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Sociedade tolera cada vez mais os homens que choram
Expressar a sensibilidade as emoções deixa de ser uma exclusividade das mulheres

 

Cruz Blanco
Em Madri

 

O pranto de Rafa Benítez diante das câmeras percorreu a Espanha. Naquele primeiro dia de junho, o ex-treinador do Valencia não pôde terminar seu discurso de despedida para os jornalistas. Benítez se demitia em um estado semidepressivo, depois de uma longa etapa de "negação", como relatou pouco depois seu ajudante, Antonio López.

Algumas semanas antes, durante as jornadas sobre o assédio moral no trabalho realizadas em El Ferrol, um cozinheiro passou por uma situação semelhante: não conseguiu terminar o relato do pesadelo que havia vivido em seu trabalho depois de anos de assédio. Explodiu em soluços e passou ao silêncio.

Há pais separados que choram publicamente quando se referem às dificuldades que enfrentam para poder ver seus filhos, e príncipes herdeiros como Frederico da Dinamarca ou Laurent da Bélgica que não escondem as lágrimas de emoção no dia do casamento.

Tampouco se conteve Iñaki Urdangarín durante o enterro das vítimas do atentado de 11 de março em Madri. De certo modo, o rei Juan Carlos contribuiu para levantar o véu do pranto na Espanha quando as lágrimas brotaram de seus olhos no funeral de seu pai, dom Juan de Bourbon.

Ficaram para trás os dias da reprimenda materna a Boabdil. Nos últimos tempos, parece que muitos homens já não sucumbem aos efeitos do discurso "chorar é para meninas; meninos não choram".

Os toureiros e futebolistas sempre desfrutaram de uma pequena licença. Mas e o comum dos mortais masculinos? No máximo se tolerava uma tímida lágrima em momentos de luto, de funerais... As conseqüências de uma guerra, de um atentado terrorista ou uma catástrofe também faziam parte do terreno da permissividade. Agora, isso de chorar em público por puras razões sentimentais, emocionais, não era bem visto.

Desde o final dos anos 60, quando se combateram com força os comportamentos sexistas, tornou-se evidente que os tempos estavam mudando quanto à expressão de sentimentos e da divisão dos papéis masculino e feminino.

Pouco a pouco, as amarras do machismo foram se afrouxando. Em 1965, a letra de uma canção dos irmãos García Segura levava o título "Os homens também choram". É a história de um adeus definitivo, da perda de um amor.

Emoção e depressão


É importante distinguir, porém, segundo a psicanalista Paloma Morera, entre a emoção e a depressão. "Hoje há mais homens que se deprimem porque estão sofrendo. Por questões de trabalho, de separação da mulher... Para muitos, separar-se significa ficar despossuídos de tudo, da casa, dos filhos..."

Morera salienta que a precariedade atual está fazendo com que todos voltem a ser vulneráveis, e nesse estado de fragilidade é mais fácil que aflorem as fraquezas e as emoções. "Vivemos em uma ameaça contínua", afirma. "Trabalho precário, insegurança sobre o futuro. Por um lado avisam que as empresas podem aposentar a partir dos 50 anos. Por outro, que será preciso trabalhar até os 70... Uma incerteza permanente."

Quando o que invade o indivíduo é a depressão, as lágrimas têm curso livre 24 horas por dia.

Dados de um artigo do jornal argentino "Clarín" publicados no website da revista latino-americana "Mujeres Hoy" em janeiro de 2004, apresentam os resultados de um estudo realizado pelo pesquisadores e fisiólogo americano William Frey, autor do livro "Chorar, o mistério das lágrimas".

Esse estudo afirma que os homens choram quatro vezes menos que as mulheres, mas que o fazem mais que antes. Segundo o professor da Universidade de Iowa (EUA) e autor do ensaio "O choro. História cultural das lágrimas", Tom Lutz, o fato de o homem ser qualificado como uma pessoa sensível hoje é uma vitória e até pode ser interpretado como um sinal de força.

Essa mudança de comportamentos e sua correspondente aceitação social não ocorreu isoladamente. Hoje, muitos homens estão mais capacitados a aceitar sua posição de inferioridade nas relações afetivas, quando isso ocorre.

O primeiro estudo realizado pelo Conselho Geral do Poder Judiciário da Espanha indica que em 2003 foram julgados por violência doméstica 50.450 homens, mas nesse ano também houve vítimas masculinas: 6.718 mulheres foram julgadas por violência e 2.600 delas foram condenadas.

Quando um ferido chega ao pronto-socorro, tende a dizer: "Caí". Assim como ocorre com muitas das vítimas femininas, eles também sentem vergonha e evitam admitir sua situação.

"Todo maltratado por sua mulher vive exatamente os mesmos medos e vergonhas que uma maltratada, mas a sociedade machista faz com que ele se envergonhe mais na hora de contar e denunciar", indica Vilma Chauca, advogada da Associação de Mulheres Juristas Themis. Em ambos os casos, ocorre um abuso de poder exercido com manobras de perversão psicológica e relacionado principalmente a uma dependência econômica.

Em 18 anos dedicados a casos de maus-tratos, Chauca só teve um de homem. "As mulheres vão se sentindo mais livres para denunciar. O homem ainda tem um caminho a percorrer. Mas sua síndrome e seus sintomas são exatamente os mesmos que manifesta a mulher", diz a advogada. "No caso que eu tive", lembra, "me deu muito trabalho convencê-lo de que estava sendo maltratado.

Mesmo quando recebeu um golpe na cabeça com uma tábua ele se atribuiu a culpa. Pensava estar fazendo algo errado, como ocorre com tantas mulheres. Afinal acabou se convencendo de que estava casado com uma louca."

Uma pequena amostra sentimental

Em 1999, Tony Leblanc recebeu o prêmio Goya da Academia de Cinema Espanhola banhado em suas próprias lágrimas e de lenço na mão. Para que enumerar os repetidos atos emotivos do aluno da Operação Triunfo (o programa "Fama" da TV espanhola) David Bustamante? E como chorou Farruquito quando pediu perdão por ter fugido depois de atropelar um homem?

A lista de esportistas é interminável: o roliço campeão mundial de lançamento de peso C. J. Hunter, apanhado em um controle antidoping nos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000; Santiago Cañizares quando o Bayern de Munique lhe marcou um pênalti na final da Liga dos Campeões (2001, Milão); Ronaldo... Dario Silva... O atleta britânico de salto tríplice Jonathan Edwards (2003, Paris), o tenista Andy Roddick, de alegria, quando derrotou Juan Carlos Ferrero em Nova York (2003). E muitos mais.

Em setembro de 2000, Mikhail Gorbachev enxugou as lágrimas junto ao monumento de sua esposa Raíssa em um cemitério de Moscou. Luiz Inácio Lula da Silva chorou quando recebeu o diploma do Tribunal de Justiça Eleitoral em Brasília, pouco antes de tomar posse de seu cargo como presidente do Brasil em 2003; Boris Ieltsin cobriu as lágrimas com os dedos ao presenciar um desfile comemorativo do 54º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial.

Julio Anguita chorou ao ceder seu lugar de secretário-geral do Partido Comunista; Clinton, pelas vítimas dos atentados no Quênia e na Tanzânia em 1998; Helmut Kohl, durante o funeral do ex-presidente da República da França, François Mitterrand. Até Pinochet deu rédeas soltas às lágrimas quando deixou a cúpula do exército do Chile! E Bush pelos atentados contra as Torres Gêmeas.

Fonte: El País

Data: 21/07/2004

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