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Transgênicos, a pauta desperdiçada

Por Carlos Tautz

A imprensa brasileira está desperdiçando a principal pauta ambiental dos últimos anos: a adoção, de fato (e de direito questionável) das commodities agrícolas transgênicas, principalmente a soja, no Brasil. Embalada pelo discurso do apoio irrestrito e acrítico à agricultura de exportação para gerar dólares, que desde Fernando Henrique Cardoso é divulgada pelo governo, os jornalistas não têm questionado a falta de estudos de impacto ambiental na adoção dos organismos geneticamente modificados (OGMs) para atendimento ao mercado externo. Com isso, na prática, serve de (mais ou menos) inocente (muito) útil ao lobby pró-transgênicos, que opera da mesma forma em todos os países-alvo dessa tecnologia patenteada.

O argumento do lobby é sempre o mesmo: “há anos comida transgênica é consumida nos Estados Unidos, sem que um caso sequer de malefício à saúde dos consumidores e de impacto negativo sobre o meio ambiente tenha sido registrado”. Esse é um argumento. Que, entretanto, não tem da imprensa brasileira a devida contextualização, o que colocaria em pauta outros questionamentos.

Por exemplo: posso estar enganado, mas não lembro de um só meio de informação no Brasil ter dado destaque ao fato de que a legislação dos EUA não obriga a empresa vendedora de transgênicos colocar no rótulo da comida modificada geneticamente a informação de que aquele produto contém transgênicos. Assim, se alguém tiver uma crise de alergia e morrer um segundo após ter ingerido tal comida, os legistas estarão impedidos de atribuir a causa mortis à ingestão do produto modificado geneticamente, porque os peritos simplesmente não saberiam que o consumidor ingeriu um organismo geneticamente modificado. 

Cai, portanto, a primeira parte do argumento e surge automaticamente a pergunta a ser feita pelos jornalistas: por que não informar o consumidor, no rótulo da embalagem que ele compra nos mercados, que aquele produto contém transgênicos?

Também não se pode atribuir qualquer problema ambiental à disseminação inesperada de OGMs na natureza, porque a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, a EPA, mostrada como parâmetro de eficiência mundo afora, nunca requereu dos fabricantes de transgênicos estudos de impacto ambiental. A EPA, quando liberou para consumo comercial o primeiro transgênico há cerca de 10 anos, considerou-o “significativamente semelhante” a outros produtos anteriormente licenciados pela própria agência.

E, quando esses dois questionamentos não forem o bastante para alertar os jornalistas, é interessante ouvir a voz da experiência. Ao argumento de que há ausência de provas de malefícios proporcionados pelos transgênicos, Washington Novaes, que ao lado de Lúcio Flávio Pinto é o ícone do jornalismo ambiental no Brasil, costuma responder: “ausência de prova não significa prova de ausência”.

E por que não duvidar de outra assertiva do lobby, a de que transgênicos consomem menos agrotóxicos, o que lhes garantiria um perfil mais ambientalmente amigável? Afinal, os maiores fabricantes de transgênicos são também os maiores fabricantes de agrotóxicos.

Até aqui observei apenas a perspectiva ambiental da cobertura jornalística sobre as commodities agrícolas transgênicas no Brasil e não tratei de vários outros ângulos sob os quais se poderia olhar a polêmica.. Não abordei a questão das incertezas científica, agronômica e econômica dos transgênicos. Isso, afinal, é tema para outro(s) artigo(s).

Não sou, entretanto, de todo pessimista quanto ao desempenho da imprensa na cobertura desse assunto tão complexo e que envolve tantos interesses (para terem a idéia, a posição do Brasil, se aceita em definitivo as commodities transgênicas, vai em boa medida determinar a viabilidade econômica de várias empresas em nível internacional). Até hoje, os jornais, principalmente a Folha de São Paulo, já produziu algumas matérias de denúncia de como o lobby tem operado nos governos FHC e Lula.

Também há pelo menos duas excelentes teses de mestrado que tratam da cobertura da imprensa sobre o assunto. A primeira, “Segurança e risco: desinformações científicas no noticiário sobre alimentos transgênicos”, foi defendida em 2003 na ECA da USP pelo jornalista Francisco Belda, hoje professor da PUC de Campinas, do Centro Universitário de Araraquara (UNIARA) e das Faculdades Hoyler (Hortolândia). A íntegra está na revista digital Comunicação em Agriibussiness e Meio Ambiente, editada pelo professor da USP e da UMESP Wilson Bueno e pode ser encontrada aqui.

A segunda tese foi defendida em 2004 na Escola de Comunicação da UFRJ pelo jornalista Claudio Cordovil, hoje doutorando daquele mesmo centro científico. A tese de Cordovil ainda não está no ar, mas posso enviar aos interessados, em arquivo pdf, uma excelente matéria que o autor escreveu recentemente para a revista Insightnet com os dados de sua tese, e que servem como uma espécie de resumo executivo dessa dissertação de mestrado intitulada “Transgênicos, mídia impressa e divulgação científica: Conflitos entre a incerteza e o fato”. 
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Fonte: http://www.comunique-se.com.br -  08/12/2004

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