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Crescem
divórcios entre casais mais velhos
Separações são cada vez mais comuns nos EUA, dizem
pesquisas
Por
Alex Kuczynski
Era a
véspera do ano novo de 1999, e Arletta Ashe e o marido bebiam
champanhe em um bar da Avenida Madison, rodeados por balões e por
gente alegre que tocava buzinas. Mas a noite não terminou com algo
romântico do tipo "Harry e Sally - Feitos Um Para o Outro".
"Olhei para ele, levantei a minha taça e disse: 'Querido, feliz ano
novo. Quero o divórcio'", contou Ashe na semana passada. O marido
sorriu e disse, "Desculpe, dá para repetir o brinde?". Segundo ela,
a pergunta do marido pode ter sido motivada pelo som das buzinas, ou
pelo fato de ambos, com mais de 60 anos, estarem sujeitos a
problemas de audição.
Ashe, atualmente com 66 anos, diz que os casamentos de várias das
suas amigas também acabaram recentemente, em idades que antigamente
eram consideradas mais condizentes com uma madura tranqüilidade
conjugal do que com fins de relacionamento.
Mas o divórcio não é mais algo exclusivo da crise de meia idade.
Entre os norte-americanos mais velhos - aqueles com mais de 55 anos,
assim como os que já passaram dos 80 - o divórcio é mais aceitável e
comum que nunca, segundo o depoimento de advogados, conselheiros de
casamentos e gerontologistas. Esses profissionais, bem como as
pessoas que estão passando pelo chamado "divórcio grisalho", dizem
que vários fatores determinam o fenômeno, incluindo o aumento da
longevidade dos norte-americanos, o fato de os valores e as
tradições de expressão e investigação individual de uma geração
anterior à Segunda Guerra Mundial terem sido transmitidos à geração
seguinte e a crescente independência econômica das mulheres.
Robert Stephan Cohen, advogado matrimonial de Nova York, também
aponta para a melhora da saúde proporcionada pelos coquetéis
farmacêuticos que reduzem o colesterol e a pressão sanguínea,
erradicam a depressão e estimulam a libido. (Para os homens, há o
Viagra, e para as mulheres a terapia de reposição hormonal, embora
haja dúvidas quanto à segurança deste tratamento).
"Atualmente, um homem de 70 anos é jovem", diz Cohen. "Todos estão
tomando Lipitor (droga que reduz o colesterol) e medicamentos para
reduzir a pressão, e de repente ninguém mais olha para o relógio ao
se aproximar do fim da vida. A expectativa é que haja mais 17 ou 18
anos de vida. E isso é bastante tempo. E esses anos podem ser
especialmente vibrantes se a vida sexual for vibrante. O lago
dourado está agora nos 90 e não nos 70" (é importante notar que
Cohen tem 65 anos).
Os últimos dois anos foram marcados por uma onda de divórcios entre
altos executivos de mais de 55 anos. Sumner M. Redstone, atualmente
com 81 anos, se divorciou da mulher, Phyllis, em 2002, após 52 anos
de casamento. (No ano passado ele se casou com Paula Fortunato, 42).
George Soros, 74, e a mulher, Susan, 49, se separaram neste ano após
21 anos de casamento. Jack Welch, 68, e Jane Beasley Welch, 51, se
divorciaram no verão passado. (Ele se casou, em abril, com Suzy
Wetlaufer, 44).
Mas não são exclusivamente os ricos e famosos que estão desfazendo
os laços conjugais após décadas de casamento. Roland Taylor,
programador de computador aposentado que mora próximo a Portland,
Oregon, e que faz 70 anos em 9 de agosto, se divorciou vários anos
atrás, após 38 anos de casamento. "Tenho certeza que há 50 anos as
pessoas da minha idade que pensavam em se divorciar descartavam logo
a idéia", diz Taylor. "Eles provavelmente não viveriam muito mais
tempo, não é verdade?".
A porcentagem de norte-americanos com mais de 65 anos que se
divorciaram ou separaram subiu de 7% em 1999 para 10% em 2001,
segundo o Departamento de Saúde e Serviços Humanos. Os dados sugerem
um aumento no número de divórcios entre pessoas mais idosas, embora
os especialistas sejam cautelosos ao anunciar tal conclusão, já que
as estatísticas geralmente não incluem informações sobre a idade e o
momento da separação. Os homens e mulheres que constam no banco de
dados podem ter se divorciado quando eram mais jovens e ter
continuado descasados nos anos subseqüentes.
Mas certas evidências sugerem que o fenômeno é crescente. Vários
advogados conjugais em Nova York dizem ter um número maior de
clientes com mais de 55 anos. (Um deles, Peter Bienstock, chamou o
seu escritório de "unidade geriátrica"). Deborah E. Lans, parceira
de Cohen Lans, disse que percebeu um aumento nessa tendência há
cinco anos.
"Hoje há uma alta concentração desses casos, bem diferente da
mistura presenciada há dez ou 15 anos", diz Lans. Dez anos atrás, a
maioria dos seus clientes estava na década dos 40 anos. Agora a
idade em que os casais que se separam parece ter deslizado para
ambos os lados da curva de sino da meia-idade. Ela presencia um
número maior de clientes mais jovens, que querem resolver os seus
problemas conjugais mais cedo, e clientes mais velhos, que descobrem
que têm pela frente mais anos de vida do que teve a geração dos seus
pais.
O número de casais na cidade de Nova York que se divorcia após mais
de 30 anos de casamento tem subido, segundo as estatísticas mais
recentes do Departamento de Saúde. Em 2000, 574 casais que estavam
juntos havia mais de 30 anos pediram o divórcio, contra 485 em 1998.
Para aqueles que estiveram casados por um período entre 20 e 24
anos, esse número aumentou de 1.310 em 1998 para 1.458 em 2000.
Sobre os seus clientes mais velhos, Lans declara: "São pessoas que
aos 65 anos decidiram que têm mais 25 anos pela frente, e resolveram
que não vão se acomodar".
Foi isso o que ocorreu com Ashe. O marido, Edward Fox, era um
executivo muito ocupado que trabalhava para vários comitês de
gerência corporativa e filantrópica. O casamento, que durou dez
anos, era o segundo, tanto para Ashe quanto para Fox.
"Ele era muito ocupado, e comecei a ficar entediada", conta ela.
Lentamente, ela começou a descobrir que os dois tinham temperamentos
diferentes. Ele era um "animal social" que gostava do ritmo de Nova
York. Ela preferia uma vida mais tranqüila. Os dois procuraram um
especialista em crises conjugais. Mas a terapia não ajudou. Uma
noite, durante uma apresentação de balé, ela sentiu dores no peito.
Mais tarde, descobriu que tinha uma artéria quase totalmente
obstruída.
"Entrei em depressão", diz Ashe. "Descobri que estava doente em
todos os sentidos".
Foi durante essa situação conjugal precária - marcada por doença,
conflito de horários, sensação de estar sendo negligenciada - que um
velho amigo da Ashe apareceu. Se o seu casamento era um barril de
pólvora, ele foi o fósforo. Os seus votos de casamento se tornaram
uma memória apagada. E um dia a ficha caiu.
"Desde o início eu estava naquele casamento para toda a vida", conta
Ashe. "Mas de repente descobri que queria tudo o que não tivera no
meu casamento".
Fox não quis entrar em detalhes sobre o seu casamento e o divórcio.
Aqueles que se divorciaram após a meia-idade, tanto os que estavam
no primeiro casamento quanto os que experimentavam relacionamentos
subseqüentes, citam vários dos mesmos motivos para a separação:
infidelidade, tédio, um estranhamento entre o casal após a partida
dos filhos. Às vezes é uma combinação de fatores, diz William
Doherty, conselheiro conjugal e diretor do Programa de Terapia de
Casamento e Família da Universidade de Minnesota. Os pacientes mais
velhos de Doherty costumam ser homens bem sucedidos
profissionalmente com pouco mais de 60 anos que decidiram se
autodescobrir de formas que não são diferentes daquelas dos homens
mais novos. "Eles dizem que a vida é mais do que aquilo que têm
vivido e se envolvem com mulheres mais novas", conta Doherty. "E
eles não vêem outras mulheres como a causa da separação. Nenhum
deles encara a coisa dessa forma. Mas estão determinados a
equilibrar suas vidas de uma outra maneira".
Segundo Dohorte, parte do motivo pelo qual está recebendo pacientes
de mais idade é que a cultura de reformulação de vida se disseminou
entre os indivíduos mais velhos. "Eles fazem aulas de cozinha
escandinava", conta. "Tentam ioga. E procuram terapias para tentar
se entender melhor. Além disso, começam a se divorciar por aquilo
que eu chamo de 'motivos leves': 'não estou feliz', 'minhas
aspirações não se realizam', 'não nos comunicamos'".
Lans diz que entre os seus clientes, é mais freqüente que as
mulheres dêem o início aos procedimentos para o divórcio. Isso está
de acordo com uma recente pesquisa que revela que entre os homens e
mulheres entre 40 e 80 anos, o pedido de divórcio é geralmente uma
iniciativa das mulheres.
"Ainda há casos daqueles homens que dizem que querem uma vida
diferente e uma mulher mais nova, mas, na verdade, em se tratando de
casais mais velhos, descobri que com mais freqüência são as mulheres
que querem cair fora", diz Lans. No entanto, os seus clientes são
nova-iorquinos com alto padrão de vida, que desfrutam de
circunstâncias privilegiadas. Nesses casos, as mulheres podem se dar
ao luxo de partir, ou os maridos têm condições de arcar com acordos
de separação que proporcionem a elas uma nova vida econômica, diz
Lans.
William Zabel, que representou Jane Beasley Welch quando esta se
separou de Jack Welch em 2003, disse que os seus clientes mais
idosos incluem tanto homens quanto mulheres.
"Para os homens a sexualidade é realmente uma questão importante",
diz ele. "Eles querem se auto-afirmar com uma mulher mais nova". E
as mulheres, segundo ele, simplesmente jogam a toalha. No ano
passado ele representou uma mulher casada por 30 anos, uma advogada
de sucesso. Os filhos cresceram. Ela tinha os próprios recursos
financeiros. E atualmente a legislação em Nova York é mais favorável
às mulheres casadas há muito tempo. (Antes de 1980, quando a lei
estadual de distribuição justa foi aprovada, as mulheres raramente
conseguiam metade dos bens com o divórcio).
"As mulheres não se divorciam por razões sexuais", diz Zabel. "Elas
o fazem pela dignidade, pela suas pessoas. É algo admirável".
Um divórcio em um estágio mais adiantado da vida traz os seus
problemas e sofrimentos peculiares. Ainda que os filhos tenham
crescido, elas podem se sentir à deriva sem a segurança de um lar
onde os pais morem.
"Até mesmo os filhos adultos precisam de uma casa para onde ir",
explica Doherty. Muitas vezes, mais de uma geração ou ramo de uma
família é afetado. Bienstock, o advogado da chamada "unidade
geriátrica", diz que famílias mistas - um marido e uma mulher com
filhos de casamentos anteriores - dão margem a tensões financeiras
bem mais intensas durante os procedimentos legais do divórcio.
"Todos se mobilizam para pegar o pote de ouro", diz o advogado. "É
algo triste".
E ainda mais tristes são os casos de mulheres mais velhas cujos
maridos as deixam sem recursos financeiros suficientes. São mulheres
afligidas por tanta raiva e humilhação que, embora desejem que suas
opiniões sejam divulgadas, não querem que os seus nomes apareçam na
imprensa. Algumas buscam ajuda junto ao Instituto da Justiça no
Casamento, um centro de pesquisas de Nova York fundado por Lorna
Wendt, que travou uma batalha pública pelo divórcio no final dos
anos 90 com Gary Wendt, um caso que se transformou em paradigma para
a separação envolvendo mulheres que tomam conta do lar.
Uma mulher de Nova York, de 66 anos, disse na semana passada que o
seu casamento de 33 anos se evaporou há dois anos, após o marido, um
executivo que viajava freqüentemente à Europa, começar a ter um caso
com uma mulher na Inglaterra.
Ele informou à mulher que tinha um filho bebê com a outra. Como ele
mantinha os seus bens na Europa, ela não teve como conseguir parte
deles. Mas a dor mais profunda não é de natureza financeira, e sim
emocional. "Ainda passo por surtos de depressão", contou ela.
"Sinto-me completamente abandonada. A decepção foi terrível em todos
os níveis. Já passei daquela fase em que me perguntava o que fiz de
errado, mas não me sinto melhor".
Há pessoas trabalhando no sentido de salvar casamentos antigos.
David e Claudia Arp, casados há 41 anos, escreveram vários livros de
auto-ajuda sobre os problemas que surgem nos casamentos prolongados.
Eles organizaram seminários em todo o país para ajudar os casais a
lidarem com os problemas que emergem com a maturidade da vida
matrimonial.
"Não é um período fácil", diz Arp. "Um dia você acorda, se defronta
com a aposentadoria, os filhos cresceram e provavelmente há toda
essa questão hormonal a ser enfrentada. Até mesmo os casais que se
relacionam bem podem passar por problemas".
"Para nós é muito triste ver um casal que está junto há 30 anos
jogar tudo fora", afirma. "Quanto mais velhos somos, mais difícil é
reconstruirmos as nossas vidas".
Taylor, o programador aposentado de computadores do Oregon, está
casado atualmente com Dannah MacCombe, cujo casamento também acabou
após 31 anos. MacCombe diz que os familiares ainda sentem as dores
dos divórcios do casal.
"Os filhos de Roland estão na década dos 40 anos, e os meus na dos
30. Meus filhos ainda me perguntam porque eu não tentei preservar
meu casamento", conta Dannah. Os netos também expressaram
preocupações. "Dois deles me perguntaram por que eu não estava mais
casada com o vovô Bill", diz ela. "É complicado".
Os Taylor comemoraram o seu segundo aniversário de casamento em
junho. "Creio que o nosso compromisso é de longo prazo", diz Dannah.
Tradução: Danilo
Fonseca
Fonte: The New York
Times
09/08/2004
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