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Grãos de milho e grãos de luz, artigo de Marcelo Leite

 O documento ‘Milho e Biodiversidade: Efeitos do Milho Transgênico no México’ é leitura obrigatória para quem, no Brasil, acha que tudo em matéria de transgênicos se resume a um tema só para especialistas

Marcelo Leite (cienciaemdia@uol.com.br), jornalista de ciência, mantém no caderno ‘Mais!’ da ‘Folha de SP’ a coluna ‘Ciência em Dia’, criada por José Reis, onde publicou este artigo:

Desta vez não vai dar para desqualificar e dizer que se trata de coisa de inimigos da tecnologia ou de defensores do protecionismo europeu. O último relatório de advertência sobre os riscos da entrada de milho transgênico no México foi produzido sob a égide do Nafta por 16 pesquisadores dos três países signatários desse acordo de livre comércio do Norte da América. Quem duvidar pode apelar para a internet: http://www.cec.org/maize.

A Comissão de Cooperação Ambiental, órgão tripartite criado no quadro do Nafta, foi encarregada em 2001 de estudar o problema da contaminação de variedades crioulas de milho do México com cultivares geneticamente modificados dos EUA. Produziu o documento ‘Milho e Biodiversidade: Efeitos do Milho Transgênico no México’.

É leitura obrigatória para quem, no Brasil, acha que tudo em matéria de transgênicos se resume a um tema só para especialistas – como aliás sugere o nome da comissão de biossegurança (CTNBio), que é ‘técnica’ antes de ser ‘nacional’.

São muitas as recomendações polêmicas do relatório. Para começar, tornar mais rigorosa a moratória para cultivo em larga escala de milho transgênico no México e triturar todos os grãos desse cereal importados dos EUA.

Isso apesar de constar do documento que ‘investigações e análises científicas ao longo dos últimos 25 anos mostraram que o processo de transferir um gene de um organismo para outro não representa ameaça intrínseca, no curto ou no longo prazo, seja para a saúde, a biodiversidade ou o ambiente’.

Foi essa aparente contradição que alicerçou a reação do governo dos EUA. Num comunicado conjunto, as agências americanas de ambiente (http://www.epa.gov) e de comércio exterior (http://www.ustr.gov) qualificam o relatório como ‘fundamentalmente falho e não-científico’.

Uma passagem do documento é de particular interesse para formadores de opinião brasileiros

Por aqui, costuma-se festejar sem senso crítico engenhocas genéticas como plantas de milho produtoras de medicamentos, que deveriam ser mantidas longe da cadeia alimentar humana. Que leiam atentamente:

‘A modificação do milho para produzir substâncias farmacêuticas e certos compostos que são incompatíveis com alimentos e rações deve ser proibida, de acordo com as intenções manifestadas pelo governo do México, e séria consideração deve ser dada à idéia de banir tal uso do milho em outros países.’

O documento só parece contraditório para quem quer ver questões sociais e culturais distanciadas da biotecnologia. Afinal, é daí que surgem as maiores ameaças a seu avanço, e não tanto de supostos malefícios para a saúde e o ambiente.

O que incomoda no relatório da CEC é que ele se dispõe a considerar uma planta, o milho, como algo mais do que um organismo.

Como sabe qualquer pessoa que já tenha visitado o México, o milho, por lá, é peça central da cultura.

Além disso, a região guarda nas variedades crioulas e em parentes do milho – como o teosinto – uma diversidade genética fundamental para melhoristas fazerem futuros cruzamentos.

Daí a recomendação para que se desenvolvam métodos melhores para detectar e monitorar a disseminação dos transgenes.

Para um biotecnólogo empedernido, só pode mesmo soar como o cúmulo do atraso e da ideologia acolher num documento ‘científico’ uma recomendação para ‘assegurar o envolvimento de pequenos agricultores no desenvolvimento da nova política mexicana de biotecnologia’.
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Fonte: Folha de S. Paulo, Mais!, 14/11/2004. Reproduzida no JC e-mail 2647, 16/11/2004.

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