telefonaram para autorizar o uso científico dos embriões. Segundo Abdelmassih, duas pacientes que já tiveram filhos por FIV manifestaram a vontade de doar seus embriões congelados.

‘Nenhum embrião poderá ser usado sem autorização do casal. Isso é impensável’, afirma Borges. A presidente da SBRA também não sabe como se dará o processo de transferência desses embriões aos centros de pesquisa. Tanto ela como Abdelmassih acreditam que, para que isso ocorra, será necessário conhecer bem a seriedade dos centros de pesquisa e o objetivo dos estudos. Para o ginecologista Ricardo Baruffi, do Centro de Reprodução Humana Sinhá Junqueira, de Riberião Preto (SP), está havendo também uma confusão na interpretação do projeto de lei sobre os embriões potencialmente candidatos às pesquisas. ‘As pessoas estão entendendo que, após três anos, os embriões se tornam inviáveis. Isso não é verdade. Há registro de gravidez com até nove anos de congelamento’, conta.

O texto do projeto é claro: podem ser utilizados embriões inviáveis ou que já estejam há mais de três anos congelados. Na clínica Sinhá Junqueira, por exemplo, há cerca de 5.000 embriões congelados -3.000 com mais de três anos. Outro dado que os pesquisadores deverão levar em conta, de acordo com Baruffi, é que a maioria dos embriões congelados tem entre dois ou quatro dias, não são blastocistos – embriões com cinco a seis dias de vida e cerca de cem células-, condição para as pesquisas com células-tronco. É possível tentar atingir esse estágio após o descongelamento, mas há uma perda: cerca de 40% dos embriões não sobrevivem ao processo, segundo os médicos.

Oposição

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), contrária à pesquisa com células-tronco embrionárias, manteve ontem sua posição e informou entender que o assunto deveria ter sido mais debatido na sociedade antes da aprovação da lei no Congresso.

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Fonte: Folha de S.Paulo, 4/3/05, reproduzida em JC e-mail 2719, de 04 de Março de 2005. 

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Cientistas da Uenf comemoram liberação de
pesquisas com células-tronco
 

Seguindo tendência de todo o Brasil, a porção da comunidade científica da
Uenf ligada a pesquisas na área de biotecnologia comemora a aprovação
 das pesquisas com células-tronco originárias de embriões humanos

‘Do ponto de vista dos benefícios, não há o que questionar’, aponta o pesquisador Gonçalo Apolinário de Souza Filho, coordenador do Núcleo de Análise Genômica da Uenf. A questão ética foi toda cercada, e a comunidade científica convenceu a Câmara dos Deputados de forma majoritária’, completa o professor Messias Gonzaga Pereira, chefe do Laboratório de Melhoramento Genético Vegetal da Universidade.

Células-tronco embrionárias têm a potencialidade de originar os diferentes tecidos e órgãos do corpo humano e são apontadas como a vertente mais promissora da medicina para a cura de doenças como diabetes, certos tipos de câncer e para a remediação de males causados por acidentes, como as lesões na medula que causam paralisia.

A liberação das pesquisas que têm em vista todos estes benefícios vinha sendo contida por restrições de ordem ética ligadas à manipulação e ao descarte de embriões humanos. Por 366 votos a favor e 59 contra, com três abstenções, a Câmara aprovou a permissão para experiências com células-tronco de embriões congelados há pelo menos três anos.

O professor Reginaldo Fontes, do Setor de Reprodução Animal do Laboratório de Melhoramento Genético Animal da Uenf, diz que como pesquisador considera a aprovação da lei um avanço considerável. ‘Ela abre um caminho muito grande para pesquisas básicas e aplicadas, que poderão levar a formas de terapia celular. Ainda teremos que esperar algum tempo até que essas novas tecnologias funcionem, mas já é um avanço muito grande’.

Ele observa que, até hoje, era incerto o destino dos embriões excedentes de tratamentos de fertilização in vitro. Agora, já é possível pensar na formação de um banco de embriões resultantes desses excedentes para pesquisas e terapias celulares.  Gonçalo Apolinário lembra que, segundo os cientistas mais ligados ao tema, existem hoje cerca de três mil embriões congelados no Brasil.

‘Todas as questões éticas já foram levadas a termo. As crianças que iriam nascer já nasceram, e estes embriões, que permaneceram congelados, um dia seriam descartados. Sendo assim, por que não utilizá-los para salvar vidas?’, diz o pesquisador. Ele acrescenta que o Brasil vem tendo grandes avanços nesta área e que o impasse em torno do uso das células-tronco embrionárias vinha atravancando as pesquisas. ‘Essa é a área mais quente da ciência hoje, e o Brasil agora finalmente vai poder deslanchar’.

‘Fiquei extremamente satisfeita, porque estava torcendo muito por isso’, afirma Marília Amorim Berbert de Molina, do Laboratório de Biotecnologia (LBT). ‘Diretamente na minha atividade não haverá impacto, mas como pesquisadora e cidadã vejo como um grande passo.’ Para Marília, essa discussão só se arrastou por três anos porque os brasileiros não estavam culturalmente preparados para esta decisão.

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Fonte: Assessoria de comunicação da Uenf, reproduzida em JC e-mail 2719, de 4/03/05

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Biossegurança 

Um primeiro equívoco é querer tratar de tema tão complexo de uma forma bipolar, simplista, quase maniqueísta, afinal, você é contra ou a favor?

Ricardo Stanziola Vieira *

Muito pode ser dito em matéria de biossegurança. Destacamos aqui as duas grandes polêmicas suscitadas pela nova Lei de Biossegurança: autorização para plantio de sementes geneticamente modificadas e pesquisa com células tronco embrionárias.

De fato, estas duas questões têm alimentado disputas entre as mais diversas ideologias e grupos econômicos. Acreditamos que está seja uma oportunidade para, independentemente de nossas tendências ideológicas, refletir um pouco mais a respeito do impacto que a biotecnologia vem tendo nas mais diversas dimensões de nossa vida cotidiana. A polêmica Lei de Biossegurança é a ponta de um grande iceberg.

Um primeiro equívoco é querer tratar de tema tão complexo de uma forma bipolar, simplista, quase maniqueísta, afinal, você é contra ou a favor?

Todos nos pressionam. Assim, pensando em termos dualistas: de um lado temos os defensores do Princípio da Precaução, Movimento Ambientalista, sobretudo, e da proteção da vida e dignidade humana do embrião, posição sustentada pela Igreja Católica; e de outro lado, os defensores do desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, onde se destaca a biotecnologia, pautados por uma confiança na lógica da ciência, bem como pelos resultados positivos que ela pode apresentar, maior rendimento agrícola, incremento de nossas exportações, novas terapias e tratamentos de doenças, etc.

A postura binária é sem dúvida tentadora, mas é preciso atenção.

Superada esta primeira etapa passamos a perceber que a polêmica da biotecnologia e conseqüentemente da bioética está diretamente relacionada com muitas outras questões também complexas: Quais são nossas prioridades?

O modelo de desenvolvimento, baseado nos aspectos científicos, econômicos e tecnológicos, tem sido interessante para a humanidade em seu conjunto?

Vamos ser para sempre um país exportador de matéria prima e de produtos agrícolas geralmente produzidos de forma social e ambientalmente muito prejudicial, como é o caso da expansão agrícola da soja pelo Cerrado e Amazônia?

Vamos continuar negligenciando os serviços de saneamento básico e saúde pública preventiva?

Parece que temos uma tendência a nos posicionar e gerar polêmicas em face das conseqüências, mas raramente temos profundidade, chance, ou seria mesmo interesse, para discutir as causas e origens de nossos problemas. Isso fica claro ao analisarmos as posturas de grande parte de nossos parlamentares, exercendo o poder em nome do povo.

De fato, o Brasil tem grande capacidade de pesquisa em biotecnologia, que não deve ser descartada e já mostrou isso ao mundo, realizando até mesmo a clonagem de mamíferos.Trata-se de fato louvável, mas quais as vantagens concretas para os milhões de brasileiros, sem acesso a ensino fundamental e serviços básicos? Será que a biotecnologia não vai acabar sendo oferecida como um serviço caro aos poucos que possam pagar por ela?

Será que não pode criar ainda mais diferenciação e exclusão social, sem falar em um novo tipo de preconceito, entre os ‘geneticamente aprimorados’ e os ‘não-geneticamente aprimorados’. Sem emitir qualquer juízo, estes seriam apenas alguns dos questionamentos, diga-se, fundamentais, que, talvez, por questões de ‘urgência’ os representantes do povo não fizeram. Tampouco os tem feito nosso sistema formador de opinião pública.

Em matéria de biotecnologia, não cabe simplesmente ser contra ou a favor. A biotecnologia historicamente faz parte de nossas vidas. Convivemos cotidianamente com ela em seus aspectos positivos e negativos-riscos. 

A novidade é que os impactos que a biotecnologia pode ter em nossas vidas, naquilo que possamos chamar de ‘condição humana’, é cada vez mais significativo e suas conseqüências ainda imprevisíveis. Ainda estamos a ‘olho nu’, do convés de um Titanic a vislumbrar a ponta de nosso problema. Mais do que decidir, é preciso refletir.

* Ricardo Stanziola Vieira, coordenador do curso de Pós-Graduação em Bioética, do Campus da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em São José.
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Fonte: JC e-mail 2719, de 04 de Março de 2005.

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Biossegurança: Dilemas e velharias 

Cabe destacar que as células-tronco não decorrem de fetos humanos, mas de umas poucas células fertilizadas, ou seja, não seriam embriões, mas tecidos, uma vez que somente teriam potencial se implantadas em um útero para se desenvolverem

Samantha Buglione*

A biossegurança é uma discussão recente, mas as polêmicas não. Este debate teve início na década de 70 na reunião de Asilomar na Califórnia, onde a comunidade científica iniciou a discussão sobre os impactos da engenharia genética na sociedade. Mas, foi na década de 90, através da inclusão de temas como ética em pesquisa, meio ambiente, animais e processos envolvendo tecnologia de DNA recombinante, que a compreensão sobre biossegurança teve mudanças significativas.

O que se pode afirmar é que a biossegurança é um conjunto de ações voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação de riscos inerentes às atividades de pesquisa, produção e desenvolvimento tecnológico.

No Brasil, o debate está mais direcionado para os processos envolvendo organismos geneticamente modificados, basta ver a Lei de Biossegurança aprovada nos últimos dias. Por tratar de ‘risco’ a biossegurança se assenta no tema da imprevisibilidade, além disso, envolve tanto os interesses sócio-econômicos mais particulares quanto convicções morais e religiosas; isso explica parte da complexidade do tema.

Ocorre que a (in)capacidade humana para prever as conseqüências das suas ações e do uso da tecnologia é o grande desafio para opinar sobre o sim ou o não de algumas práticas.

A questão de fundo não se reduz ao debate sobre os riscos das tecnologias como algo separado do seu uso no mundo real e na vida cotidiana, mas se dá, principalmente, sobre as conseqüências da manutenção de relações sócio-econômicas que excluem e que privilegiam em demasia e de hegemonias morais.

Explico melhor, como vai ser coordenado, por exemplo, o pagamento de royalties sobre as sementes geneticamente modificadas? Como se está pensando o risco e a prevenção da manutenção da pobreza?

O fato é que os transgênicos em si não são um problema, o problema é o quanto o uso de certas tecnologias pode reproduzir padrões antigos de práticas sociais.

Outro ponto crucial do debate é a pesquisa em células-tronco embrionárias. A polêmica aqui se concentra na velha questão sobre vida e vida humana; questão essa que somente encontra acolhida e certeza em convicções morais e religiosas e, sendo assim, não cabe a estas convicções gerenciar as práticas sociais.

Cabe destacar que as células-tronco não decorrem de fetos humanos, mas de umas poucas células fertilizadas, ou seja, não seriam embriões, mas tecidos, uma vez que somente teriam potencial se implantadas em um útero para se desenvolverem.

Se o critério da potencialidade passar a ser o parâmetro que irá gerenciar as práticas humanas deve-se começar a pensar sobre a potencialidade de caos que poderá ser gerado pelas bio-patentes, pelos royalties e pela impossibilidade de se tratar doenças como Alzheimer, Parkinson, esclerose lateral amiotrófica, entre outras.

A aprovação do artigo que permite as pesquisas está de parabéns, porém, a Lei e a biossegurança devem ser pensadas como um todo. Afinal, a lógica da potencialidade exige que se pense sobre que tipo de sociedade se quer, como as tecnologias serão utilizadas para isto e sobre o que se irá começar a abrir mão. 

* Samantha Buglione, doutoranda em ciências humanas na UFSC e professora de direito e do novo curso de Pós-Graduação em Bioética do Campus da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em São José.
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Fonte: JC e-mail 2719, de 04 de Março de 2005.

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Cientistas criticam mistura de temas:
trangenia e células-tronco
 

O projeto aprovado trata, ao mesmo tempo, de transgênicos e do uso de embriões humanos para pesquisas com célula-tronco, dois temas
polêmicos e complexos

Herton Escobar

As pesquisas com transgênicos e com células-tronco embrionárias são duas coisas completamente diferentes, apesar de estarem misturadas no mesmo projeto de lei. A transgenia envolve, principalmente, a manipulação do DNA de plantas para torná-las mais resistentes a pragas e herbicidas, enquanto as pesquisas com células-tronco envolvem o cultivo de células com o objetivo de curar doenças – sem qualquer tipo de manipulação genética.

Para que as células sejam obtidas, entretanto, é necessário destruir embriões humanos, o que contraria certos conceitos éticos e religiosos. A mistura tem origem na atual Lei de Biossegurança, de 1995. Além de vetar a manipulação genética de células germinais humanas (óvulos e esperma), ela proibia a ‘produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível’, o que impedia a obtenção de células-tronco embrionárias.

Quase todos concordam que os assuntos seriam mais bem tratados em legislações diferentes - inclusive cientistas e ambientalistas, que se digladiam sobre a questão dos transgênicos. ‘O uso de embriões humanos não é uma questão de biossegurança, é uma questão de ética’, afirma Ventura Barbeiro, da campanha de Engenharia Genética do Greenpeace.

Separar os assuntos agora, entretanto, teria sido muito complicado, segundo o advogado Reginaldo Minaré, especialista em biotecnologia e ex-assessor técnico da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). ‘Como a lei atual já fala de embriões, você precisaria de dois projetos que teriam de ser votados sempre juntos, ou que cada um revogasse uma metade da lei. Não seria impossível, mas difícil.’

Apesar de toda a polêmica, Minaré acredita que um debate não prejudicou o outro. ‘São públicos diferentes,’ disse. ‘Simplesmente trouxe mais volume de discussão para o mesmo projeto.’ Para o pesquisador Aluízio Borém, especialista em biossegurança da Universidade Federal de Viçosa, as células-tronco deram mais visibilidade à discussão da Lei de Biossegurança como um todo.

Antes da votação na Câmara, ele lamentava a mistura dos dois assuntos. ‘É uma pena que tenhamos uma lei que misture questionamentos éticos, sobre embriões humanos, com questões técnicas, sobre plantas transgênicas.’ Barbeiro, do Greenpeace, acha que a polêmica ética em torno das células-tronco prejudicou o debate científico sobre os transgênicos e dificultou a compreensão dos temas por parte da população. ‘Ficou tudo muito confuso: planta transgênica, embrião humano’, disse. ‘Nossa opinião é de isso deveria ter sido tratado em outro projeto de lei desde o início.’

Potencial terapêutico

As células-tronco embrionárias são células indiferenciadas do embrião que têm a capacidade de formar todos os tecidos do organismo. Elas podem ser obtidas de embriões produzidos por fertilização in vitro ou, em um estágio mais avançado, de embriões clonados a partir de células do próprio paciente. A nova Lei de Biossegurança aprovada ontem, entretanto, autoriza apenas o uso de embriões que estejam congelados em clínicas de fertilização in vitro há mais de três anos e que sejam doados para pesquisa com o aval dos genitores. Cientistas esperam utilizar as células-tronco para estudar o processo de diferenciação celular e produzir tecidos que possam ser usados na reparação de lesões (por exemplo, na medula espinhal) e no tratamento de doenças como Parkinson e Alzheimer. 

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Fonte: O Estado de S.Paulo, 3/3/05, reproduzida em JC e-mail 2718, de 3/03/2005

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Conseguiremos recuperar o tempo perdido? 

A expectativa de um tratamento para inúmeros pacientes
condenados deve estar acima de dogmas religiosos
 

Mayana Zatz*

Desde o início de 2004, as notícias sobre células-tronco têm sido animadoras: pacientes são tratados, pesquisadores coreanos têm sucesso na clonagem terapêutica, células-tronco embrionárias formam neurônios. Enquanto a ciência avança a passos gigantescos no exterior, o Brasil luta para conseguir iniciar pesquisas com células-tronco embrionárias.

Conseguiremos recuperar o tempo perdido? Quais são as perspectivas? Quais são as dúvidas? O que precisa ser desmistificado? Por que as células-tronco embrionárias são tão importantes?

Somente as células-tronco embrionárias são pluripotentes, isto é, têm a capacidade de produzir todos os 216 tecidos do nosso corpo.

O escocês Ian Wilmut, criador da ovelha Dolly, usando a técnica de clonagem terapêutica, vai gerar linhagens de células-tronco embrionárias obtidas de pacientes com doenças neuromusculares letais. Elas serão direcionadas para produzir neurônios, o que permitirá entender por que essas células morrem nos pacientes.

Além disso, ele poderá estudar o efeito de diferentes drogas em culturas de neurônios ao invés de usar cobaias humanas. E, mais do que tudo, essas pesquisas poderão nos ensinar como programar as células-tronco embrionárias ou talvez reprogramar células-tronco adultas para produzir células nervosas -ou qualquer outra- antes de injetá-las nos pacientes.

A esperança é que inúmeras condições, muitas delas letais na infância ou no início da idade adulta, tais como algumas doenças neuromusculares, diabetes, mal de Parkinson, lesões de medula possam ser tratadas pela substituição ou correção de células ou tecidos defeituosos.

A terapia celular com células-tronco representa um avanço gigantesco nas técnicas hoje existentes de transplante de órgãos. Se as pesquisas derem os resultados esperados, a expectativa é que no futuro seja possível fabricar tecidos e órgãos em quantidade suficiente para todos. Mas, para chegar lá, ainda temos inúmeros obstáculos a vencer.

Células adultas

Pesquisas com células-tronco adultas já foram iniciadas em pacientes cardíacos ou em outras doenças como esclerose múltipla, acidente vascular ou diabetes. Quais são as perspectivas e limitações? Temos células-tronco adultas em vários tecidos: sangue, medula óssea, fígado e cordão umbilical.

O transplante de células-tronco retiradas da medula óssea e mais recentemente do cordão umbilical e da placenta de doadores compatíveis para tratar leucemia é um exemplo de terapia celular de grande sucesso. Entretanto, o tratamento de lesões cardíacas ou a recuperação do tecido nervoso em pessoas que sofreram acidentes vasculares com células-tronco obtidas da própria pessoa, que corresponde a um auto-transplante, ainda são experimentais.

As questões a serem respondidas são: a quantidade de células-tronco retiradas da medula óssea de um indivíduo adulto é suficiente? Que tecidos essas células são realmente capazes de produzir: células cardíacas, células nervosas ou somente novos vasos sanguíneos? Qual é a idade das células-tronco de um indivíduo mais idoso? Será que já não são células velhas, com pouca capacidade de regeneração?

A má notícia é que essa técnica de auto-transplante não serve para portadores de doenças genéticas (3% da população, mais de 5 milhões de brasileiros), pois o defeito está presente em todas as suas células. Para essas pessoas será necessário o uso de células-tronco de outras fontes.

Utilizar células-tronco de embriões congelados equivale a um aborto, afirmam alguns grupos religiosos. Definitivamente não! No aborto provocado, interrompe-se a vida de um feto que está dentro do útero da mãe. Já no caso de embriões congelados em um tubo de ensaio nas clínicas de fertilização, não há chance de vida se não houver introdução do embrião dentro do útero. Na prática, esses embriões ficam congelados por anos, tornam-se inviáveis e são descartados.

Do ponto de vista científico, a grande vantagem das células-tronco retiradas de um embrião congelado é que, até a fase de cento e poucas células, elas são pluripotentes. Já o feto quando abortado, geralmente com algumas semanas, já sofreu um processo de diferenciação: suas células não são mais pluripotentes. Portanto mesmo para os cientistas que não são contra o aborto, essas células não têm o mesmo potencial das células embrionárias.

Sistema nervoso

Não há consenso de quando a vida se inicia: para alguns no momento da fecundação, para outros no momento da implantação do embrião no útero ou quando o feto pode ter uma vida independente fora do útero materno. Mas existe um consenso que a vida termina quando cessa a atividade cerebral.

Por isso, países que permitem as pesquisas com células-tronco embrionárias estabeleceram um limite de até 14 dias, pois até essa fase não existe vestígio de sistema nervoso no embrião. A expectativa de um tratamento para inúmeros pacientes condenados deve estar acima de dogmas religiosos.  

* Mayana Zatz é professora titular de Genética Humana e Médica Coordenadora do Centro de estudos do Genoma Humano Presidente da Associação Brasileira de distrofia muscular, Depto. de Biologia, USP.
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Fonte: Folha de S.Paulo, 3/3/05, reproduzida em JC e-mail 2718, de 3/03/05.

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A polêmica do cordão umbilical 

O Ministério da Saúde alerta para a ilusão de guardar cordão umbilical para uso da própria criança

Valéria Blanc e Raphael Falavigna

Os avanços científicos que envolvem terapias para o uso de células-tronco levaram ao surgimento de um negócio que é novo no país, mas já causa polêmica: os bancos privados de armazenamento de sangue de cordão umbilical.

O sangue do cordão possui células-tronco, que podem vir a ter várias utilidades no futuro, mas atualmente têm uma única aplicação principal - produzir material para substituir o transplante da medula óssea.

A polêmica é sobre a estratégia de armazenamento: em bancos particulares, onde só quem pode ter acesso ao material é o usuário ou um parente, ou públicos, onde é doado a quem necessitar.

O Ministério da Saúde adverte que guardar o cordão do bebê em laboratórios particulares é praticamente inútil. ''A possibilidade de usar o cordão para a própria criança é mínima: de 1 para 20 mil'', avisa João Paulo Baccara, coordenador de Política Nacional de Sangue e Hemoderivados. 'A célula-tronco da criança traz todos os eventuais problemas que aquele adulto desejará tratar no futuro.''

Baccara defende a doação do cordão para os bancos públicos da rede BrasilCord, lançada em setembro. Ali, qualquer paciente na fila de transplante que achar uma amostra compatível poderá usar o sangue, sem pagar nada. No momento, ele serve para tratar leucemias. É possível ainda o uso em pacientes com doenças hematológicas e imunológicas.

A discussão é acalorada entre representantes de lado a lado. Os bancos particulares têm seus argumentos. ''Deve-se pensar que os pais estarão beneficiando não só a criança, mas a família. Se for descoberto um câncer hereditário, a criança não poderá usar seu cordão. Mas, se um irmão o tiver armazenado, será um doador com maior chance de compatibilidade'', diz Lygia da Veiga Pereira, coordenadora de um banco privado.

A demanda nos cinco bancos particulares em funcionamento no Brasil tem aumentado. Nos últimos meses, o movimento no paulista CordVida cresceu 25%. Lá, a armazenagem custa R$ 4 mil e a manutenção R$ 699 por ano. A procura pelo banco carioca Cryopraxis aumenta 30% ao mês. Pagam-se R$ 4.435 pelo armazenamento e R$ 584 pela manutenção.

Fora da disputa entre público e privado, Patrícia Pranke, médica do Laboratório de Células-Tronco e Banco Público de Sangue de Cordão Umbilical do New York Blood Center, em Nova York, opina: ''Deve-se entender um banco de sangue de cordão umbilical público como se fosse um banco de sangue normal. Se alguém sofre um acidente hoje, não é preciso que tenha guardado seu sangue na semana passada, porque poderá usar o de um doador'', diz.

Para ter idéia, até 2003 apenas cinco transplantes foram realizados no mundo com sangue do cordão do próprio bebê. Há ainda outro forte argumento. ''O volume de sangue de um cordão é suficiente apenas para um paciente de até 50 quilos, ou seja, pouquíssimos adultos. Nos bancos públicos, podem-se juntar amostras de dois doadores compatíveis'', acrescenta Patrícia.

Coordenador do banco público do Inca anuncia
novos cinco transplantes com sangue do instituto

A rede pública tem duas unidades em operação: no Instituto Nacional do Câncer (Inca), no RJ, e no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. No ano passado, o Inca realizou um transplante de medula óssea com células de cordão guardadas em seu banco.

''A genética diz que são de 25% as chances de encontrar doador compatível nas famílias. Daí a importância de ter um banco com células de outras pessoas'', argumenta Luis Fernando Bouzas, diretor do Centro de Transplantes de Medula Óssea do Inca. O instituto está prestes a realizar outros cinco transplantes a partir de material dos cordões estocados. No exterior, essa polêmica começou mais cedo e produziu veredictos.


Em 2004, o comitê de ética europeu declarou achar desnecessário o armazenamento do cordão umbilical dos filhos para uso próprio. A França, por exemplo, proibiu bancos privados de cordão umbilical por considerá-los improdutivos. A Itália e a Bélgica tomaram a mesma decisão.

Como no Brasil os dois bancos existem paralelamente, os laboratórios privados ''vendem'' o negócio como uma espécie de seguro de vida, uma aposta nas futuras pesquisas. Eles têm clientes como o apresentador César Filho e a modelo Joanna Prado, que congelaram ali, em nitrogênio líquido, o cordão umbilical dos filhos. O ator Marcelo Serrado e a mulher, Rafaela Mandelli, fizeram o mesmo no CordVida. ''Fomos avisados da baixa probabilidade de uso. Mas a ciência avança rápido e qualquer chance que se tem à mão vale usar por um filho'', declara Marcelo.

De qualquer maneira, a aplicação de novos resultados de pesquisas com células-tronco no Brasil depende de sua evolução, agora que foi aprovada na Câmara dos Deputados a Lei de Biossegurança.
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Fonte: Revista Época, 12/3/05, reproduzida em JC e-mail 2725, de 14/03/05

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Clínicas e hospitais oferecem tratamento com
células tronco sem autorização

A recém aprovada Lei de Biossegurança, que aprovou a pesquisa com células-tronco cultivadas de embriões de clínicas de fertilização congelados há mais de três anos, fortaleceu ainda mais as esperanças daqueles que sofrem de males para os quais, atualmente, não existe cura. Na Índia, estas promessas têm ultrapassado as barreiras das instituições de pesquisa e chegado até mesmo às clínicas de estética, de forma descontrolada. Os casos relatados na Índia, pela revista científica Nature e pelo jornal Times Índia, e na Rússia, pela Wired, são no mínimo alarmantes. No Brasil, o pedido de pesquisas com células-tronco é analisado caso a caso pelo conselho de ética das instituições onde se pretende desenvolver a pesquisa.

Na Índia, mesmo sem uma regulamentação e fiscalização adequadas, clínicas públicas e privadas tem vindo a público relatar a utilização de células-tronco para tratar uma ampla gama de doenças. As células são extraídas da medula óssea, sangue de cordão umbilical e embriões humanos. O instituto privado Prasad Eye Institute, localizado na cidade de Hyderabad, por exemplo, está utilizando essas células no tratamento de aproximadamente 240 pacientes com problemas de córneas. Dois outros hospitais da mesma cidade preferiram a aplicação para amenizar problemas no músculo cardíaco, e há planos do uso das células-tronco por outras instituições no tratamento de fígado de pacientes que sofrem de cirrose, câncer de pâncreas ou diabetes.

A Nature declara que o cirurgião Panangipalli Venugopal, do All Índia Institute of Medical Sciences (AIISM), e seus colegas usaram células-tronco derivadas da medula óssea, para tratar danos cerebrais, distrofia muscular e derrame, sem nunca terem publicado o trabalho em jornais científicos com revisão por pares. Venugopal, que é considerado um dos maiores cardiologistas do país, afirmou que seu interesse pelas células-tronco surgiu quando sua equipe passou a buscar alternativas aos tratamentos cardíacos. "Doadores eram difíceis de serem encontrados. Muitas vezes os pacientes eram medicados e não havia mais nada que pudéssemos fazer para salvá-los", ele declarou à Times indiana.

Uma das explicações encontradas para o que tem ocorrido na Índia é a falta de articulação entre o Conselho de Pesquisa Médica Indiano (ICRM, sigla em inglês), ligado ao Ministério da Saúde, e o Departamento de Biotecnologia (DBT), ligado ao Ministério da Ciência, que lançaram diretrizes diferentes sobre a pesquisa e a utilização desses tipos de células. Em 2002, o ICRM, anunciou uma política que permitia a clonagem terapêutica e encorajava a pesquisa com células-tronco, sendo que no ano anterior, o DBT emitiu outras diretrizes. Essa brecha foi explorada por algumas clínicas para começar a investida em novos tratamentos, cujos estudos clínicos e resultados estão fugindo ao controle das autoridades responsáveis. Para se ter uma idéia da situação, o Conselho de Pesquisa Médica daquele país foi informado dos tratamentos conduzidos por Venugopal no AIISM, por meio de suas declarações no jornal.

Na Rússia o caso parece ser tão grave quanto o da Índia. Inúmeras clínicas e salões de beleza estariam usando células-tronco adultas e embrionárias para tratar desde rugas até o mal de Parkinson ou impotência. Os tratamentos anunciados custam verdadeiras fortunas e são feitos sem qualquer fiscalização ou regulamentação, já que não existem licenças para injetar células-tronco como prática médica. Não há provas de que o que está sendo injetado são realmente células-tronco. Atualmente o Serviço Federal de Inspeção da Saúde está investigando aproximadamente 20 clínicas russas que assumem a prática de terapias com essas células.

A Universidade de Minessota, nos EUA, montou o mapa das nações onde a pesquisa com células-tronco é permitida, flexível e proibida. A Índia, China, Inglaterra e Japão aparecem entre os países mais liberais, onde a clonagem terapêutica também é permitida. Enquanto o Brasil, ao lado dos EUA, Canadá, França e Espanha, são alguns dos que permitem essas pesquisas com restrições.

No Brasil, inúmeras pesquisas com células-tronco em pacientes já foram iniciadas e, algumas já apresentaram resultados bastante animadores. Um destes casos são as pesquisas que o Instituto do Coração (Incor) de São Paulo realiza com aplicações diretas de células-tronco em pacientes com insuficiência cardíaca, causada por doença de Chagas, hipertensão ou de origem desconhecida. Geralmente, os pesquisadores dão preferência para estudos que contem com a participação voluntária de portadores de doenças graves, com pouca expectativa de vida.

Em fevereiro deste ano o Brasil iniciou o maior estudo clínico do mundo com células-tronco. Participarão do estudo 1.200 pacientes e mais de 40 instituições de pesquisa, com o objetivo de comprovar os resultados já obtidos em pesquisas isoladas e verificar a viabilidade da substituição dos tratamentos cardíacos tradicionais (inclusive o transplante de coração) pela terapia com células-tronco.

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Fonte: http://www.comciencia.br, Atualizado em 17/03/05 

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Sem respostas para a vida

A Ciência e a Religião ainda não conseguem afirmar qual
o início da vida. Mas será que é tão importante chegar a um consenso?

Por Renata Costa

A Ciência chegou a um patamar decisivo, que exige, mais do que nunca, a participação da sociedade para definir seu rumo. Os cidadãos têm sido levados a refletir sobre assuntos cruciais que passam pela discussão do que é a vida, qual o seu início e limites.

Do ponto de vista prático, estas questões estão presentes no cotidiano por meio, por exemplo, da Lei de Biossegurança, da permissão de aborto de fetos anencéfalos e até do ensaio mal-sucedido na semana passada, por parte do Ministério da Saúde, em liberar o aborto para gravidez resultada de estupros sem a exigência do boletim de ocorrência. Isto, traduzindo, equivaleria a dizer liberar o aborto para qualquer mulher que afirmasse ter sido estuprada e ela não precisaria provar nada. Ou seja, o aborto seria permitido sem que a sociedade tivesse a oportunidade de discutir o assunto.

A posição da Ciência e da Igreja - especialmente a católica - tem sido oposta e conflitante. Por um lado, cientistas de visão mais radical chegam até a afirmar que um embrião só pode ser considerado vida quando não depende mais da mãe, ou seja, após o nascimento. Por outro lado, a religião católica - a de maior influência no país - afirma que desde a concepção já se pode considerar que há vida. Mas assim como nem todos os cientistas têm uma única visão, nem todas as correntes religiosas também concordam entre si. "A resposta que temos na Bíblia é muito geral, por exemplo, de que Deus é o Senhor da vida. Mas quando começa a vida, não temos uma resposta muito clara", afirma o reitor da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo, o teólogo Rui Josgrilberg.

Ainda sem ter como dar uma resposta definitiva e exata sobre o início da vida, a maioria dos cientistas se apóia na lógica para chegar a uma solução prática para a problemática, estabelecendo o marco inicial da vida após os 14 primeiros dias da concepção, quando começa a formação do sistema nervoso. "Quando a pessoa morre? Quando o cérebro pára de funcionar. Então hoje podemos considerar que a vida se inicia quando o cérebro começa", diz o professor do Departamento de Genética e Evolução do Instituto de Biologia da Unicamp, Marcelo Menossi. Ele afirma que esta marca é um bom começo, mas pode não ser a resposta definitiva. "Isto pode mudar quando daqui a 20, 30 anos for possível, por exemplo, determinar quando o feto começa a ter consciência", explica.

A médica e professora do Departamento de Biofísica da Unifesp, Alice Teixeira Ferreira, é contra o uso de células-tronco embrionárias para pesquisa e justifica seu ponto de vista através da Ciência. "O embrião é uma fase do desenvolvimento. E isso foi descoberto com o início da disciplina que chamamos, em Medicina, de Embriologia, e que surgiu após a invenção do microscópio em 1826. Então a embriologia diz que a hora em que o espermatozóide fecunda o óvulo humano há a formação de um ovo, depois a mórula, depois o embrião, depois o feto, e aí o recém-nascido. A Igreja só aceitou o fato científico da concepção em 1869, mais de 40 anos depois. Ou seja, este ponto de vista é científico", diz.

Pluralidade de opiniões

De um lado a Ciência, de outro, a Religião. Será que um dia haverá uma resposta comum? "Não é possível do ponto de vista público ter uma resposta unívoca para isso. O grande equívoco é gerarmos ansiedade para uma resposta única, que não vamos ter. E tê-la seria uma ameaça à democracia", afirma a antropóloga da UnB e diretora da organização não-governamental Anis (Instituto de Bioética, Direitos e Gênero), Debora Diniz.

A advogada e pós-graduanda Samantha Buglione, coordenadora da Pós-graduação em Bioética da Univali (Universidade do Vale do Itajaí) afirma não acreditar ser possível definir uma única afirmação correta dentro desta pluralidade de opiniões. "O que me parece é que estes conceitos e definições são todos verdadeiros. Eu não tenho como dizer que uma das afirmações é inválida e não legítima. Isto é o trágico da modernidade. São várias opções e que são corretas", defende.

O que muitos defendem, portanto, é que nem sempre deve prevalecer uma única idéia, a da maioria. "Já imaginou se a maioria das pessoas fossem Testemunhas de Jeová? Não seria permitido fazer transfusão de sangue", exemplifica o professor da Unicamp.

Para a professora da UnB, a questão importante a ser discutida é como vamos existir nesta diversidade sem ameaça à democracia. "A grande discussão em pauta é qual é a ingerência de doutrinas tradicionais dentro do estado laico. Por isso quando discutimos questões como a anencefalia e a pesquisa com células-tronco embrionárias, estamos discutindo em última instância o tipo de sociedade que queremos e o papel da religiosidade nela", diz.

Segundo Samantha, da Univali, é possível conviver com esta diversidade de opiniões. "O fato de se permitir o aborto em casos de fetos anencéfalos não significa que todas as mulheres nesta situação de gravidez serão obrigadas a abortar. Esta é uma demanda que não poderia passar para a esfera pública, porque o sentido final é subjetivo, individual", afirma. Ela explica que questões de âmbito coletivo, como a criminalidade, por exemplo, que tem a ver com segurança, devem ser tratadas no âmbito coletivo, diferentemente do aborto para anencéfalos, cuja decisão é individual, portanto pertence ao âmbito privado. Ela lembra ainda que esta decisão coletiva, no caso da anencefalia, diz respeito especialmente a famílias de baixa renda, já que as de classes sociais mais abastadas podem pagar pelo aborto em clínicas - ainda que na ilegalidade - e não dependem de decisões do SUS (Sistema Único de Saúde). "E isto é cruel", ressalta Samantha. 

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Fonte: http://www.unb.br/acs/unbcliping/cp050318-02.htm

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 Discussões práticas

Veja quais os assuntos atuais que envolvem o conceito da vida

Por Renata Costa

Desde 1997, com o nascimento da ovelha Dolly através da utilização da técnica da clonagem, o mundo entrou em alerta sobre as possibilidades da Ciência em "manipular" a vida. A partir desta data, foi ainda mais forte a manifestação de grupos religiosos e de cientistas, organizações não-governamentais, e da sociedade sobre suas preocupações e desejos com a nova técnica.

O desenvolvimento da Ciência desde então fez necessária a discussão com toda a sociedade - não só no Brasil, mas em vários países - do que seria ou não permitido quando a pesquisa envolve um conceito importante como a vida. Por conta disto, a aprovação da Lei de Biossegurança para regulamentar a pesquisa com células-tronco embrionárias no país, entre outros tópicos, vinha sendo aguardada desde o ano passado. Em outubro, ela já havia sido aprovada pelo Senado, mas a aprovação da Câmara aconteceu somente no último dia 02 de março. (Clique aqui e saiba mais sobre a Lei de Biossegurança). A pesquisa com as células-tronco ainda está caminhando, mas é promessa de possível cura para uma série de doenças degenerativas. Pela lei, fica autorizada a destruição de embriões de até cinco dias de desenvolvimento e congelados há mais de três anos em clínicas de fertilização, com autorização do casal doador do espermatozóide e do óvulo.

Outro assunto que envolve a discussão da vida é o aborto para gravidez de feto anencéfalo. Neste caso, os fetos são gerados sem cérebro e a perspectiva de vida é praticamente nula. A maioria morre ao nascer, outros resistem até três meses. Há casos, descritos em literatura científica, que viveram até um ano, mas são raríssimos. A morte sendo certa, o que se discute é se a mãe deve ser obrigada a levar adiante os nove meses de gravidez.

A antropóloga da UnB e diretora da organização não-governamental Anis (Instituto de Bioética, Direitos e Gênero), Debora Diniz, foi uma das articuladoras da medida liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, de autorizar a interrupção da gravidez nestes casos, em julho de 2004. A medida foi cassada em outubro do mesmo ano.

"A discussão aqui é a possibilidade de vida, não de assassinato com deficientes, como os grupos contra estão dizendo. O anencéfalo é alguém que nunca vai estar no mundo, não tem chance de sobrevivência. E estamos fazendo uma mulher grávida ser torturada - e são elas quem usam esta expressão - de carregar um bebê que não vai viver", afirma Debora.

A nova discussão sobre a questão foi adiada para fevereiro deste ano e não aconteceu por pedido de adiamento da coordenadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns, e não tem nova data prevista para acontecer.

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Fonte: http://www.unb.br/acs/unbcliping/cp050318-03.htm

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Notas de um leitor

Células-tronco: leitores paulistas receberam mais

Por Luiz Weis

A Folha e o Estado não têm do que se envergonhar das matérias e artigos da semana passada, quando a Câmara votou a Lei de Biossegurança, sobre as polêmicas pesquisas com células-tronco embrionárias. Já o Globo ficou em dívida com o seu leitorado.

Diante de um assunto ao mesmo tempo técnico e de grande repercussão (de um lado, pelo potencial terapêutico dessas pesquisas para numerosas doenças degenerativas; de outro, pela forte oposição da Igreja, que só admite experiências com células-tronco adultas ou extraídas do cordão umbilical dos recém-nascidos), os jornais paulistas deram conta perfeitamente bem do recado, deixando para trás o concorrente carioca.

O melhor da Folha foi a página inteira da quarta-feira (2/3), com um primoroso tratamento gráfico que equilibrou com simetria e elegância três textos substanciosos, dois boxes e dois chamativos infográficos de uma clareza exemplar, sobre os caminhos alternativos para "a revolução prometida" pelos biólogos.

Quem tenha se detido na página pelo tempo devido não poderá dizer que não aprendeu "o que são células-tronco embrionárias e por que os cientistas as desejam tanto" – o que o jornal se propôs a explicar. (A Folha repetiu as informações essenciais sobre o tema nas edições de quinta, sábado e domingo.)

Na sexta, o Estado dobrou por assim dizer a aposta da Folha. Também numa página inteira, apesar da falta de atratividade dos seus infogramas, deu uma tacada de truz. Recorreu a três especialistas, uma de São Paulo, outra do Rio, outra ainda do Rio Grande do Sul, para responder a 12 perguntas básicas "sobre o que já se sabe e o que ainda é experimental nessa área". Entre elas, a que mais deve interessar ao leitor: "Quais doenças que, já se sabe, podem ser curadas ou mitigadas pelo uso de células-tronco?"

"Dar-se conta"

Mas em matéria de divulgação científica, insistência e reiteração nunca são demais. Jornalistas podem ser tão ignorantes a respeito quanto os seus leitores – ou, no caso, espectadores.

A bióloga Lygia da Veiga Pereira, que divide com a sua colega de USP Mayana Zatz a pole-position na campanha pela liberação das pesquisas em causa, no Brasil, abriu o artigo "Por enquanto, apenas um fio de esperança" (Estado, 6/3), com uma situação que a fez "gelar".

Numa entrevista ao vivo, no dia seguinte ao da votação na Câmara, o repórter começou: "Com a aprovação do projeto da Lei de Biossegurança, quantos pacientes sairão das filas de transplantes?"

Lygia conta que respirou fundo e respondeu: "Nenhum."

Ela aceita que "talvez um certo sensacionalismo faça parte do jogo e tenha sido importante para mobilizar a sociedade e os parlamentares". Mas, "agora que a poeira baixou, quais são as reais possibilidades das CTs embrionárias?"

Como indica a citada matéria do Estado com as três especialistas, intitulada com objetividade "Presente e futuro das células-tronco", a pergunta está no radar da grande imprensa. Tomara que dali não saia "agora que a poeira baixou".

E a questão moral? Folha, Estado e Globo trouxeram artigos de padres condenando o uso de CTs embrionárias porque isso equivalerá à "destruição de vidas". A vida, para eles, começa no momento da fecundação.

A melhor (e mais divertida) refutação a essa crença que este leitor encontrou nos últimos dias nos jornais brasileiros está no artigo "A vida humana segundo a razão", do cientista político Giovanni Sartori (que inventou a expressão videopolítica) para o Corriere della Sera, transcrito no Estado do dia 2.

Sartori distingue vida de vida humana. No limite, essa distinção está na autoconsciência. Todos os seres dotados de sistema nervoso sofrem fisicamente, argumenta. Mas o homem também sofre psicologicamente e espiritualmente. "Digamos, então", escreve Sartori, "que a vida humana começa a ser diferente, radicalmente diferente daquela de qualquer outro animal superior, quando começa a ‘dar-se conta’."

Por isso também se diz que a vida cessa quando cessa a atividade cerebral, mas a vida humana cessa quando o ser humano perde a consciência de si.

Estado e religião

É certo que isso é muito pouco para levar os religiosos a aceitar que vida humana alguma se perde com a manipulação de blastocistos – a centena de células indiferenciadas que se formaram nos cinco primeiros dias do desenvolvimento embrionário e das quais são removidas as células-tronco.

À parte a verdade de que todos temos direito às próprias opiniões, mas não aos próprios fatos, como dizia o falecido senador americano Daniel Patrick Moynihan, há quem queira impor as próprias opiniões, como se fossem fatos, a toda a coletividade.

Os jornais de sábado deram que o católico procurador-geral da República, Claudio Fonteles – o mesmo que se opõe ao aborto até de fetos anencefálicos – pretende representar no Supremo contra a Lei de Biossegurança. Isso, segundo o Estado, porque ele ouviu uma bióloga dizer no canal católico Rede Vida que a aprovação da lei foi "um golpe político".

A mídia não pode perder jamais a ocasião de ressaltar que o Brasil não é uma teocracia, mas uma democracia em que Estado e religião não se misturam, nem devem. Da mesma forma que os testemunhas de Jeová se opõem à transfusão de sangue e nem por isso ela é proibida, qualquer um tem o direito de rejeitar para si os eventuais benefícios futuros da terapia com células embrionárias, em nome de suas crenças religiosas. Só não tem o direito de querer impor isso aos demais.

É o óbvio ululante. Mas precisa ser dito – e repetido.

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Fonte: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=319IMQ004, 07/03/2005.

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 País precisa definir o que é vida, diz cientista 

Para bispo, o governo pratica ‘política antinatalista’ por defender as pesquisas com células-tronco embrionárias e ‘estimular o aborto’

Por Cláudia Collucci

O Brasil precisa decidir qual é a sua definição de vida, assim como já conceituou a morte (morte cerebral), para avaliar até quando é possível interromper o desenvolvimento de um embrião humano para a sua utilização em pesquisas com células-tronco.

Essa foi uma das propostas da geneticista Lygia da Veiga Pereira, professora da USP, durante debate sobre a descriminalização do aborto e as pesquisas com célula-tronco promovido pela Folha na última segunda-feira.

No evento, entre os participantes e na platéia houve várias manifestações contrárias à aprovação da Lei de Biossegurança que regulamenta a pesquisa com células de embriões congelados em clínicas de reprodução, aprovada pela Câmara dos Deputados.

A lei depende de sanção do presidente Lula.

‘Essa lei avilta a vida de todos. Todos nós já fomos zigoto, ovo fecundado, blastocistos. E a partir daquele momento, todas as informações genéticas já estavam presentes. Não seríamos o que somos hoje se não tivéssemos sido esse ovo fecundado’, afirmou o procurador Paulo Leão, presidente da União dos Juristas Católicos.

O bispo emérito de Jundiaí, dom Amaury Castanho, também professor da PUC-Campinas, emendou: ‘Não é posição da Igreja. É posição científica indiscutível a existência de uma vida humana a partir do momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozóide. Nada justifica a destruição do embrião humano’.

Mas há cientistas que não têm tanta certeza assim sobre quando começa a vida, especialmente após a clonagem reprodutiva de animais. A ovelha Dolly, por exemplo, foi criada a partir de um óvulo sem núcleo e uma célula da glândula mamária. ‘Não existe uma definição científica de vida’, argumentou Lygia Pereira

Ela defendeu o conceito de que o embrião tenha um ‘potencial de vida’, que vai aumentando à medida que passa pelos diferentes estágios de desenvolvimento e considera ‘suportável’ utilizar as células de embriões com até cinco dias.

‘A definição de morte evoluiu ao longo da história, e a de vida não. Hoje em dia aceitamos a morte cerebral como morte, podemos tirar órgãos para transplante. No Japão, por exemplo, a morte cerebral não é aceita como morte’, disse Pereira. No Brasil, a morte encefálica é definida por resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) de 1997.

Outra discussão que dominou grande parte do debate foi o projeto do governo federal para descriminalização do aborto e a nova norma técnica que dispensa o BO em caso de gravidez por estupro.

Tanto Castanho como Leão afirmaram que o governo pratica uma ‘política antinatalista’, por supostamente ‘estimular o aborto’ e apoiar as pesquisas com células-tronco embrionárias. Ambos são contrários à interrupção da gravidez em qualquer circunstância, mesmo nos casos de estupro e de risco à vida da mulher.

Durante o debate, o ministro da Saúde, Humberto Costa, negou a existência da norma que libera o BO – que três dias depois foi confirmada pelo ministério, conforme revelou a ‘Folha de SP’. Todas as respostas de Costa às críticas dos católicos foram referentes a uma outra norma, publicada no final de 2004, que define critérios para um atendimento humanizado às mulheres que chegam aos hospitais públicos já em processo de abortamento. ‘Não estamos estimulando ou defendendo o aborto. A obrigação do profissional de saúde é atender a mulher [que praticou um estupro] da melhor maneira possível e viabilizar o salvamento daquela vida’, disse Costa.

A procuradora Flávia Piovesan, membro do Comitê Latino-Americano e do Caribe para os Direitos da Mulher (Cladem), acredita que não se deve impor a todas as mulheres brasileiras um único padrão moral e religioso no que se refere à interrupção da gravidez indesejada.  ‘Há de se garantir a separação entre o sagrado e o profano, entre o dogma e a razão.’ 

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Fonte: Folha de S.Paulo, 13/3/05, reproduzida em JC e-mail 2725, de 14/03/2005.

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Testes mostram segurança de células-tronco

Uma revisão sobre as pesquisas com células-tronco maduras (não-embrionárias) para o tratamento do coração publicada pelo jornal “The New York Times” mostrou que, dos 10 testes com pacientes realizados em todo o mundo, nove tiveram resultados positivos. Porém, cientistas e médicos destacam que as pesquisas ainda estão no início e há dúvidas a responder antes que essas terapias possam se tornar rotina em hospitais.

A reportagem do “New York Times” destaca estudos realizados nos Estados Unidos e apenas menciona as pesquisas feitas no Brasil, país que, juntamente com a Alemanha, tem os resultados mais significativos no tratamento de doenças cardíacas com células-tronco tiradas da medula óssea do próprio paciente. Foram os resultados de pesquisas realizadas no Rio, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pelo Pró-Cardíaco, que motivaram a Administração de Drogas e Alimentos dos EUA (FDA, na sigla em inglês) a autorizar o Texas Heart Institute a fazer testes com 13 pacientes.

— O Brasil tem a maior experiência no mundo em estudos com pacientes graves. Nesses primeiros testes, mostramos que a terapia era segura. Nossa meta agora é comprovar a eficiência — disse Antônio Carlos Campos de Carvalho, do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras e do Instituto de Milênio de Bioengenharia Tecidual, que participou dos estudos.

Ontem, pesquisadores envolvidos no maior estudo sobre o uso de células-tronco maduras para o tratamento do coração já realizado em todo o mundo começaram a definir o cadastramento de pacientes. A pesquisa, coordenada pelo Instituto Nacional de Cardiologia, de Laranjeiras, envolverá 1.200 pacientes em todo o Brasil. Serão estudados quatro tipos de doenças cardíacas: infarto agudo do miocárdio, doença isquêmica crônica do coração, cardiomiopatia dilatada e cardiopatia decorrente do mal de Chagas.

Os 1.200 pacientes serão divididos em quatro grupos, com 300 pessoas cada, de acordo com cada tipo de problema. Ontem, foram discutidos os critérios para o estudo sobre infarto agudo, que será coordenador pelo Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e pelo Pró-Cardíaco.

— Participarão pacientes tratados em 22 hospitais, do Rio Grande do Sul ao Ceará — disse Radovan Borojevic, chefe do Laboratório de Proliferação e Diferenciação Celular da UFRJ, pioneiro nos estudos de células-tronco no Brasil.

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Fonte: http://oglobo.globo.com/jornal/ciencia/167291208.asp

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Imprensa, ciência e vida

Debate pertinente, edição sofrível

Ulisses Capozzoli

Em 1943, quando fez um conjunto de palestras sobre um tema enigmático ainda hoje (O que é vida?), o físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961), Prêmio Nobel de 1933, produziu um clássico que acabou conhecido com este título – e que o matemático e astrofísico inglês Roger Penrose interpretou como um dos mais importantes escritos científicos do século passado.

As palestras foram desenvolvidas no Trinity College, em Dublin, na Irlanda, como desdobramento de um convite feito pelo primeiro-ministro Éamonn da Valera para Schrödinger ocupar a Cátedra de Física Teórica da Universidade de Grass.

Um dos criadores da mecânica quântica e inteligência singular mesmo entre a constelação de gênios do século passado, Schrödinger assimilou a vida intelectual de Dublin e só retornou à monotonia austríaca em 1956, pouco tempo antes de sua morte.

O que é vida? estimulou cientistas como Crick e Watson, os descobridores da forma helicoidal do DNA, e o bioquímico inglês J.B.S. Haldane, um dos pais da teoria clássica sobre a origem da vida, para citar duas referências em meio a uma multidão de influenciados.

Em 1997, a Editora Unesp publicou em português O que é vida?, acompanhado de Mente e matéria e Fragmentos autobiográficos, e, no mesmo ano, O que é vida? – 50 anos depois, especulação sobre o futuro da biologia, uma releitura do trabalho original de Schrödinger após meio século.

As duas obras merecem a leitura de interessados nos debates que ocorrem neste momento em torno das chamadas células-tronco – ou células-mãe. Quem se deliciar com a leitura desses dois livros (192 e 221 páginas, respectivamente) terá uma noção clara da superficialidade do tratamento dado ao tema pela mídia, a exemplo do material publicada pela edição de domingo (13/3) da Folha de S. Paulo (pág. C 9).

Fé cega

O problema na edição da Folha não é da repórter, que reproduziu as falas do debate "O direito à vida", entre aspas, ao que tudo indica, com precisão. A improcedência é de edição, o que remete ao estilo simplista da Folha, como se assuntos dessa complexidade coubessem na meia dúzia de regras previstas em seu pretensioso Manual da Redação.

A manchete da página sintetiza o equívoco: "País precisa definir o que é vida, diz cientista", o que nos remete a Schrödinger.

De fato, a repórter registra cautelosamente entre aspas a fala da geneticista Lygia da Veiga Pereira, da Universidade de São Paulo, mas a referência em destaque foi feita em outro contexto, com uma evidente ponta de ironia. Até porque, mais à frente, segundo o registro da repórter está dito: "Não existe uma definição científica de vida, argumentou Lygia Pereira", acrescentando que "ela defendeu o conceito de que o embrião tenha um ‘potencial de vida’, que vai aumentando à medida que passa pelos diferentes estágios de desenvolvimento e considera ‘suportável’ utilizar as células de embriões com até cinco dias".

O problema, aqui, é que para quem lê a manchete de página sobre um debate que reuniu representantes de diferentes áreas relacionadas a células-tronco, aborto e avanço da ciência, fica a mensagem de que, por um ato burocrático, pode-se resolver uma questão dessa complexidade, que tem por trás séculos de discussão, para considerar apenas filosofia e medicina.

O efeito nefasto deste tipo de abordagem não se limita à manchete de página que, exatamente por ser literal, trai a verdade ao não refletir a ironia do falante.

A geneticista havia dito, neste contexto, que o Brasil já conceituou a morte [morte cerebral], mas o nível de complexidade entre essas duas situações é abissal, o que não foi esclarecido em nenhum momento. A menos que o jornal entenda que seus leitores prescindam dessas interpretações.

Como se não bastasse, a geneticista Lygia Pereira foi, ao menos no contexto do material publicado, a única com conteúdo promissor quanto a idéias e propostas. Numa certa assimetria intelectual, as posições defendidas pelo bispo emérito de Jundiaí e professor da PUC-Campinas, dom Amaury Castanho, são um amontoado de equívocos e de má interpretação, o que também evidencia limitações e inconvenientes desse modelo de discussões como fonte de produção de notícias.

O bispo sustenta que "é posição científica hoje indiscutível a existência de uma vida humana no momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozóide".

Para retomar as palavras do bispo, "posição científica indiscutível" é uma expressão que não faz sentido no universo da ciência. Em princípio, nada é indiscutível na busca do conhecimento. O problema aqui talvez se deva ainda a uma tentativa de conciliar ciência e fé, iniciativa que levou os escolásticos a dar com os burros n’água, mas não desanimou a administração Bush de reeditar obscurantismos ideológicos.

O bispo diz que "a partir da nova lei [recentemente aprovada pelo Congresso] o investimento do Ministério da Saúde e de outras instituições nas células-tronco embrionárias humanas vai prejudicar o avanço das pesquisas e das aplicações das células-tronco adultas".

Se tivesse domínio de ciência equivalente ao das Ave-Marias, o bispo compreenderia que a busca do mistério da vida nas profundezas bioquímicas, eventualmente quânticas das células, não se dá de maneira superficial e necessariamente excludente. Ao contrário, a compreensão das células-adultas não pode ser desvinculada do desvendamento das células-embrionárias. Qual a mais promissora delas para o tratamento de doenças degenerativas? Estamos apenas iniciando o processo e não concluindo, como entende equivocadamente o religioso.

Há aqui uma beleza que a fé cega não pode enxergar. Isso faz do bispo, com pretensões de pensador, um homem incapaz de contemplar as profundezas da criação que pretende ser domínio exclusivo da religião.

Amenizar sofrimentos

Historicamente, desde que o citologista e fisiologista alemão Theodor Schwann (1810-1882) estabeleceu, em 1839, as bases da teoria celular, pesquisadores do mundo inteiro se deram conta da possibilidade de se gerar um organismo adulto completo a partir de uma única célula.

No século passado, dois outros pesquisadores – o alemão Hans Spemann (1869-1941), Prêmio Nobel de Medicina de 1935, e o norte-americano naturalizado Jacques Loeb (1859-1924) – começaram a decifrar as células-tronco utilizando experimentos com células de embriões.

A ovelha Dolly, clonada em 1996, é um legado de Spemann para as técnicas de implantação de núcleo celular. E nada disso é reprovável enquanto conhecimento, ainda que o emprego de qualquer técnica dependa de sustentação ética, o que significa que toda conquista é acompanhada de uma dose de ameaça, princípio válido desde que o homem apareceu neste mundo.

O bispo dom Amaury Castanho diz que "em princípio sou favorável à vida [do embrião] em todos os casos, mesmo em casos de violência contra a mulher e quando há riscos à mãe. Nunca nós, cidadãos, deveríamos estar ao lado de uma linha de cultura da morte, de uma política antinatalista. A vida é intocável".

A primeira parte do raciocínio choca-se com a realidade. Até porque bispos, ao menos por exigências profissionais, não têm mulher e filhos, o que significa que dom Amaury Castanho não dispõe de experiência vivida para relatar.

Na segunda parte de sua fala, o bispo se trai por um advérbio de negação: "nunca".

Uma leitura rápida do que foi a Inquisição, o braço armado da Contra-Reforma, é o bastante para revelar o quanto a Igreja torturou e matou nas fogueiras da "purificação". Giordano Bruno, quem anunciou a vida espalhada não apenas neste mundo, mas em todo o Universo, orbitando a maioria dos sóis da Galáxia, é um dos cadáveres insepultos vítima do fogo insano do passado. Sem falar de Copérnico e Galileu.

Copérnico destronou a Terra já do leito de morte, fora das garras da Inquisição. Mas Galileu foi pego e obrigado a se retratar, sob a vistas dos ferros de tortura. Daí a inconveniência de dom Amaury em utilizar o advérbio "nunca" para livrar a Igreja de uma memória de brutalidades.

A perspectiva da ciência, ainda que não haja garantias absolutas neste sentido, é a de amenizar o sofrimento humano. Neste sentido, as células-tronco representam a possibilidade de materializar promessas encenadas como "milagres" pelas religiões.

Tratar leucemia, doenças e lesões pela substituição de tecidos doentes ou destruídos. É o caso de enfermidades neuromusculares, diabetes, enfermidades renais, cardíacas e hepáticas, entre outras. Pacientes vítimas de acidentes e que ficaram paralisadas, como aconteceu com o ator Cristopher Reeves, quem encarnou o Super-Homem, poderão recuperar seus movimentos.

Síntese filosófica

Religiosos mais ortodoxos costumam ver decadência onde há criação – e com isso contribuem para uma perigosa paralisação das idéias, com riscos de retrocessos que quase sempre são incapazes de avaliar. Ao menos a parcela mais intelectualizada da sociedade deve repelir essas incongruências, herança do passado teológico que empobreceu o Ocidente.

Outro dos debatedores, o presidente da União dos Juristas Católicos, Paulo Leão, defendeu que a Lei de Biossegurança, aprovada pelo Congresso e que ainda depende de sanção do presidente da República, "avilta a vida de todos. Todos nós já fomos zigoto, ovo fecundado, blastocistos [referindo-se à evolução celular]. E a partir daqueles momentos, todas as informações genéticas já estavam presentes. Não seríamos o que somos hoje se não tivéssemos sido esse ovo fecundado".

É um típico argumento emocional. Para serem coerentes, defensores de idéias como essa não deveriam tocar em nada que é vivo, o que significa perecer por inanição.

Discutir a condição humana nos limites exíguos de certo formalismo é, mais que subverter as leis da vida, perder a dimensão do Cosmos. Por isso mesmo é confortável registrar uma expressão significativa utilizada pela geneticista Lygia Pereira, de que é "suportável" utilizar as células de embriões com até cinco dias.

Há aqui uma outra perspectiva para a condição humana: a de que, apesar de tudo, é preciso seguir na busca do conhecimento levando-se em conta que a ética não é um adereço localizado, mas uma postura indissociável da estética – neste caso, o próprio mistério da vida.

O debate reproduzido pela Folha reuniu ainda o ministro da Saúde Humberto Costa e a procuradora Flávia Piovesan, do Comitê Latino-Americano e do Caribe para os Direitos da Mulher (Cladem).

O resumo das discussões, confinado em uma página, pode não ter passado de pálida idéia do que os participantes ouviram no auditório, o que reforça as limitações desse recurso. Para oferecer inteligibilidade possível, um articulista teria, obrigatoriamente, que distinguir as idéias expostas, as perspectivas promissoras das falas comprometidas com um formalismo estéril e anacrônico.

Ou, para tomar de empréstimo uma idéia de Manfred Eigen, que escreveu "O que restará da biologia do século XX?", o segundo capítulo de O que é vida? 50 anos depois. Para Eigen, bioquímico do Instituto Max Planck, na Alemanha, "vivemos em uma sociedade que se esquiva do risco. Chegará um momento em que, por esta razão, ela fechará as portas para a ciência e especialmente para a pesquisa básica". Mesmo agora, diz Eigen, "não me surpreenderia ver um adesivo no vidro de trás de um carro dizendo: ‘Pesquisa básica – não, muito obrigado’".

Na avaliação de Eigen...

"...um olhar de relance para o estado atual do mundo provavelmente nos deixará pessimistas. A primeira metade deste século confrontou-se com duas guerras terríveis. E que lição aprendemos? Nada irá mudar se não basearmos nossas decisões na razão, aceitando a humanidade como um imperativo moral. O futuro da humanidade não será decidido no nível genético. Precisamos de um sistema ético de ligação entre todas as pessoas. É aqui que a evolução, uma evolução do indivíduo para a humanidade, espera por sua consumação".

Como se vê por essas considerações, os desafios para o presente não são poucos nem insignificantes. Estendidos para o futuro são ainda maiores e certamente não serão vencidos por mentalidades restritivas.

Como sintetizou um filósofo, o problema não é o medo. Mas a falta de coragem para enfrentar o medo.

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Fonte: Observatório a Imprensa. Disponível em:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=320OFC001

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Células-tronco na mídia

Debate ético ausente

Vagner Augusto Benedito (*)

É interessante ver o debate que tem acontecido ao redor da utilização das células-tronco e de ver como a mídia nunca se aprofunda na questão primeira, e sim fala da utilização dos embriões como se falasse de objetos pré-existentes.

Gostaria que a questão da pesquisa com os embriões fosse considerada a partir do começo da história: a fecundação de múltiplos embriões nas clínicas de fertilização. Essa é a razão de haver embriões não-utilizados. E por que se faz fertilização múltipla? Por razões econômicas, pois de outro modo ter-se-ia que realizar este procedimento tantas vezes quantas a mulher não engravidar!

Eu acredito que a sociedade brasileira como um todo (e não uma fração, que são os pesquisadores – na qual eu me incluo – e as famílias de potenciais beneficiários), uma vez que a questão de natureza individual do embrião antes dos 14 dias (antes de ter o sistema nervoso formado) está longe de ser consenso. E, nesse caso, num sistema justo, deve-se lembrar da máxima: in dubio pro reo. Réu, neste caso, é o embrião, que está sendo julgado se é ou não uma pessoa antes dos 14 dias.

É impressionante ver que ninguém, nem mesmo o Jornal da Cultura, tão sério e investigativo, jamais levantou esta questão, nem mesmo para debate. Há um grande silêncio sobre o porquê de existirem tantos embriões congelados, e formou-se uma unanimidade (a qual diz-se que sempre é burra!) na mídia sobre os benefícios da sua utilização.

Longe do consenso

Para mim, que trabalho com desenvolvimento em sistemas vegetais (que, apesar de suas diferenças, são sistemas eucariotos multicelulares, de células nucleadas e que obedecem a regras ontológicas básicas), fico abismado com o consenso em se utilizar células humanas, que são indivíduos em potencial.

Ademais, há células-tronco não-embrionárias como recursos de tratamento. É verdade, como disse no JC a Dra. Mayana Zatz, que essas células não têm toda a potencialidade das células embrionárias, mas o que ela escondeu foi que, se houver pesquisas, há potencial de desenvolvimento de protocolos com as células adultas, sim, embora seja um caminho mais penoso e demorado (com a vantagem, entretanto, de não se ferir de ninguém as convicções éticas – e não religiosas, como muitos dizem).

Resumindo: a utilização das células-tronco embrionárias está longe de ser um consenso ético na sociedade e sua lei foi aprovada no Congresso devido ao lobby feito por pesquisadores e potenciais usuários; ninguém se pergunta o porquê de haver muitos embriões congelados nas clínicas de fertilização (e a resposta é econômica, ficando a vida em segundo plano); e há potencial, sim, para múltiplas aplicações das células-tronco adultas, embora haja necessidade de mais pesquisa e as respostas demorarem mais (com a vantagem de não se afetar modelos éticos na sociedade como um todo).

(*) Doutor em Fisiologia Vegetal e Biologia Molecular da USP

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Fonte: Observatório da Imprensa. Disponível em:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=320OFC003 

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 Promessas e dívidas da biotecnologia 

Ao público, cabe manter a vigilância sobre o que prometem pesquisadores, governantes, ambientalistas e jornalistas

Marcelo Leite

E fez-se a luz, dirão os entusiastas incondicionais da tecnociência, após a aprovação da Lei de Biossegurança. O obscurantismo foi vencido pela Razão e o país está enfim livre para gozar das maravilhas da biotecnologia, terapias com células-tronco embrionárias e alimentos geneticamente modificados (transgênicos).

Como cautela e caldo de galinha (ainda) não fazem mal a ninguém, aqui vai mais uma frase feita: promessa é dívida. Em algum momento, os pesquisadores terão de resgatar a promissória que alguns deles emitiram em nome de pessoas como Mara Cristina Gabrilli, secretária de Portadores de Deficiência da Prefeitura de SP.

‘É um dia e tanto’, declarou ela à repórter Gilse Guedes. ‘Acredito que daqui a 3 ou 5 anos teremos condições de usar os avanços da ciência para que pessoas como eu possam recuperar os movimentos.’ Em algum momento, a tropa de choque da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) terá de pôr em marcha a Nova Revolução Verde que seus generais reabilitados não se cansam de anunciar.

Resolver o problema da fome, no Brasil e no mundo. Criar vegetais resistentes à seca e a solos tóxicos, ampliando a área agricultável. Alimentos mais nutritivos, duráveis e até terapêuticos, que tragam de fato benefícios para o público, e não só para o agricultor.

Em algum momento, os ‘derrotados’ Marina Silva e Ibama terão de levar algum caso flagrante de negligência ambiental transgênica – cometida dentro do novo ‘marco regulatório’ da biotecnologia – ao recém-criado Conselho Nacional de Biossegurança, com assentos para nove ministros.  Sem isso, ficará patenteada a frivolidade dessa mínima brecha aberta na muralha da CTNBio (aquela comissão de biossegurança do Ministério da C&T que é técnica antes de ser nacional).

Em algum momento, os inimigos dos transgênicos terão de comprovar, com dados, que a engenharia genética é inerentemente arriscada. Ou, pelo menos, que algum cultivar transgênico de largo uso acarreta danos ao ambiente pelo menos tão graves quanto a agricultura intensiva de hoje (pois de malefícios à saúde humana eles falam cada vez menos).

Até lá, o Greenpeace pode sonhar com um veto de Lula. Mesmo as placas de mármore da rampa do Planalto já sabem que o companheiro presidente fez uma opção preferencial pelo agronegócio e adotou o slogan revolucionário ‘Todo poder à CTNBio’.

‘Traição’, talvez, ao seu programa de governo, como argumenta carta-corrente difundida na internet pela Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos. Mas não ‘burrice’, ainda que o próprio Lula assim se tenha referido aos transgênicos. Parece mais esperteza, naquela intensidade que acaba engolindo o dono.

Ao público, ou seja, aos consumidores de transgênicos e de outras promessas biotecnológicas, cabe manter a vigilância sobre pesquisadores, governantes, ambientalistas e jornalistas que as propagam. Tomá-los pela palavra, pensar com a própria cabeça e parar de comer na mão de um fundamentalista qualquer. Crescer – e aparecer.

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Fonte: Folha de S.Paulo, Mais!, 6/3/05, reproduzida em JC e-mail 2720, de 07/03/2005.

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 Por enquanto, apenas um fio de esperança 

As células-tronco embrionárias humanas podem ser pesquisadas. Agora é preciso entender suas potencialidades. O financiamento é vital para o avanço das pesquisas. Depois, podemos renegociar a clonagem terapêutica 

Lygia da Veiga Pereira*

‘Dra. Lygia, com a aprovação do Projeto de Lei de Biossegurança pela Câmara dos Deputados, quantos pacientes sairão das filas de transplantes?’ Gelei com a pergunta feita em entrevista ao vivo, no dia seguinte à aprovação do uso de embriões humanos para a extração de células-tronco (CTs) embrionárias.

Ela sintetizava toda a expectativa que a luta por essa aprovação gerou no último ano. Respirei fundo e respondi: ‘Nenhum...’. Nenhum hoje, nenhum até mesmo nos próximos anos. Mas quem sabe muitos no longo prazo, agora que podemos trabalhar com CTs embrionárias humanas no Brasil.

Talvez um certo sensacionalismo faça parte do jogo e tenha sido importante para mobilizar a sociedade e os parlamentares e levar à aprovação do PL de Biossegurança.

Mas, agora que a poeira baixou, quais são as reais possibilidades das CTs embrionárias?

As CTs embrionárias são o tipo mais versátil de CTs até hoje identificadas em mamíferos. Enquanto aquelas derivadas da medula óssea ou do sangue de cordão umbilical conseguem se transformar em somente alguns tecidos, as CTs embrionárias possuem a formidável capacidade de dar origem a todos os tecidos do corpo.

Essas células não são uma novidade da ciência – desde a década de 1980 são feitas pesquisas com as CTs embrionárias de camundongos. Trabalhando com elas, descobrimos como multiplicá-las e transformá-las no laboratório em células da medula óssea, do músculo cardíaco, em neurônios, entre outras.

E mais: quando transplantadas em animais doentes, foram capazes de aliviar os sintomas de diversas doenças, desde leucemia e mal de Parkinson até paralisia causada por trauma da medula espinhal (daí o entusiasmo do Super-Homem Christopher Reeve em relação a essas células).

Em 1998 surgiram as primeiras linhagens de CTs embrionárias humanas, e junto com elas a enorme expectativa de seu uso terapêutico. Antes, porém, de começarmos testes clínicos injetando CTs embrionárias em seres humanos, temos algumas questões fundamentais que devem ser resolvidas. A primeira diz respeito à segurança dessas células. Quando injetadas em seu estado nativo em camundongos, as CTs embrionárias podem formar teratomas.

Assim, antes de as injetarmos no paciente (seja ele um camundongo ou uma pessoa), temos primeiro de induzi-las no laboratório a se transformar no tipo celular que nos interessa. Caso contrário, no organismo elas se multiplicam e podem se diferenciar descontroladamente, formando tumores.

Uma segunda questão importantíssima diz respeito à compatibilidade entre as CTs embrionárias e o paciente. Ora, em qualquer transplante é necessário existir uma compatibilidade entre doador e receptor, para que o órgão não seja rejeitado.  O mesmo deve acontecer com um transplante de CTs embrionárias. Como garantir que teremos CTs embrionárias compatíveis com todos os pacientes?

Uma forma seria criar um banco dessas células, cada uma derivada de um embrião diferente, e torcer para encontrar uma compatível com o paciente. No entanto, nossa experiência com bancos de medula óssea demonstrou que isso é extremamente difícil de conseguir. Uma alternativa seria então criar CTs embrionárias ‘sob medida’, ou seja, geneticamente idênticas ao paciente.

Com as técnicas de clonagem, podemos criar um embrião clonado do paciente e dele extrair as CTs embrionárias. Estas poderiam então gerar tecidos 100% compatíveis com o paciente. Essa técnica chama-se clonagem terapêutica e foi realizada pela primeira vez em seres humanos na Coréia no início de 2004.

É importante ressaltar que, apesar de a clonagem terapêutica resolver a questão da compatibilidade das CTs embrionárias, infelizmente ela não poderia ser utilizada em indivíduos com doenças genéticas. As CTs embrionárias geradas a partir das células desses pacientes também carregariam a doença, e por isso não seriam capazes de gerar tecidos sadios para transplante.

Assim, para o tratamento de doenças genéticas com CTs – sejam embrionárias, sejam da medula ou do sangue do cordão –, a melhor alternativa é conseguir um doador aparentado, que tem maior chance de ser compatível com o paciente.

E no Brasil, como andam as pesquisas com as CTs embrionárias?

Em 1999, com o financiamento da Fapesp, nosso grupo estabeleceu as primeiras linhagens de CTs embrionárias de camundongo totalmente made in Brasil, implantando a tecnologia no país e disponibilizando-a para outros grupos de pesquisa. Atualmente, pelo menos cinco grupos trabalham com essas células, estudando sua capacidade de transformação em diferentes tecidos, e já estão capacitados a trabalhar com as CTs embrionárias humanas – só dependiam da aprovação da Lei de Biossegurança.

Provavelmente, com toda a discussão em torno dessas células, outros grupos de pesquisa se interessarão por trabalhar com elas. Para que essas pesquisas avancem no país, será fundamental um financiamento consistente por parte dos governos estaduais e federal.

Quanto à clonagem terapêutica, a colaboração entre grupos que fazem clonagem animal e aqueles que trabalham com CTs embrionárias poderia tornar essa prática uma realidade no país. Porém, como resultado das negociações envolvidas na aprovação do PL de Biossegurança, este proíbe a clonagem terapêutica.

Não tem problema, a conquista do direito de utilizar embriões congelados para pesquisa foi um primeiro e importantíssimo passo – quem sabe, em uma segunda rodada, a clonagem terapêutica não possa ser renegociada? E, enquanto não podemos utilizá-las como agente terapêutico, temos muito a aprender com as CTs embrionárias.

Ao desvendar os mecanismos envolvidos em sua capacidade de se transformar em qualquer tipo de célula, aprendemos sobre a biologia do ser humano - esses conhecimentos básicos trarão a longo prazo grandes benefícios à saúde humana. Em conclusão, o uso terapêutico da CTs embrionárias ainda está longe de se tornar uma realidade, tanto no Brasil quanto no mundo todo.

Porém, para que exista alguma chance de isso um dia acontecer, precisamos pesquisar – e foi esse direito que adquirimos esta semana, passando de meros observadores do desenvolvimento de uma área promissora da medicina para jogadores muito competitivos. Afinal de contas, as pesquisas com CTs de medula e de cordão umbilical no Brasil são motivo de orgulho nacional. Agora poderemos fazer o mesmo, bonito, com as CTs embrionárias.

*Lygia da Veiga Pereira é livre-docente e chefe do Laboratório de Genética Molecular do Depto. de Biologia e do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP.

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Fonte: O Estado de S.Paulo, 6/3/05, reproduzida em JC e-mail 2720, de 07/03/2005.

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Grupos de pesquisa se animam para estudar embrião

Cientistas de vários Estados afirmam que transição para novas
células é viável, mas apontam incertezas

Salvador Nogueira e Reinaldo José Lopes

Em princípio, os pesquisadores brasileiros que hoje estudam o potencial terapêutico das células-tronco adultas teriam poucos problemas para se adaptar às perspectivas abertas pela nova Lei de Biossegurança. A instrumentação de laboratório e os métodos de cultivo que eles já usam são suficientes para enfrentar o desafio de transformar também as células-tronco embrionárias, em tese mais versáteis que as adultas, em futuras opções de terapia.

‘Os equipamentos são basicamente os mesmos’, contou à ‘Folha de SP’ Rosalia Mendez Otero, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ. Otero e seus colegas Radovan Borojevic e Hans Dohmann (este do Hospital Pró-Cardíaco, também no Rio) ganham manchetes desde 2002, graças à recuperação de pacientes cardíacos terminais com células-tronco adultas da medula óssea.

‘Nossa idéia é continuar com os protocolos clínicos que já temos e compará-los com as células embrionárias – mas primeiro só com modelos experimentais [em laboratório e com animais]’, diz. Esse, aliás, é o xis da questão: a promessa das células-tronco embrionárias como arma contra diabetes, mal de Parkinson e uma infinidade de doenças ainda precisa ser testada e retestada com esses modelos de laboratório.

Em tese, as células-tronco embrionárias poderiam ser usadas para ‘fabricar’ qualquer tecido do organismo, dos neurônios do cérebro às unhas do dedão do pé. Elas surgem quando os mamíferos (e o homem) não passam de uma bolinha oca de umas cem células, com cinco dias de vida.

Segundo a maioria dos pesquisadores, elas seriam ainda mais poderosas do que as células-tronco adultas, mas eles ainda sabem muito pouco sobre como fazê-las se transformar nos tecidos que desejam ou evitar que causem efeitos indesejados, como câncer. O que não impediu os pesquisadores brasileiros de ganhar experiência na área muito antes da liberação dos estudos com embriões humanos. Para os grupos que trabalhavam com células-tronco embrionárias derivadas de animais, o esforço agora permitido ganha cara de continuidade.

Experiência prévia

‘Eu já tinha um bocado de experiência com células-tronco de camundongo. Agora queremos fazer a mesma coisa com embriões humanos’, diz Eliana Abdelhay, do Inca (Instituto Nacional de Câncer), no RJ. Usando roedores como modelo, a equipe se concentrava em desenvolver as chamadas células CD34, consideradas as ‘mães’ de todos os componentes do sangue.

Outro grupo que segue a mesma linha de pesquisa é o de Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da USP. Ela já havia conduzido experimentos com células-tronco de camundongo e havia iniciado recentemente testes com linhagens celulares derivadas de embriões humanos. O material foi importado dos EUA, do laboratório de Douglas Melton, da Universidade Harvard.

O pesquisador, que tem um filho diabético, conseguiu estudar as células mesmo sem o apoio do governo americano, que proíbe esse tipo de pesquisa, e ainda distribuiu de graça linhagens delas pelo mundo. Ricardo Ribeiro dos Santos, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) da Bahia, também já usava as células de Melton. Com a aprovação da lei, ele é um dos que pretendem derivar linhagens embrionárias tupiniquins.

Cautela e canja de galinha

Santos mostra uma cautela saudável em relação à expectativa que a nova legislação criou. ‘Essa mudança vai ser importante do ponto de vista de pesquisa, mas o reflexo para os pacientes, por enquanto, vai ser muito pequeno’, adverte. ‘Serão necessários pelo menos quatro ou cinco anos de pesquisa antes que eu consiga obter autorização para testar algum tipo de tratamento, e isso é porque eu estou num hospital’, complementa Abdelhay.

A equipe de Santos também deve manter esforços paralelos nas frentes adulta e embrionária.  O pesquisador já tratou com sucesso doentes com mal de Chagas e está esperando autorização da Conep (Comitê Nacional de Ética em Pesquisa) para tentar o mesmo em pessoas que precisam de transplante de fígado.

Já Mayana Zatz, chefe do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, pretende desenvolver linhagens que ajudem a combater as distrofias musculares, doenças sem cura causadas por defeitos genéticos. A busca de tratamentos, no entanto, não é a única motivação por trás do estudo das células-tronco embrionárias. Muitas vezes, antes que se desenvolva uma cura, é preciso entender como a doença se desenvolve.

Para esses casos, é útil usar o embrião como modelo em miniatura do que vai acontecer com o organismo adulto.  A idéia, impulsionada pela possibilidade de clonar embriões a partir do DNA de pessoas com a doença (técnica proibida no Brasil, mas liberada em países como o Reino Unido), é o foco atual das pesquisas de Ian Wilmut, do Instituto Roslin, o criador da ovelha clonada Dolly.

Testes humanos ainda são muito arriscados

Nenhum tumor é presença agradável no organismo de alguém, mas o chamado teratoma (‘monstruosidade’, em grego latinizado) provavelmente ganha o prêmio de mais assustador: uma maçaroca de todos os tecidos possíveis, de músculo a dentes completamente formados. Pois o aparecimento desse tipo de aberração celular é uma ocorrência comum nos atuais estudos com células-tronco embrionárias. E não é só isso.

O teratoma é o resultado mais comum de injetar essas células num animal antes que elas estejam diferenciadas -ou seja, antes que já tenham assumido pelo menos parte das funções do tecido que se quer reconstruir. ‘Mas pode acontecer que você consiga diferenciar as células, e elas se ‘desdiferenciem’ depois mesmo assim’, conta Rosalia Otero.

É uma das dificuldades do tortuoso caminho que pode conduzir a uma terapia. Outras também são comuns.  Para começar, ninguém sabe direito como induzir as culturas de célula a evoluir para o tecido que se quer. ‘Para quem não tem muita prática, funciona muito pouco. O processo é totalmente empírico, depende de tentativa e erro’, afirma Eliana Abdelhay.

‘E mesmo assim não funciona sempre, ou na mão de qualquer um.’ E, paradoxalmente, também é um pesadelo laboratorial (e financeiro) ‘segurar’ a diferenciação das linhagens para que elas possam ser usadas constantemente.‘Elas basicamente fazem o que querem’, diz Ricardo Ribeiro dos Santos.

‘Uma das substâncias usadas para mantê-las indiferenciadas, o LIF [fator inibidor de leucemia, na sigla inglesa], custa US$ 2.000 o frasco. E ele é só uma das substâncias utilizadas para isso’, conta o pesquisador. Com tantas chances de que algo dê muito errado no meio do caminho, pode-se imaginar que a demanda por embriões será alta. ‘Acho que vai haver uma corrida por embriões, como existe com tudo’, conclui Abdelhay.

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Fonte: Folha de S.Paulo, 6/3/05, reproduzida em JC e-mail 2720, de 07/03/2005.

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Brasileiros pesquisam linhagens americanas 

Pelo menos dois grupos de pesquisa brasileiros já trabalham com células-tronco embrionárias. Seus líderes são Lygia da Veiga Pereira, da USP, e Ricardo Ribeiro dos Santos, da Fundação Oswaldo Cruz da Bahia

As linhagens usadas por eles são importadas dos EUA, onde um cientista as produz e distribui para vários países. O cientista é Douglas Melton, da Universidade Harvard. Ele conseguiu financiamento privado para montar um centro de pesquisa de células-tronco embrionárias e, em 2004, anunciou que havia derivado 17 novas linhagens e que iria distribuí-las – de graça – para quem se interessasse.

Melton tem uma motivação pessoal para pesquisar as células de embriões: ele tem um filho portador de diabetes, doença que a princípio não poderia ser curada com células-tronco adultas (pois elas não foram encontradas no pâncreas, órgão que falha nos diabéticos). Ao mesmo tempo, seu país possui uma das legislações mais restritivas do planeta sobre células-tronco.

Pela norma americana, é proibido usar verba federal para pesquisar células-tronco embrionárias, com a exceção de 19 linhagens que já haviam sido derivadas antes do governo George W. Bush. Essas linhagens, no entanto, têm baixo potencial terapêutico. No fim do ano passado, o Estado da Califórnia aprovou a destinação de US$ 3 bilhões por dez anos para pesquisar células-tronco.

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Fonte: Folha de S.Paulo, 5/3/05, reproduzida em JC e-mail 2720, de 07/03/2005.

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É preciso domar células de embrião 

Controlar o caminho que elas fazem no organismo e o tipo de tecido em que se transformam é desafio para médicos e cientistas

Clarissa Thomé com a colaboração de Biaggio Talento e Brás Henrique

Médicos e cientistas terão de domar as células-tronco embrionárias antes de iniciar os testes nos pacientes. A maior dificuldade dos pesquisadores é controlar o caminho que esse tipo de célula faz no organismo e o tipo de tecido em que elas se transformam. A expectativa mais otimista é de que as pesquisas iniciais durem cinco anos.

‘Muita coisa precisa ser feita. Ainda vamos ter de testar em animais, voltar para a bancada do laboratório e novamente experimentar em cobaias. Não é imediato’, diz o cardiologista Hans Fernando Dohmann, que estuda terapias com células-tronco adultas há cinco anos. Dohmann diz que os pesquisadores terão de aprender a ‘dominar’ as células embrionárias.

‘Nas pesquisas internacionais há uma porcentagem significante de células embrionárias que se transformam em tecidos diferentes do que se quer’, afirma. O médico coordena três linhas de pesquisa com células-tronco adultas, numa parceria do hospital Pró-Cardíaco, onde trabalha, e a UFRJ.

O primeiro trabalho, com 26 pacientes que sofriam de cardiopatia crônica, mostrou que 19 se recuperaram, 3 morreram e 2 não tiveram mudança do quadro clínico. ‘É um número excepcional. O coração não se recupera por medicina convencional’, avalia. O representante comercial Nelson Águia, de 71 anos, foi o primeiro paciente dessa pesquisa. Ele tinha 70% do coração necrosado, após sofrer dois enfartes e colocar cinco pontes de safena e duas mamárias. Hoje, seu coração está recuperado. Ele voltou a trabalhar e a praticar exercícios.

O Pró-Cardíaco e a UFRJ pesquisam ainda a recuperação de pacientes que sofreram enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, mas os estudos são recentes. A equipe do cardiologista tem outras seis pesquisas com células adultas que ainda estão na fase de testes de laboratório.

Chefe do Depto. de Ensino e Pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras (INCL), Antônio Carlos Campos Carvalho também ressalta que a aprovação da Lei de Biossegurança não representa mudança imediata nem afeta as pesquisas com células adultas em andamento.

‘Não temos condições de usar as células embrionárias no tratamento de pacientes porque, justamente por serem tão versáteis e se transformarem em todos os tecidos do organismo, há enorme dificuldade para controlá-las. Seria uma temeridade implantar células embrionárias hoje porque elas poderiam até gerar tumores’, afirmou Carvalho.

Ele coordena pesquisa com 1.200 pacientes para investigar a atuação das células-tronco adultas em quatro tipos de doenças cardíacas. O INCL já tem projeto de pesquisa para as células embrionárias. ‘Temos interesse em utilizar as células embrionárias para gerar o músculo cardíaco in vitro e começar a entender os mecanismos e fatores que possam induzir maior diferenciação das células-tronco em músculo cardíaco. Seria mais seguro injetar no coração uma célula pré-diferenciada em músculo cardíaco do que a célula embrionária.’

Estudo nacional

O coordenador da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Júlio Voltarelli, vem testando, com sucesso, o uso de células-tronco para combater a esclerose lateral amiotrófica e a diabete do tipo 1, que atinge crianças, jovens e adultos até os 35 anos.

Sobre o uso futuro de células embrionárias, ele diz que ainda é cedo para falar nisso. ‘Da noite para o dia não é possível fazer pesquisa no laboratório e já partir para a clínica e tratar o paciente; são várias etapas a serem cumpridas’, afirma. Mas ressalta a importância da pesquisa: ‘Pela primeira vez, os cientistas brasileiros vão poder trabalhar nos laboratórios e nas clínicas com tranqüilidade.’

Na Bahia, os médicos estão usando células-tronco para o tratamento de pacientes com mal de Chagas. Os resultados da pesquisa baiana incentivaram o Ministério da Saúde a patrocinar um estudo nacional com 1.200 portadores de quatro enfermidades: enfarte do miocárdio, doença isquêmica crônica do coração, cardiomiopatia dilatada e cardiopatia chagásica.

Batizado de Estudo Multicêntrico Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias, a pesquisa nacional, prevista para começar no fim de abril, será coordenada pelos núcleos da Fiocruz do Rio e de Salvador. A verba para o estudo é de R$ 13 milhões, já incluída no orçamento do ministério.

Segundo o médico Joel Pinho, da equipe do projeto, a aprovação da pesquisa das células-tronco embrionárias pelo Congresso foi muito importante para a comunidade cientifica pelas possibilidades da abertura de ‘muitas portas’. Pinho explicou que o Estudo Multicêntrico representará um avanço no tratamento de doenças cardíacas com células-tronco.

‘Vamos acompanhar dois grupos distintos de pacientes: um que vai se submeter ao tratamento convencional e outro com o transplante de células-tronco e isso vai nos permitir ter um quadro mais completo sobre essa nova técnica’, explica.

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Fonte: O Estado de S.Paulo, 6/3/05, reproduzida em JC e-mail 2720, de 07/03/2005. 

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Não importa saber se embriões têm alma 

Talvez não seja absolutamente inquestionável que um embrião humano de três a cinco dias seja uma vida humana. Mas também não é absolutamente inquestionável que não seja 

Gustavo Smiderle*

Se toda a sociedade fosse obrigada a pautar-se por convicções religiosas específicas, seria o caso de proibir o consumo de carne bovina, em deferência a respeitáveis tradições religiosas orientais, e de abolir as transfusões de sangue, em consideração às Testemunhas de Jeová.

Seria também o caso de proibir a fabricação de preservativos, em atenção à CNBB e ao Papa. Felizmente a sociedade brasileira é laica, e cada indivíduo pode adotar e professar o credo que bem entender, inclusive nenhum.

Mas, ao contrário do que se tem dito à exaustão, a recente decisão quanto ao uso de embriões humanos para fins científicos e terapêuticos está longe de ser considerada tão simples quanto o consumo de carne de vaca ou o uso de preservativos.

Se o embrião tem ou não alma, não importa a cientistas nem a legisladores. A questão importante e ainda não esgotada é se ele tem ou não status de ser humano. Os argumentos a favor do desenvolvimento de pesquisas com células-tronco são indiscutíveis do ponto de vista dos fins, mas não encaram de frente o dilema ético.

A alegação de que os embriões serão de qualquer forma descartados seria praticamente inquestionável, desde que fosse para valer. Sabemos todos que não é para valer porque não está em discussão a geração de novos embriões destinados ao descarte.

Talvez não seja absolutamente inquestionável que um embrião humano de três a cinco dias seja uma vida humana. Mas também não é absolutamente inquestionável que não seja. Prova disto é o acúmulo de embriões congelados nas clínicas de fertilização, que de outra forma poderiam ter sido descartados sem maiores considerações.

É verdade que nossa civilização ocidental tende a expurgar toda forma de encantamento em sua forma de ver o mundo. Do ponto de vista moderno, as coisas são o que são; não há qualquer traço de transcendência. Mas isto não significa que já não haja coisas sagradas para o conjunto de nós ocidentais.

Continua havendo coisas que todos nós consideramos sagradas, ainda que sem o viés sobrenatural próprio das religiões. E uma dessas coisas é a vida humana, como testemunha a Declaração dos Direitos do Homem, que se pretende universal.

A questão é difícil. Assim como não foi simples dizer sim às pesquisas, tampouco o seria dizer não. Mas, caso estejamos de fato diante de vidas humanas, estaremos diante do incontornável e do inegociável. 

*Gustavo Smiderle, jornalista, mestre em Políticas Sociais, é assessor de Comunicação da Uenf. 

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Fonte: JC e-mail 2720, de 07/03/2005. 

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Expectativa com células-tronco gera superoferta de
"cobaias" para estudos


Doentes aproveitam a aprovação da Lei de Biossegurança e se oferecem para experimentar novas terapias

Cláudia Collucci

O comerciante José Roberto, de Santa Cruz do Capibaribe (PE), ficou paraplégico após um tiro. Marcia, de Curitiba, tem um filho com diabetes tipo 1. Ricardo, 23, de Salvador, é portador de insuficiência renal crônica. Fernando, 16, de São Paulo, tem uma doença neurodegenerativa que o deixou cego e agora compromete a fala.

Assim como essas pessoas, outras milhares procuram -por e-mail, carta e telefone- os centros especializados em terapia celular ligados às universidades públicas oferecendo elas próprias ou parentes como "cobaias" humanas em pesquisas com células-tronco (CTs) embrionárias, recém-aprovadas pela Lei de Biossegurança.

Um médico da USP de Ribeirão Preto (SP) recebeu 7.000 e-mails nos últimos dois meses. No Hospital das Clínicas de Ribeirão e de São Paulo, são quase 400 mensagens por dia, de todo o país.

Mas o uso terapêutico das células-tronco embrionárias está longe de ser realidade, no Brasil e no resto do mundo. Não há previsão de quando vão se iniciar as pesquisas clínicas nem quais as doenças potencialmente tratáveis.

Os estudos e os tratamentos experimentais com células-tronco da medula óssea ou do cordão umbilical estão mais avançados, com cirurgias bem-sucedidas em cardiologia e neurologia.
"Gerou-se uma expectativa enorme. Pessoas que já não tinham esperança estão vendo uma luz no fim do túnel. Mas não podemos dizer que há tratamento. Não podemos criar falsas ilusões", afirma Dimas Tadeu Covas, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão.

Hoje há ao menos cinco grupos trabalhando com CTs embrionárias de camundongos e estariam, em tese, habilitados a trabalhar com as humanas após a sanção da lei pelo presidente Lula. Porém, não há previsão de pesquisas clínicas nos próximos cinco anos.
Para Lygia da Veiga Pereira, chefe do Laboratório de Genética Molecular do Departamento de Biologia da USP de São Paulo, há ainda muito o que aprender com as CTs antes de serem usadas como tratamento de doenças.

Uma das preocupações é com a segurança dessa terapia. Nas pesquisas experimentais com camundongos, os cientistas já perceberam que, quando injetadas em seu estado nativo, as CTs embrionárias podem se multiplicar e se diferenciar descontroladamente, formando tumores.

"Antes de injetarmos essas células no paciente, temos que induzi-las no laboratório a se transformar no tipo celular que nos interessa", explica Pereira.
Outra questão diz respeito à compatibilidade entre as CTs embrionárias e o paciente. Em todo transplante é necessário existir uma compatibilidade entre doador e receptor para que o órgão não seja rejeitado. O mesmo deve acontecer com um transplante de CTs embrionárias.

"Uma alternativa seria então criar CTs embrionárias "sob medida", ou seja, geneticamente idênticas ao paciente. Com as técnicas de clonagem, podemos criar um embrião clonado do paciente e dele extrair as CTs embrionárias. Poderiam gerar tecidos 100% compatíveis", afirma Pereira.

A técnica se chama clonagem terapêutica, mas foi vetada pela Lei de Biossegurança.
Mesmo que fosse permitida, a clonagem terapêutica não poderia ser utilizada em indivíduos com doenças genéticas porque as CTs embrionárias geradas a partir das células desses pacientes também carregariam a doença e, por isso, não seriam capazes de gerar tecidos sadios para transplante.

"A melhor alternativa para esses casos é ainda conseguir um doador aparentado, que tem maior chance de ser compatível."

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Fonte: Folha de S.Paulo, 26/03/2005 – disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2603200501.htm

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Expectativa com células-tronco gera superoferta de
cobaias para estudos 

Doentes aproveitam a aprovação da Lei de Biossegurança e se oferecem para experimentar novas terapias

Cláudia Collucci

O comerciante José Roberto, de Santa Cruz do Capibaribe (PE), ficou paraplégico após um tiro. Marcia, de Curitiba, tem um filho com diabetes tipo 1. Ricardo, 23, de Salvador, é portador de insuficiência renal crônica. Fernando, 16, de SP, tem uma doença neurodegenerativa que o deixou cego e agora compromete a fala.

Assim como essas pessoas, outras milhares procuram -por e-mail, carta e telefone- os centros especializados em terapia celular ligados às Universidades públicas oferecendo elas próprias ou parentes comocobaias’ humanas em pesquisas com células-tronco (CTs) embrionárias, recém-aprovadas pela Lei de Biossegurança.

Um médico da USP de Ribeirão Preto (SP) recebeu 7.000 e-mails nos últimos dois meses. No Hospital das Clínicas de Ribeirão e de SP, são quase 400 mensagens por dia, de todo o país. Mas o uso terapêutico das células-tronco embrionárias está longe de ser realidade, no Brasil e no resto do mundo. Não previsão de quando vão se iniciar as pesquisas clínicas nem quais as doenças potencialmente tratáveis.

Os estudos e os tratamentos experimentais com células-tronco da medula óssea ou do cordão umbilical estão mais avançados, com cirurgias bem-sucedidas em cardiologia e neurologia. ‘Gerou-se uma expectativa enorme. Pessoas que não tinham esperança estão vendo uma luz no fim do túnel. Mas não podemos dizer que tratamento. Não podemos criar falsas ilusões’, afirma Dimas Tadeu Covas, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão.

Hoje há ao menos cinco grupos trabalhando com CTs embrionárias de camundongos e estariam, em tese, habilitados a trabalhar com as humanas após a sanção da lei pelo presidente Lula. Porém, não previsão de pesquisas clínicas nos próximos cinco anos.

Para Lygia da Veiga Pereira, chefe do Laboratório de Genética Molecular do Depto. de Biologia da USP de SP, há ainda muito o que aprender com as CTs antes de serem usadas como tratamento de doenças. Uma das preocupações é com a segurança dessa terapia. Nas pesquisas experimentais com camundongos, os cientistas perceberam que, quando injetadas em seu estado nativo, as CTs embrionárias podem se multiplicar e se diferenciar descontroladamente, formando tumores. ‘Antes de injetarmos essas células no paciente, temos que induzi-las no laboratório a se transformar no tipo celular que nos interessa’, explica Lygia.

Outra questão diz respeito à compatibilidade entre as CTs embrionárias e o paciente. Em todo transplante é necessário existir uma compatibilidade entre doador e receptor para que o órgão não seja rejeitado. O mesmo deve acontecer com um transplante de CTs embrionárias. ‘Uma alternativa seria então criar CTs embrionárias ‘sob medida’, ou seja, geneticamente idênticas ao paciente. Com as técnicas de clonagem, podemos criar um embrião clonado do paciente e dele extrair as CTs embrionárias. Poderiam gerar tecidos 100% compatíveis’, afirma Lygia.

A técnica se chama clonagem terapêutica, mas foi vetada pela Lei de Biossegurança. Mesmo que fosse permitida, a clonagem terapêutica não poderia ser usada em indivíduos com doenças genéticas porque as CTs embrionárias geradas a partir das células desses pacientes também carregariam a doença e, por isso, não seriam capazes de gerar tecidos sadios para transplante.

‘A
melhor alternativa para esses casos é ainda conseguir um doador aparentado, que tem maior chance de ser compatível.’ (Folha de SP, 26/3),

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Fonte: Folha de S. Paulo (26/03/2005)

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EUA vão votar projeto sobre células-tronco

Líderes da Câmara de Representantes dos EUA concordaram em votar um projeto de lei que derruba algumas restrições impostas pelo presidente George W. Bush às pesquisas com células-tronco embrionárias. A votação, que deve ocorrer em dois ou três meses, poderá ser a primeira iniciativa contrária à política de Bush.
(O
Estado de SP, 26/3) 

Austrália libera pesquisas com células-tronco

Governo australiano autorizou na sexta-feira a realização de pesquisas com células-tronco embrionárias. A decisão foi informada pelo primeiro-ministro John Howard, que resolveu não prolongar uma proibição de três anos, criada em 2002, sobre o uso de embriões armazenados em clínicas de fertilização. Continua proibida, porém, a produção de embriões para fins científicos.
(O
Estado de SP, 27/3)

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Fonte: JC e-mail 2734, de 28 de Março de 2005.

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Total de embriões é um décimo do previsto 

Censo conduzido por clínicas revê de 30 mil para 3.000 o número de embriões disponíveis para pesquisa

Cláudia Collucci

Censo realizado pela SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida) revela a existência de 9.914 embriões congelados nas 15 maiores clínicas de reprodução brasileiras. Desses, 3.219 estão congelados há mais de três anos, critério essencial para a utilização em pesquisas com células-tronco (CTs) embrionárias aprovadas pela Lei de Biossegurança.

O número representa, no máximo, um décimo do estimado pelos cientistas durante a tramitação da lei no Senado, em 2004. No ano passado, eles previram contar com 30 mil embriões nessas condições. Hoje, eles próprios admitem que o número foi ‘chutado’ por pesquisadores envolvidos nas pressões para que as pesquisas fossem aprovadas no Congresso.

Não acho que era essa [30 mil] a expectativa real de toda a comunidade científica. Sem dúvida, 3.000 é muito menos [do que se imaginava], mas é um excelente começo’, afirma a geneticista Lygia da Veiga Pereira, do Centro de Estudos do Genoma Humano, da USP de SP.

Segundo a ginecologista Maria do Carmo Borges, presidente da SBRA, ainda não se sabe quantos dos embriões congelados há mais de três anos estariam disponíveis para a pesquisa. Ainda é preciso que os progenitores desses embriões formalizem a doação.

Para fazer o levantamento, foram enviados questionários para 45 clínicas de reprodução filiadas à Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida. Dessas, 15 responderam à solicitação. Apesar de a amostragem representar apenas 33% das centros de reprodução, a médica considera o númerobem próximo do real porque, em geral, as maiores clínicas congelam embriões. ‘É o único número oficial que existe. E [os dados] foram passados pelas maiores clínicas brasileiras.’

Consentimento

A
orientação da sociedade é que, a partir de agora, o termo de consentimento assinado pelos casais inclua a opção de doação do embrião para pesquisa. Em geral, dos atuais termos constam a doação para um outro casal ou a manutenção do congelamento.

A clínica Fertility é uma das exceções. Há cinco anos, o termo de consentimento informado elenca uma série de situações, entre elas a doação dos embriões para pesquisa e o que o casal pretende fazer com esse material em caso de morte ou separação dos cônjuges.

Segundo Edson Borges Júnior, independentemente desse termo, os casais serão novamente procurados para reforçar a sua opção pela doação. No caso de embriõesórfãos’ (que foram abandonados nas clínicas), ele afirma que poderá utilizar apenas o primeiro termo assinado. Ele tem 250 embriões nessa situação.

Antes de entregar os embriões para a pesquisa, o médico Eduardo Motta, professor da Unifesp (Universidade Federal de SP), afirma que irá se certificar sobre a idoneidade dos grupos científicos e vai priorizar aqueles que desenvolvam pesquisas com linhagens de células reprodutivas. ‘Não vou doar para o primeiro cara que aparecer’, diz.

Para Lygia Pereira, será fundamental estabelecer parcerias entre os grupos científicos interessados em estabelecer as linhagens celulares e as clínicas. ‘Além do mais, as clínicas estão muito mais capacitadas para cultivar esses embriões do que os laboratórios acadêmicos’, afirma.

Na sua opinião, antes de começar a colocar os embriões em cultura para tentar obter células-tronco embrionárias, os grupos precisam demonstrar experiência prévia com a manipulação dos embriões. ‘O cultivo das CTs embrionárias não é nada trivial. É muito diferente da cultura de células tradicional.’

O laboratório de Pereira é um dos centros habilitados a trabalhar com células-tronco embrionárias humanas. Ela desenvolve pesquisas com células de camundongo e com células humanas importadas dos EUA. Para o urologista Roger Abdelmassih, os cientistas devem se surpreender com a má qualidade dos embriões congelados.

‘Tem muita porcaria que não vai servir.’ Na avaliação de Lygia Pereira, os cientistas contam com uma perda significativa com o processo de descongelamento dos embriões.

‘Dos sobreviventes, um parte conseguirá se desenvolver. Por isso, é importante que essa pesquisa comece de forma responsável, para não desperdiçarmos os poucos recursos que temos aqui no Brasil.’ 

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Fonte: Folha de S.Paulo, 31/3/05, reproduzida pelo JC e-mail 2737, de 31/03/2005.

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