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Corpo, beleza e envelhecimento
Na academia pude entender as diferenças dos corpos que envelhecem. Aliás, a bem da verdade todos envelheciam. A diferença estava na eleição da faixa etária dos 15 aos 35, como padrão de beleza valorizado, objeto de desejo e modelo a ser perseguido. O que deveria ser um processo normal do ciclo biológico se apresentava ideológica e culturalmente modificado. O tempo passou e já mais malhado (ledo engano!), certa manhã, tomei o metrô lotado. Ajeitei-me como pude, com minha pesada pasta a tiracolo – que mania se tem de carregar coisas! De repente, senti alguém me tocar o ombro: “O ´tiozinho` não quer se sentar?!” Aceitei, agradeci e me ofereci para segurar a bolsa do garoto que fizera tal gentileza. Pensei comigo sobre esta mudança de categoria de “tio” para “tiozinho”, e percebi que ambas as leituras foram feitas a partir do olhar do outro sobre a inscrição temporal que meu corpo lhes apresentava. É no corpo que se inscrevem as marcas do tempo e da história, individual e coletiva, dos sujeitos. É sobre ele que se expressam a trajetória da vida, do trabalho, do mundo interno de cada um. É através dele que me apresento às pessoas. O corpo não é um depositório qualquer, para que quando velho seja negado, descartado, ridicularizado. Ele tem uma expressão histórica. O moderno mundo do consumo engendra para o corpo uma ideologia que não pode estar desvinculada do mundo da produção. Para garantir o consumo é necessária a valorização do novo como objeto do desejo e da cobiça, e o descarte do velho e do usado, como ultrapassado. Para entendermos esta dinâmica, basta que tomemos, por exemplo, o fenômeno dos aparelhos celulares. Em dez anos, eles se modificaram centenas de vezes. Novos desenhos modernos e “bonitos” são criados para que as pessoas se mostrem antenadas, jovens e bem-sucedidas. O medo da transformação do corpo jovem para um envelhecido se assemelha um pouco com os celulares. Tem-se medo de envelhecer como se tem receio de ser ridicularizado ao usar os aparelhos antigos de 10 anos, como os tijolões. Parece haver uma confusão generalizada que nos leva a confundir o ser e o ter. Quando, por força da ideologia vigente, somos induzidos a associar coisas e pessoas, estabelecendo uma sociedade dos descartáveis para ambas, tendemos a imaginar o corpo velho como aquele que precisa ser trocado, descartado, escamoteado, como se faz com os celulares. Esta forma de pensar pode trazer para o processo natural e esperado de transformação do corpo, o processo artificial gerado pela moderna sociedade de consumo de barramento do corpo velho, gerando desconforto existencial perante algo inevitável que é o nosso envelhecimento. Paul Sartre, filósofo existencialista francês, nos alerta que não devemos somente perguntar o que fizeram de nós, mas o que nós fazemos de nós mesmos. Somando-se a Sartre, Karel Kosik, este grande filósofo tcheco, amplia o conceito de humanidade do ser humano quando o nomeia de ontocriativo – capacidade interna que temos de nos transformar enquanto transformamos.
Ter um corpo de
“tio”, “tiozinho”, “coroa” “minha tia”, idoso, velho é apenas uma
questão de tempo. O corpo envelhecido é a marca e o tom de nossa
humanidade que se inicia com o nascimento e se conclui, como nosso
passamento – Λ e Ώ. – Princípio e Fim. Cuidar do corpo, então, deve
estar centrado na manutenção de sua funcionalidade e na capacidade
lúcida de nos entendermos como sujeitos de nossa história e de
nossos destinos.
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