
Contra o câncer, drogas
inteligentes
Com os novos
medicamentos para o combate de alguns tumores, o câncer caminha para
o estágio de doença crônica e não mais fatal
Jamil Chade
A comunidade científica internacional vive um momento de
transformações no combate ao câncer. O surgimento de "drogas
inteligentes" tem revolucionado o tratamento de alguns tumores e,
para os mais otimistas, os avanços indicam que certos tipos de
câncer podem estar caminhando para uma situação em que seriam
caracterizados como doenças crônicas, e não mais como doenças
fatais.
Segundo os pesquisadores reunidos em Viena nesta semana no congresso
anual da Sociedade Européia para Oncologia Médica, se a cura não
está ainda nos radares da ciência, um tratamento mais eficaz só é
possível porque o mundo finalmente começa a descobrir como funcionam
as células cancerígenas.
As boas notícias em relação ao tratamento chegam em um momento
alarmante, principalmente para os países
em desenvolvimento. O câncer faz 6 milhões de mortes no mundo por ano, um
aumento de 18% desde 1990.
Os países em desenvolvimento já representam metade dos 10 milhões de
novos casos registrados por ano e, com o envelhecimento da população
desses países, a tendência é de que passem a responder por 75% dos
casos de câncer na próxima década.
A revolução no tratamento, portanto, ocorre graças a remédios com
alvos específicos desenvolvidos a partir da biologia molecular. Até
pouco tempo, a quimioterapia e a radioterapia eram praticamente as
únicas alternativas.
O problema é que essas técnicas não discriminam entre o tumor e as
células sadias, gerando importantes efeitos colaterais e, em muitos
casos, resultados limitados. Hoje, as terapias moleculares permitem
que apenas as células cancerígenas sejam alvo do tratamento.
Os primeiros resultados das pesquisas são conseqüência de maciços
investimentos ocorrido nos anos 90 e apontam para uma prolongação da
vida do paciente.
Em alguns casos, os resultados estão transformando a noção de que
ser diagnosticado de câncer represente uma sentença de morte. Para
outros especialistas, a pesquisa caminha para um estágio que
permitirá que uma mulher saiba se tem predisposição ao câncer de
mama anos antes de que um tumor possa ser identificado.
Na avaliação de George Demetri, do Brigham and Women's Hospital, nos
EUA, "o câncer está no estágio em que a pesquisa de antibióticos
estava nos anos 50". Segundo ele, até aquela década não se sabia
diferenciar entre uma pneumonia causada por vírus ou por bactéria,
dificultando o tratamento.
Hoje, pesquisas sobre câncer revelaram que, apesar de os tumores
terem características semelhantes, diferenças fundamentais impedem
um tratamento único. Uma das saídas tem sido buscar formas de
bloquear os agentes e células que são responsáveis pelos sinais que
permitem a proliferação dos tumores.
Uma das "drogas inteligentes" que realizam esse trabalho é o Glivec,
da Novartis e que atua contra a leucemia mielóide e tumor
gastrointestinal.
Para Antonio Carlos Buzaid, diretor executivo do Centro de Oncologia
do Hospital Sírio-Libanês, o Glivec é "a maior contribuição nos
últimos 20 anos" no combate ao câncer e a empresa já estuda sua
aplicação em outros tumores.
A Schering, com a própria Novartis, pesquisa uma nova "droga
inteligente" para bloquear agentes que seriam responsáveis por
câncer de cólon. Resultados são esperados para 2005.
Já a canadense Biomira e a alemã Merck anunciam que estão testando
uma vacina contra o câncer de pulmão e que tem como alvo uma
molécula existente na superfície das células. A vacina é uma
tentativa de encorajar o sistema imunológico a reconhecer a molécula
que irá gerar o tumor e atacá-la.
Estudos preliminares apontam que a sobrevivência de um paciente pode
aumentar da média atual de 13 meses para 17,4 meses. No caso do
câncer de pulmão, outro avanço é o da Roche, que conseguiu estender
a vida do paciente em 42% com o desenvolvimento do Erlotinib.
O desenvolvimento das novas drogas tem também aumentado o custo dos
tratamentos. No caso do Brasil, o reembolso feito pelo governo aos
tratamentos de câncer está baseado em valores fixados em 1998,
quando essas drogas ainda não existiam. Com as novas terapias, os
custos dos tratamento ultrapassam em até 100% a tabela de reembolso.
Segundo analistas, o interesse das empresas em evitar uma quebra
prematura das patentes pode ser explicado pelo papel que representam
esses produtos na lista dos mais vendidos das multinacionais.
Na Roche, seus remédios contra o câncer geraram vendas de mais de
US$ 4 bilhões nos primeiros nove meses de 2004. Na Novartis, três
remédios contra câncer estão entre os dez mais vendidos. As empresas
ainda alegam que precisam garantir um retorno de seus investimentos
para continuar pesquisando no setor.
Com mais de 200 cânceres já identificados e muitos deles ainda
esperando uma descoberta como o Glivec, a ciência e a política
precisam ainda encontrar formas de garantir que os avanços nas
pesquisas continuem, mas que a população tenha acesso a essas
novidades. A única certeza, por enquanto, é que caminho das "drogas
inteligentes" é irreversível.
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Fonte: O Estado de S.Paulo, 31/10/2004, reproduzido no
JC e-mail 2638, de 01/11/2004 |