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Grãos de milho e grãos de luz, artigo de Marcelo Leite O documento ‘Milho e Biodiversidade: Efeitos do Milho Transgênico no México’ é leitura obrigatória para quem, no Brasil, acha que tudo em matéria de transgênicos se resume a um tema só para especialistas
Marcelo Leite (cienciaemdia@uol.com.br), jornalista de
ciência, mantém no caderno ‘Mais!’ da ‘Folha de SP’ a coluna
‘Ciência em Dia’, criada por José Reis, onde publicou este artigo: A Comissão de Cooperação Ambiental, órgão tripartite criado no quadro do Nafta, foi encarregada em 2001 de estudar o problema da contaminação de variedades crioulas de milho do México com cultivares geneticamente modificados dos EUA. Produziu o documento ‘Milho e Biodiversidade: Efeitos do Milho Transgênico no México’. É leitura obrigatória para quem, no Brasil, acha que tudo em matéria de transgênicos se resume a um tema só para especialistas – como aliás sugere o nome da comissão de biossegurança (CTNBio), que é ‘técnica’ antes de ser ‘nacional’. São muitas as recomendações polêmicas do relatório. Para começar, tornar mais rigorosa a moratória para cultivo em larga escala de milho transgênico no México e triturar todos os grãos desse cereal importados dos EUA. Isso apesar de constar do documento que ‘investigações e análises científicas ao longo dos últimos 25 anos mostraram que o processo de transferir um gene de um organismo para outro não representa ameaça intrínseca, no curto ou no longo prazo, seja para a saúde, a biodiversidade ou o ambiente’.
Foi essa aparente contradição que alicerçou a reação do
governo dos EUA. Num comunicado conjunto, as agências americanas de
ambiente (http://www.epa.gov) e de comércio exterior (http://www.ustr.gov)
qualificam o relatório como ‘fundamentalmente falho e
não-científico’. ‘A modificação do milho para produzir substâncias farmacêuticas e certos compostos que são incompatíveis com alimentos e rações deve ser proibida, de acordo com as intenções manifestadas pelo governo do México, e séria consideração deve ser dada à idéia de banir tal uso do milho em outros países.’ O documento só parece contraditório para quem quer ver questões sociais e culturais distanciadas da biotecnologia. Afinal, é daí que surgem as maiores ameaças a seu avanço, e não tanto de supostos malefícios para a saúde e o ambiente. O que incomoda no relatório da CEC é que ele se dispõe a considerar uma planta, o milho, como algo mais do que um organismo.
Como sabe qualquer pessoa que já tenha visitado o México, o
milho, por lá, é peça central da cultura.
Para um biotecnólogo empedernido, só pode mesmo soar como o
cúmulo do atraso e da ideologia acolher num documento ‘científico’
uma recomendação para ‘assegurar o envolvimento de pequenos
agricultores no desenvolvimento da nova política mexicana de
biotecnologia’. Fonte: Folha de S. Paulo, Mais!, 14/11/2004. Reproduzida no JC e-mail 2647, 16/11/2004. |