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Falta de
leitura causa depressão e vira crise política e de saúde
"De que adianta uma população alfabetizada, mas
que não quer ler?"
Por
Andrew Solomon*
Uma
pesquisa divulgada na última quinta-feira (8/7) aponta que a leitura
por prazer está em queda nos Estados Unidos entre todos os grupos
-jovens e velhos, ricos e pobres, com formação superior ou não,
homens e mulheres, hispânicos, negros e brancos.
A pesquisa, feita pelo Fundo Nacional das Artes, também indica que
as pessoas que lêem por prazer apresentam probabilidade muitas vezes
maior do que aquelas que não de visitarem museus e assistirem a
performances musicais, quase três vezes mais probabilidade de
realizarem trabalho voluntário e caridade, e quase o dobro de irem a
eventos esportivos.
Os leitores, em outras palavras, são ativos, enquanto os
não-leitores -mais de metade da população- têm tendência à apatia.
Há uma divisão social básica entre aqueles para quem a vida é um
acúmulo de novas experiências e conhecimentos, e aqueles para quem a
maturidade é um processo de atrofia mental. A mudança de tendência
na direção desta última categoria é assustadora.
A leitura não é uma expressão ativa como a escrita, mas também não é
uma experiência passiva. Ela exige esforço, concentração, atenção.
Em troca, ela oferece estímulo ao fruto do pensamento e do
sentimento.
Kafka disse: "Um livro deve ser um machado de gelo para quebrar os
mares congelados de nossas almas". A qualidade metafórica da escrita
-o fato de que tanto pode ser expresso por meio do arranjo de 26
formas em um pedaço de papel- é tão empolgante quanto a idéia de um
código genético completo composto de quatro bases: o trabalho do
homem em igualdade com o da natureza. Discernir os padrões de tais
arranjos é a essência da civilização.
A mídia eletrônica, por outro lado, tende a ser apática. Apesar da
existência de boa televisão, boa escrita na Internet e videogames
que testam a lógica, a mídia eletrônica em grande parte convida a
uma recepção inerte. A pessoa seleciona o canal, mas então a
informação chega pré-processada.
A maioria das pessoas usa a televisão como meio de desligar suas
mentes, não ativá-las. Muitos leitores assistem a televisão sem
risco; mas para aqueles para os quais a televisão substitui a
leitura, as conseqüências são abrangentes.
Meu último livro foi sobre depressão, e a questão que mais me
perguntam é qual o motivo para a depressão estar em ascensão. Eu
falo sobre a solidão que deriva de passar o dia diante da televisão,
do computador, de uma tela de vídeo.
Por outro lado, a leitura de livros é uma entrada para o diálogo, um
livro pode ser um amigo, falando não com você, mas para você. O fato
de os índices de depressão estarem subindo enquanto os índices de
leitura estão caindo não é por acaso.
Enquanto isso, há evidência persuasiva de que a escalada na
incidência de mal de Alzheimer reflete uma falta de atividade das
mentes adultas. Apesar da doença parecer ser determinada em grande
parte por estímulos hereditários e ambientais, parece que aqueles
que continuam aprendendo podem ter menor probabilidade de
desenvolver Alzheimer.
Assim, a crise na leitura é uma crise na saúde nacional.
Eu nunca vou esquecer de ter visto, como aluno colegial na minha
primeira viagem a Berlim Oriental, a praça onde Hitler e Goebbels
queimaram livros da biblioteca universitária. Aquelas fogueiras se
baseavam na idéia de que textos podiam minar exércitos. A repressão
soviética da literatura seguiu o mesmo princípio.
Os nazistas estavam certos em acreditar que uma das armas mais
poderosas em uma guerra de idéias são os livros. E queiram ou não,
os Estados Unidos estão no momento em tal guerra.
Sem livros, nós não poderemos ter sucesso em nossa atual luta contra
o absolutismo e o terrorismo. A troca da vida cívica por uma vida
virtual é um afastamento da democracia engajada, dos princípios que
dizemos que queremos compartilhar com o restante do mundo.
Você é o que você lê. Se você não lê nada, então sua mente murcha, e
seus ideais perdem sua vitalidade e influência.
Assim, a crise na leitura é uma crise na política nacional.
É importante reconhecer que a queda na leitura tem a ver não apenas
com o avanço do antiintelectualismo, mas também com um
intelectualismo falho.
A ascendência do pós-estruturalismo nos anos 80 coincidiu com o
início da queda catastrófica na leitura; a sugestão do
desconstrucionismo de que todo texto é igual em seus significados e
a difamação dos critérios levou a uma desvalorização da literatura.
O papel da literatura é de iluminar, fortalecer, explicar por que
algum aspecto da vida é tocante, belo, terrível, triste, importante
ou insignificante para pessoas que poderiam de outra forma não
entender tanto ou tão bem. Leitura é experiência, mas também
enriquece outras experiências.
Ainda mais imediata do que as crises na saúde e na política
provocadas pela queda na leitura é a crise na educação nacional. Nós
temos uma das sociedades mais alfabetizadas na história. Qual o
sentido de ter uma população que pode ler, mas não o faz?
Nós precisamos ensinar às pessoas não apenas como, mas também por
que ler. A luta não é fazer as pessoas lerem mais, mas fazê-las
quererem ler mais.
Apesar de ainda existir muito trabalho a ser feito nas escolas
públicas, a sociedade em geral também tem um trabalho. Nós
precisamos tornar a leitura, que é em sua essência um empreendimento
solitário, também em um empreendimento social, para encorajar aquela
grande emoção de encontrar afinidade em experiências compartilhadas
de livros. Nós precisamos inserir a leitura de volta à própria
essência da cultura, e torná-la um esteio da comunidade.
Ler é mais difícil do que assistir a televisão ou jogar videogame.
Eu penso na proposta epicurista de trocar prazeres mais fáceis por
mais difíceis, que se baseia na compreensão de que tais prazeres
mais difíceis são mais recompensadores.
Eu penso na declaração de Walter Pater: "A função da filosofia, da
cultura especulativa, para o espírito humano é o estimular,
despertar uma vida de observação ávida e aguçada. (...) A paixão
poética, o desejo de beleza, o amor da arte pela própria arte,
atende a maioria; pois a arte vem a você professando francamente não
dar nada além da mais alta qualidade aos seus momentos à medida que
eles passam".
Certamente isto é algo que todos os americanos gostariam, se ao
menos entendessem o quão prontamente poderíamos consegui-lo, o quão
válido é o esforço.
*Andrew Solomon, autor de
"O Demônio do Meio-Dia: Uma Anatomia da Depressão" (Objetiva), está
escrevendo um livro sobre famílias traumatizadas.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte: The New York
Times
10/07/2004
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