Crônicas Cadastre-se!!! Links parceiros Links

Links Humor

Complexidade singular 


Células verdes espalhadas pelos neurônios indicam que mesmo dois animais geneticamente idênticos terão cérebros diferentes, por causa do ambiente (foto: Alysson Muotri)
 

Por Washington Castilhos

Na década de 1950, a cientista norte-americana Barbara McClintock empreendeu uma espetacular descoberta no campo genético: os “genes saltadores”. Suas idéias não foram bem recebidas na época e ela só receberia o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina por seu trabalho em 1983.

Agora, já em um novo século, um estudo liderado pelo cientista brasileiro Alysson Renato Muotri, do Instituto Salk de San Diego, nos Estados Unidos, mostra pela primeira vez que esses “genes saltadores”, elementos móveis de DNA, se movimentam no cérebro e são responsáveis pela diversidade dos neurônios. Isso faz com que os humanos exerçam habilidades mentais maiores, como cálculos complexos e abstratos, tornando-os diferentes de outros animais e mesmo entre os de sua espécie.

A descoberta, publicada pela revista Nature, abre caminhos para a ciência explicar a singularidade do cérebro de cada indivíduo, descobrir a origem da consciência humana e da memória e ainda trazer explicações sobre doenças neurológicas, como o autismo e a esquizofrenia, que ainda têm suas causas desconhecidas. Os L1, como são chamados os mecanismos saltadores, existem em todas as células do corpo humano.

“O que já foi provado é que o L1 pula em células germinativas e em câncer. Nunca ninguém tinha visto pulos em células somáticas, principalmente no cérebro”, explica Muotri. “Sempre se acreditou que eles se movimentavam apenas em testículos e ovários e que eram ‘genes egoístas’, por só se preocupar em se reproduzir. Mas eles foram selecionados e estão presentes no nosso genoma até hoje. Isso significa que eles têm uma função e não são apenas "DNA lixo". Eles vivem em harmonia com os outros genes, não é parasitismo, é mutualismo. O que estamos propondo é que o ‘impacto’ deles no genoma pode gerar diversidade neuronal.”

Os cientistas sabem que somente 3% dos neurônios gerados são aproveitados pelo cérebro adulto. “Qual a razão de produzirmos milhares de neurônios idênticos se somente alguns serão usados?”, questiona Muotri. “A idéia é que eles não são iguais, mas diferentes entre si, e a rede neuronal aproveita somente o melhor deles em determinada ocasião. Isso também deve ter levado à origem da consciência e às melhorias do sistema de memória.”

Os L1, por meio de um processo chamado retrotransposição, são capazes de fazer uma cópia deles mesmos e inseri-la em outro lugar do DNA. Sempre se acreditou que sua mobilização era exclusivamente ruim, pois ao “pular” eles acabavam por se inserir dentro ou perto de genes importantes ou deletérios, matando a célula ou alterando a expressão gênica, levando a um processo cancerígeno, por exemplo.

“No cérebro eles aparentemente pulam de forma não-aleatória, ou seja, eles escolhem saltar em genes neuronais, que estão sendo expressos naquele momento e que têm a estrutura da cromatina aberta.” O trabalho mostra que a inserção dos L1 na zona cerebral pode ser positiva e trazer vantagens para a célula, como fazer mais sinapses, processo de comunicação entre os neurônios.

Autismo e esquizofrenia

Muotri concorda que a inserção dos L1 pode provocar problemas. “Quando os pulos dos L1 estiverem "desregulados", e não forem mais controlados por diversas razões, eles passam a ter mais ou menos saltos do que precisamos. Isso vai alterar a sintonia das conexões nervosas. Dessa forma, a atividade desregulada de L1 pode levar a estados psicóticos, como a esquizofrenia e o autismo, doenças que possuem uma parcela genética. Mas isso é nossa especulação, não provamos nada disso e pode ser que essa suspeita esteja errada. É bem claro que o ambiente influencia muito no caso dessas doenças”, pondera o cientista.

Os resultados obtidos pelo grupo de San Diego também mostram que os L1 são ativos tanto no cérebro adulto como durante a fase de desenvolvimento.“Por isso, nossas experiências durante a infância também devem gerar mobilização de L1, alterando a estrutura gênica de nossos neurônios. Formamos, assim, ‘cicatrizes genéticas’ conforme vivemos. E elas continuam a aparecer mesmo depois de adultos.”

Para entender o funcionamento do processo in vivo, a equipe do pesquisador, da qual também faz parte a pesquisadora brasileira Carol Marchetto, gerou um animal transgênico que carregava uma cópia de um L1 ativo humano. Quando ocorresse o salto, esse mecanismo especialmente preparado em laboratório deixaria a célula com uma coloração verde fluorescente.

Ao analisar o cérebro dos animais adultos, os cientistas viram uma série de células verdes espalhadas, tanto em regiões neurogênicas (hipocampo e ventrículos) como em regiões não-neurogênicas (como o córtex). “Nenhum animal tinha as mesmas células verdes. Isso indica que o processo depende de interações com o ambiente. Ou seja, mesmo dois animais geneticamente idênticos terão cérebros diferentes”, revela Muotri.

A próxima etapa da equipe já está definida. O objetivo agora é mostrar como o ambiente consegue controlar a atividade dos L1 no cérebro. “O revolucionário nesse trabalho é a conexão evolutiva do L1 com a complexidade do cérebro humano. Unimos duas áreas da ciência que nunca tinham conversado anteriormente. Por isso temos diversos cientistas muito empolgados com essa descoberta”, festeja o pesquisador brasileiro.

_____________________________________

Fonte: Agência FAPESP
http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=3879, 20/06/2005

Voltar

Cadastre-se

Imprimir Notícia