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Jaime Lisandro Pacheco

Corpo, beleza e envelhecimento

Certo dia, eu me olhei com atenção no espelho. Em meu rosto, marcas do tempo. Na cabeça, fios brancos.  De pronto, lembrei-me do garoto que me abordara dias antes: “Oh, tio, pode-me dizer onde fica a praça tal?” Putz!,  as coisas se juntaram e, como num passe de mágica, tomei consciência de meu processo de amadurecimento.

A primeira reação foi de me livrar daqueles sinais, utilizando a parafernália da indústria da beleza. “Cinqüenta, mas corpo de trinta!”, pensei eu.  E não é que a tecnologia ajudava?! Então que tal um empurrãozinho, numa academia?  Lá fui eu, não para a manutenção da saúde, mas da minha aparência. Já não mais pensava num corpo de 30, mas de 40, talvez, quem sabe?

Dan Keplinger - "Old Man"

 

Na academia pude entender as diferenças dos corpos que envelhecem. Aliás, a bem da verdade todos envelheciam.  A diferença estava na eleição da faixa etária dos 15 aos 35, como padrão de beleza valorizado, objeto de desejo e modelo a ser perseguido. O que deveria ser um processo normal do ciclo biológico se apresentava ideológica e culturalmente modificado.  

O tempo passou e já mais malhado (ledo engano!), certa manhã, tomei o metrô lotado. Ajeitei-me como pude, com minha pesada pasta a tiracolo – que mania se tem de carregar coisas! De repente, senti alguém me tocar o ombro: “O ´tiozinho` não quer se sentar?!” Aceitei, agradeci e me ofereci para segurar a bolsa do garoto que fizera tal gentileza.  

Pensei comigo sobre esta mudança de categoria de “tio” para “tiozinho”, e percebi que ambas as leituras foram feitas a partir do olhar do outro sobre a inscrição temporal que meu corpo lhes apresentava.  É no corpo que se inscrevem as marcas do tempo e da história, individual e coletiva, dos sujeitos. É sobre ele que se expressam a trajetória da vida, do trabalho, do mundo interno de cada um. É através dele que me apresento às pessoas. O corpo não é um depositório qualquer, para que quando velho seja negado, descartado, ridicularizado.  Ele tem uma expressão histórica. 

O moderno mundo do consumo engendra para o corpo uma ideologia que não pode estar desvinculada do mundo da produção. Para garantir o consumo é necessária a valorização do novo como objeto do desejo e da cobiça, e o descarte do velho e do usado, como ultrapassado. 

Para entendermos esta dinâmica, basta que tomemos, por exemplo, o fenômeno dos aparelhos celulares.  Em dez anos, eles se modificaram centenas de vezes. Novos desenhos modernos e “bonitos” são criados para que as pessoas se mostrem antenadas, jovens e bem-sucedidas.           

O medo da transformação do corpo jovem para um envelhecido se assemelha um pouco com os celulares. Tem-se medo de envelhecer como se tem receio de ser ridicularizado ao usar os aparelhos antigos de 10 anos, como os tijolões            

Parece haver uma confusão generalizada que nos leva a confundir o ser e o ter.  Quando, por força da ideologia vigente, somos induzidos a associar coisas e pessoas, estabelecendo uma sociedade dos descartáveis para ambas, tendemos a imaginar o corpo velho como aquele que precisa ser trocado, descartado, escamoteado, como se faz com os celulares.   

Esta forma de pensar pode trazer para o processo natural e esperado de transformação do corpo, o processo artificial gerado pela moderna sociedade de consumo de barramento do corpo velho, gerando desconforto existencial perante algo inevitável que é o nosso envelhecimento.  

Paul Sartre, filósofo existencialista francês, nos alerta que não devemos somente perguntar o que fizeram de nós, mas o que nós fazemos de nós mesmos. Somando-se a Sartre, Karel Kosik, este grande filósofo tcheco, amplia o conceito de humanidade do ser humano quando o nomeia de ontocriativo – capacidade interna que temos de nos transformar enquanto transformamos.           

Ter um corpo de “tio”, “tiozinho”, “coroa” “minha tia”, idoso, velho é apenas uma questão de tempo. O corpo envelhecido é a marca e o tom de nossa humanidade que se inicia com o nascimento e se conclui, como nosso passamento – Λ e Ώ. – Princípio e Fim. Cuidar do corpo, então, deve estar centrado na manutenção de sua funcionalidade e na capacidade lúcida de nos entendermos como sujeitos de nossa história e de nossos destinos.

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Jaime Lisandro Pacheco 

É psicólogo e mestre em Educação pela UERJ, doutor em Educação/Gerontologia pela Unicamp, pesquisador convidado do Departamento de Psicologia e Psiquiatria da Unicamp e editor das linhas Envelhecimento Humano e Histórias de Vida da Editora Setembro. E-mails:  pachecoj@fcm.unicamp.br e edirotasetembro@aol.com

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