
Na saúde, ainda há duas Europas
Estudo mostra
que países do leste têm condições piores de mortalidade, expectativa
de vida e maior índice de doenças
Jamil Chade
O Muro de Berlim foi derrubado há 15 anos e alguns dos países que
faziam parte do bloco soviético já são membros da União Européia (UE).
Essas transformações políticas, porém, ainda não conseguiram superar
a divisão que há no Velho Continente em termos de saúde.
Um estudo da London School of Economics aponta que existe um
verdadeiro "muro" entre a Europa Ocidental e Oriental no que se
refere às condições de saúde da população.
Uma das provas dessa diferença é a taxa de mortalidade. Um homem de
meia-idade no Leste Europeu apresenta uma taxa 2,5 vezes maior que
um homem da Europa Ocidental.
A expectativa de vida também é sinal desse muro: enquanto um cidadão
vive em média 75,3 anos na Europa Ocidental, um polonês vive entre
68 e 69 anos. Segundo o estudo, doenças cardiovasculares têm uma
incidência três vezes maior no Leste Europeu que em países como
Alemanha ou França.
Não é a primeira vez que o bloco europeu passa por uma ampliação. A
UE foi formada ao longo de cinco décadas e, nos anos 80, países de
menor desenvolvimento relativo, como Portugal, Espanha e Grécia,
passaram a fazer parte do clube de Bruxelas.
Mas especialistas apontam que a atual ampliação, ocorrida em maio, é
a que apresenta maior disparidade em termos de saúde.
Segundo um dos autores do relatório, Panos Kanavos, vários países do
Leste Europeu sofreram uma crise de mortalidade na década de 90 com
a queda do comunismo. "Transições sempre geram efeitos para a saúde
das pessoas", afirma Kanavos.
Segundo ele, muitas dessas populações sofreram uma queda da renda,
maior desemprego e crises pessoais com o fim de um sistema de
organização da sociedade.
Mas explicações vão além de efeitos da transição política e
econômica. Uma das explicações para a disparidade é o padrão das
doenças que afetam as populações de países como Hungria, Polônia e
outras regiões.
Segundo o estudo, a Hungria tem maior taxa de câncer de pulmão do
mundo. Não por acaso, o estudo foi apresentado durante o congresso
anual da Sociedade Européia para Oncologia Médica, que está sendo
realizado em Viena.
O objetivo do encontro, um dos maiores do mundo, está sendo o de
debater futuras estratégias para tratar o câncer.
No caso dos países do Leste Europeu, uma das constatações é de que o
número de fumantes ainda não parou de crescer. Na Lituânia, mais de
40% dos homens fumam, índice similar em outros países da região.
Mas, apesar de o câncer ser uma das principais causas de morte,
praticamente não há uma política de combate ao cigarro no Leste
Europeu. Outro problema é o aumento dos índices de pessoas
contaminadas pela aids.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMC), a região é uma das
preocupações da comunidade internacional.
Para complicar a situação, os governos não contam com uma
infra-estrutura adequada para atender a população. Em muitos casos,
a manutenção de hospitais com equipamentos ultrapassados está
custando mais caro que a construção de novos centros médicos.
Para os especialistas, o sistema de saúde deve passar por uma
reforma, e apenas a injeção de novos recursos não funcionará. Prova
disso é que hoje existem mais leitos disponíveis nos países do
ex-bloco socialista que na Europa Ocidental.
Países como a República Tcheca contam com uma quantidade de leitos
três vezes maior que o Reino Unido. Já a Polônia registra duas vezes
mais camas em hospitais que a Espanha. Para os economistas, essa é
uma demonstração de que esses governos precisam dar um destino mais
eficiente aos recursos públicos.
Outro problema registrado é a relação entre pacientes e médicos. Por
não receberem salários suficientes, muitos profissionais no setor da
saúde pedem pagamentos extras dos pacientes para prestar
atendimento.
Na Polônia, 78% dos pacientes dizem que foram solicitados a fazer
esse pagamento extra. Na Hungria, estima-se que 62% dos salários dos
médicos vêm de pagamentos informais.
Diante das constatações, os autores do estudo apontam que o desafio
da nova Europa ampliada, portanto, passa não apenas por uma
harmonização de políticas econômicas, mas também por uma solução
para a questão do atendimento de saúde à população.
As duas Europas
75,3 anos é o tempo médio de vida de uma pessoa da Europa Ocidental.
69 anos é quanto um cidadão da Polônia vive, em média, menos do que
na Europa Ocidental.
40% dos homens da Lituânia fumam, segundo autoridades de saúde,
número considerado alto.
78% dos pacientes de hospitais dizem ter pago taxa extra aos médicos
da Polônia.
62% do salário dos médicos da Hungria vem de pagamentos informais.
2,5 vezes maior é a taxa de mortalidade no Leste Europeu em relação
à Europa Ocidental.
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Fonte: O Estado de S.Paulo, 30/10/2004, reproduzido no
JC e-mail 2638, de 01/11/2004 |