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Por uma vida longa e saudável
Comemorar os 100 anos já não é mais privilégio dos orientais. Agora,
especialistas tentam desvendar os caminhos para se chegar lá, com o
Por Daniela Talamoni
Por muito tempo, no inconsciente coletivo, a imagem do felizardo que conseguia viver (e ter fôlego) para apagar 100 velinhas no bolo de aniversário era uma só: a de um senhor (ou senhora) simpático, de 'olhinhos puxados', adepto de uma alimentação natural e praticante de tai chi chuan, ioga ou qualquer outra arte milenar capaz de equilibrar o corpo e a mente. Graças ao aumento mundial da expectativa de vida e aos vários avanços da medicina, no entanto, ter a chance de presenciar o crescimento dos tataranetos ou as conquistas de uma geração inteira deixou de ser apenas privilégio dos orientais. O planeta todo está com os cabelos brancos. A maioria dos centenários ainda vive no Japão e, juntos, somam 20 mil. Mas, assim como na terra do sol nascente, mulheres e homens com mais de 60 anos já ultrapassam o total de crianças na Bulgária, Alemanha, Itália e Grécia. Por aqui, segundo dados do IBGE, o número de brasileiros com 80 anos ou mais, que em 2000 era 1,8 milhão, aumentou e deve chegar a 13,7 milhões em 2050. É no Brasil, inclusive, que pode ter vivido o ser humano mais velho de que se tem notícia: a ex-escrava Maria do Carmo Jerônimo, moradora de Itajubá, interior de Minas Gerais, que morreu em 2000, aos 129 anos! Por falta de documentação, a façanha não foi registrada no Guiness Book, o livro dos recordes, e, oficialmente, a marca ainda é da francesa Jeanne Louise Calment, que viveu 122 anos até 1997. O envelhecimento global é fato e, antes que muita gente notasse um familiar prestes a completar um século de permanência na Terra, o fenômeno já havia chamado a atenção dos cientistas. Os mistérios que envolvem nascimento, amadurecimento e morte do ser humano, aliás, sempre tiraram o sono dos pesquisadores. A diferença é que, agora, o objetivo não é descobrir formas de garantir ao máximo a sobrevivência da espécie. Com técnicas de saneamento básico, a tecnologia na produção de alimentos, a vacinação, entre outras evoluções e descobertas médicas (dos antibióticos até o coquetel anti- Aids), já é possível para as crianças nascidas na era da Internet viverem bem mais do que seus avós. "Nunca fumei nem tomei bebidas alcoólicas. E, aos 48 anos, para curar um problema de má circulação, comecei a me exercitar. Hoje, faço hidroginástica, caminho todo dia e nado três vezes por semana. Já fui seis vezes campeã paulista de maratonas aquáticas em águas abertas e, aos 67 anos, fiz uma travessia de nove horas (42 km) no mar de Bertioga. Nem os remédios que preciso tomar para tratar uma disfunção da tireóide me deixam desanimada. Dizem que pareço ter 20 anos a menos, e é exatamente assim que me sinto. Se pudesse voltar atrás, teria abandonado a vida sedentária muito antes"
Olga Arsuffi, 70
anos, proprietária da Academia de Ginástica e Natação Caminhos abertos pelo GENOMA Geneticistas, bioquímicos e biólogos moleculares unem esforços para ligar pelos menos três descobertas ao processo de envelhecimento e tentar extrair os mecanismos necessários para controlar os desgastes naturais. São elas: Radicais livres: substâncias tóxicas formadas a partir de reações com o oxigênio. Até 5% delas no organismo não causam estragos e inclusive ajudam a eliminar bactérias intrusas. Em excesso, provocam danos às estruturas internas das células e redução em sua capacidade de produzir energia. Chamado de oxidação, este é o envelhecimento celular, responsável pelo aparecimento de uma série de distúrbios e doenças. "Conseguimos provar o quanto vários tipos de radiação, incluindo a emitida por luzes fluorescentes, contribuem para produzir radicais. Em contrapartida, já se sabe que alguns alimentos possuem substâncias antioxidantes, como vitamina E, capazes de barrar boa parte dos estragos", revela a bioquímica Nelci Fenalti Hoehr, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp), que trabalhou no Instituto Nacional do Envelhecimento (NIA), em Baltimore, Estados Unidos. Telômeros: essas minúsculas estruturas de nome estranho foram a descoberta mais relevante dos últimos oito anos. "Presentes nas extremidades dos cromossomos, onde está enrolado o código genético (DNA), previnem fusões, recombinações, degradação ou perdas de seqüência durante as divisões celulares", explica o geneticista Sérgio Pena, da UFMG. Cada vez que uma célula se divide, os telômeros vão ficando menores e encurtando até acabar, gerar uma instabilidade genética e, conseqüentemente, levar à morte celular. Hoje são vistos como um relógio molecular para o envelhecimento. Pesquisa coordenada por cientistas da Universidade de Utah (EUA), por exemplo, comparou amostras de sangue de 143 pessoas de 60 anos e concluiu: aquelas com telômeros maiores têm menos chances de desenvolver doenças do coração e vivem de quatro a cinco anos mais. Agora, os cientistas buscam uma forma de evitar o encurtamento dos telômeros. Durante essas tentativas, já tiveram uma surpresa. Somente algumas células, como as que formam os tumores, conseguem preservar essas estruturas. Por isso, elas jamais param de se multiplicar. Isso também explica por que estudiosos alertam a população para a frágil linha que separa a tentativa de estender a vida com o aumento dos riscos de câncer.
Reposição hormonal: com o envelhecimento, o
organismo deixa de produzir certos hormônios (necessários apenas à
fase de crescimento e reprodução). Por isso, alguns cientistas
defendem prolongar a atuação dessas substâncias na terceira idade
para 'manter a juventude'. A fim de amenizar os efeitos da
menopausa, por exemplo, as mulheres recorreram a doses de
estrogênio e progesterona. Agora, a mania são injeções de hormônio
do crescimento (o GH), com o objetivo de intensificar o vigor e a
força muscular. Pesquisadores escoceses anunciaram também que a
ingestão diária de uma pílula do hormônio tiroxina (produzido pela
glândula tireóide), pode aumentar em até 30 anos a vida média das
pessoas. As opiniões, no entanto, ainda estão divididas, até
porque indícios sugerem que as reposições possam elevar os riscos
de câncer, ataque cardíaco e osteoporose. Qualidade é fundamental
No Brasil, a expectativa média de vida da população pulou de 62,7, em 1980, para os atuais 71,9 anos. O novo desafio, portanto, é acrescentar qualidade a esse tempo. "Precisamos descobrir como viver bem e aproveitar os anos extras que a humanidade conquistou", diz o geriatra Luiz Roberto Ramos, responsável pelo Centro de Estudos do Envelhecimento, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Além de ser um desejo da ciência, a busca pela qualidade de vida na terceira idade tornou-se fundamental. Há algumas décadas, mulheres de 40 já eram avós e costumavam ficar em casa, tricotando ou cozinhando para os netos. Hoje, a maioria espera chegar a essa faixa etária para ter o primeiro filho e muitas, no auge da carreira, nem pensam em se aposentar. Não é à toa que a procura por cirurgias plásticas, o uso de toxina botulínica e outros recursos estéticos de última geração para esconder as rugas, manchas e marcas do tempo cresceu tanto. Só que a humanidade vive uma contradição: a cabeça dos idosos rejuvenesceu, mas o corpo (mesmo esticado, turbinado ou recauchutado) continuou sendo alvo das mesmas reações bioquímicas naturais que, gradativamente e por volta dos 30 anos, começam a desgastar as células e gerar perdas funcionais até levar o indivíduo à morte. Resultado: cresceram os casos de doenças características da velhice, como câncer de próstata e Alzheimer, antes consideradas raras - uma vez que ninguém conseguia viver o suficiente para manifestá-las. Até o início desse século, a única forma de desafiar a natureza e conter as perdas do envelhecimento (isso para quem conseguisse sobreviver ao acaso: violência, acidentes, infecção por vírus e bactérias etc.) era torcer para encontrar alienígenas, bonzinhos, que aceitassem usar sua tecnologia avançada para devolver a força e saúde da juventude aos idosos (idéia sugerida pelo filme Cocoon, sucesso dos anos 80). Em 2001, porém, o anúncio do seqüenciamento completo do genoma humano fez o mais complexo enredo de ficção científica virar desenho animado. E a partir daí, a chance de entender e interferir na atuação dos genes ampliou infinitamente essa possibilidade. "Minha vitalidade é herança genética. Mas procurei dar uma força à natureza, levando uma vida regrada e saudável até hoje. Durmo pelo menos oito horas, nado durante uma hora todas as manhãs e, em seguida, dedico-me às atividades intelectuais. Costumo ler bastante, inclusive em inglês, para me atualizar, uma vez que sou membro vitalício da Sociedade Americana de Técnicos de Natação. Também já escrevi meia dúzia de livros. O título do último já resume tudo: Longevidade e Esporte" Maria Lenk, 90 anos, nadadora brasileira, primeira mulher da América do Sul a participar dos Jogos Olímpicos - o que ocorreu em 1932, em Los Angeles (EUA)
Terapias genéticas
Com as principais descobertas, otimistas como o gerontologista inglês Aubrey de Grey já defendem a tese de que um velhinho que hoje tem 60 anos poderá viver mil! Em artigo publicado ano passado no jornal Folha de São Paulo, ele afirma: "Existem sete principais danos moleculares, incluindo a perda de células e mutações nos cromossomos, potencialmente reparáveis com tecnologias que já existem ou estão em desenvolvimento". A maioria dos especialistas, porém, tem uma previsão mais realista. "Ainda não conseguiram descobrir os genes da juventude. Ao lançar mão, em breve, da terapia genética, talvez consigamos conter alguns dos danos citados por Aubrey e chegar aos 150 anos. Mas nada garante que estaremos protegidos de efeitos colaterais, como o aumento da incidência de tumores", explica o geneticista Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo os resultados de estudos nacionais e internacionais com grupos de pessoas centenárias, 25% da longevidade dependem da qualidade e funcionamento dos genes. Boa parte da responsabilidade (os outros 75%), no entanto, recai sobre o estilo de vida e, portanto, está em nossas mãos. Prova viva disso é o participante mais longevo do Pensa (Núcleo de Pesquisa em Envelhecimento Saudável), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Há 107 anos (comemorados no mês passado), e com uma saúde que considera excelente, ele não cansa de dar a mesma resposta quando perguntam sobre seu segredo de vitalidade: "Eu me alimento de maneira saudável, caminho todos os dias, durmo o suficiente, tomo umas cervejinhas de vez em quando com os amigos, faço o bem e mantenho o bom humor". "Envelhecer bem não significa chegar aos 100 anos sem nenhuma doença crônica - isso é utopia -, mas estar preparado para enfrentar as perdas funcionais da melhor maneira possível", alerta o geriatra Luiz Roberto Ramos, do Centro de Estudos do Envelhecimento da Unifesp, que há cerca de 15 anos acompanha a evolução de um grupo de idosos do bairro de Vila Clementino, em São Paulo. E, para se ter idéia, o mais novo da turma, hoje, está com 80 anos. Na prática, um idoso pode tomar vários remédios para conter pressão alta e diabetes, por exemplo, e ainda assim ser considerado saudável. "Tudo dependerá de sua qualidade de vida. Quanto mais ele investir nisso, maior será o seu controle sobre os sintomas e a sua força para seguir a rotina, sem depender de ninguém", explica o especialista. Teste
OBS: Se você tem mais do que a idade recomendada para iniciar o teste, não importa. Faça as contas com 72 anos e, no final, compare com a sua idade atual. Com autonomia é melhor Um outro estudo, desenvolvido pelo Pensa, com longevos da cidade de Juiz de Jora, em Minas Gerais, apresentou índices que comprovam a importância dos bons hábitos e das atitudes para uma velhice mais saudável: 72% nunca fumaram, 81% jamais consumiram bebidas alcoólicas, 51% praticam atividade física pelo menos uma vez por semana, 68% têm sempre alguém para conversar ou recorrer quando necessitam e 31% saem semanalmente com os amigos. Resultado: 94% deles apresentavam apenas uma ou duas doenças crônicas, mas demonstravam autonomia e independência. De acordo com as psicólogas Neide Cordeiro de Magalhães e Kelly Cristina Atalaia da Silva, coordenadoras da pesquisa do Pensa, aspectos emocionais, culturais e sociais contribuíram significativamente para que esses idosos tivessem uma expectativa de vida que beira os 78 anos, superando a média nacional. E você, até onde vai chegar?
____________________________ Fonte: http://revistavivasaude.uol.com.br/Edicoes/13/Artigo7813-1.asp |